quinta-feira, 8 de novembro de 2012

Declaração Universal dos Direitos Humanos -Versão Popular-

Frei Betto
Fonte: Internet.
08.11.2012




Todos nascemos livres e somos iguais em dignidade e direitos.

Todos temos direito à vida, à liberdade e à segurança pessoal e social.

Todos temos direito de resguardar a casa, a família e a honra.

Todos temos direito ao trabalho digno e bem remunerado.

Todos temos direito a descanso, lazer e férias.

Todos temos direito à saúde e à assistência médica e hospitalar.

Todos temos direito à instrução, à arte e à cultura.

Todos temos direito ao amparo social na infância e na velhice.

Todos temos direito à organização popular, sindical e política.

Todos temos direito de eleger e ser eleitos para as funções de governo.

Todos temos direito à informação verdadeira e correta.

Todos temos direito de ir e vir, mudar de cidade, de estado ou país.

Todos temos direito de não sofrer nenhum tipo de discriminação.

Todos somos iguais perante a lei.

Ninguém pode ser arbitrariamente preso ou privado do direito de defesa.

Toda pessoa é inocente até que a justiça, baseada na lei, prove o contrário.

Todos temos a liberdade de pensar, de nos manifestar, de nos reunir e de crer.

Todos temos o direito ao amor e aos frutos do amor.

Todos temos o dever de respeitar e proteger os direitos da comunidade.

Todos temos o dever de lutar pela conquista e ampliação desses direitos.



* Frei Betto é escritor, autor de "Uala, o Amor" (FTD), entre outros livros 

A resistência ao regime militar no RN.

 

Natal, 08 de novembro de 2012.

Com o objetivo de ampliar e melhorar a divulgação das reportagens sobre o movimento estudantil potiguar, iniciamos hoje a republicação dos textos de nossa autoria, tendo em vista que o acervo do extinto semanário Dois Pontos, segundo informações do jornalista  Valdir Julião, meu amigo e companheiro na redação daquele jornal., e do médico Armando Negreiros, não está disponível na Internet. As célebres entrevistas de Marcos Aurélio também não estão disponíveis na Internet, conforme recente artigo de Armando Negreiros (Jornal de Hoje,  edição de 30.10.2012, p.02).

Um pouco da nossa história.



Para os que se interessam pela história dos movimentos políticos da juventude potiguar, eis algumas reportagens publicadas no extinto semanário DOIS PONTOS, de Natal/RN, fundado pelo jornalista Marcos Aurélio de Sá, hoje proprietário do JORNAL DE HOJE.

O Movimento Estudantil do RN antes e durante a ditadura militar (I)

DOIS PONTOS, 07 a 13 de maio de 1988
Texto de Luiz Gonzaga Cortez
Nota do autor: textos sujeitos a correções.



    "Em muitos movimentos da vida nacional os estudantes se converteram em verdadeiras "pontas de lança" de uma sociedade amordaçada, reprimida e oprimida, atuando no sentido de desencadear movimentos de caráter mais amplo e que desembocaram em sérias transformações políticas no país. Bastam alguns exemplos (...) para comprovar isto: na campanha pela entrada do Brasil na luta contra o nazi-fascismo, no início da década de 40; na campanha pelo estabelecimento do monopólio estatal do petróleo e a criação da Petrobrás; nos protestos contra a ditadura, nos anos 1966 a 1968; em todos, foi decisiva a participação dos estudantes, ou seja, eles, enquanto componentes de um movimento, assumiram o papel de fenômeno político de primeiro plano". (Antonio Mendes Jr., in Movimento Estudantil no Brasil, Editora Brasiliense, São Paulo, 1981, p.08).

    Israel Vieira da Silva, advogado e professor, atualmente filiado ao Partido Democrático Trabalhista, foi líder estudantil em Natal, do final da década de 50 até os primeiros anos da década de 60, quando a capital potiguar tinha um forte e organizado movimento estudantil que se rivalizava, em acirradas disputas pela sua hegemonia, entre o Colégio Estadual do Atheneu e o Colégio Marista, o professor Israel Vieira da Silva, atualmente filiado ao Partido Democrático Trabalhista. Os dois estabelecimentos de ensino, um público e outro particular, reuniam pouco mais de dois mil estudantes e as suas disputas eram mais intensas nas quadras e campos de esportes e/ou nas atividades culturais da época.

No período em que Israel Vieira liderou parte do movimento estudantil, Natal era mais provinciana do que é e as reivindicações dos estudantes eram quase as mesmas das levantadas pelos jovens de hoje. Entre o movimento estudantil de hoje e o do final da década de 50 só havia uma diferença, profunda: a falta de sintonia entre os partidos políticos, de esquerda e conservadores, e entre a massa e a liderança estudantil.
Naquela época, não existia a ligação do movimento estudantil e o movimento político. O movimento era direcionado para a vida estudantil, para as necessidades dos estudantes, cujas reivindicações eram poucas, tais como problemas de transportes coletivos, mais ônibus e preços das passagens mais baratas. Natal só existia até a fábrica Guararapes, no bairro de Lagoa Seca: não existiam a Zona Norte, os conjuntos Cidade da Esperança, Candelária, o Instituto Kennedy, que foi construído no governo de Aluizio Alves. A cidade era muito pequena e as linhas de ônibus eram curtas. Isso ocasionava um problema porque os colégios eram concentrados no centro da cidade; não havia colégios na periferia e os estudantes deslocavam-se de ônibus para o centro, onde estavam as escolas mais importantes, como o Atheneu, Marista, Imaculada Conceição, Sete de Setembro, Escola Industrial e Escola Normal (feminina). Então, as exigências dos estudantes eram poucas e não existia a complexidade do movimento, como ocorre hoje. Sua complexidade é maior, evoluiu para a participação da esquerda e da direita e se vinculou a partidos políticos.
A política era diferente da de hoje, pois era baseada nas velhas lideranças, oriundas do coronelismo e do paternalismo que dominavam o Rio Grande do Norte. Tampouco o povo participava das campanhas políticas, tradição quebrada na campanha desenvolvida por Aluizio Alves, candidato a governador, em 1960, "levando homens, mulheres, velhos e crianças para as ruas", disse o professor Israel, um dos fundadores da "Cruzada da Esperança", movimento que juntou pessoas de vários matizes sociais, como Walter Gomes (hoje jornalista em Brasília), José Coelho Ferreira, Luciano Veras (coronel da PM), Quinho Chaves, professor e psiquiatra, o comerciante Militão Chaves, os estudantes José Martins, Paulo Herôncio, Manoel Martins da Silva, Magnus Kelly Rocha, etc.
Numa época em que estudante não participava da política, tradicionalmente conservadora, a Cruzada da Esperança promoveu um comício no Grande Ponto ( logradouro no centro de Natal) historicamente marcado pelo lançamento da candidatura do então deputado federal Aluizio Alves a Governador contra as forças mais reacionárias do Estado. Um ano depois os estudantes da Cruzada estavam subindo as escadas do Palácio Potengi com o seu novo líder.
AS LIDERANÇAS – Para Israel Vieira as lideranças estudantis eram Francisco Sales da Cunha, presidente do Diretório Estudantil "Celestino Pimentel", do Atheneu, "muito atuante e, mais tarde, eleito vereador por conta dessa liderança política"; Jurandir Tahim, Waldir Freitas, ex-gerente das Casas Pernambucanas em Natal; Érico de Souza Hackradt, "um grande líder". "Essas as principais lideranças, na minha opinião, do meu tempo, que atuaram no Centro Estudantal Potiguar - CEP e Associação Potiguar de Estudantes - APE, recorda Israel.
Ele informa que não havia distinção entre esquerda e direita no movimento estudantil, mas havia "grupos avançados e grupos menos avançados". E exemplifica: "Havia grupos que defendiam os interesses dos patrões, dos donos de colégios e empresas de ônibus e dos estudantes. De um lado estava a liderança do Atheneu e do outro, a do Marista, que representava a escola particular e o Atheneu, a escola pública, cujos líderes defendiam mais verbas para o ensino público e gratuito em detrimento do ensino privado. A campanha do "Petróleo é nosso" também foi outra grande bandeira de luta. "Quem era da direita, defendia os interesses da escola particular. Quem era mais avançado , defendia o ensino público", completou o advogado e professor Israel Vieira, hoje um brizolista juramentado.
Ele se lembra de alguns líderes estudantis secundaristas do seu tempo que assumiam posições conservadoras: José Augusto Othon, seu concorrente na eleição para a presidência da APE e Luiz Antonio Porpino, que foi gerente do Hotel Ducal, ambos alunos do Colégio Santo Antonio (Marista).
O Colégio Estadual do Athneu Norte-rio-grandense era o que tinha o maior número de alunos e, por isso, liderava o movimento estudantil de Natal e era o único instituto de segundo grau, público, com três turnos, só para homens, onde se estudava o "científico" e o "clássico", após cursar o ginasial. Como o movimento era polarizado entre o Atheneu e o Marista, o Diretório Estudantil "Celestino Pimentel" comandava os estudantes das camadas pobres. Foi nesse grêmio estudantil que Sales da Cunha firmou a sua liderança e militância políticas, somente superada por outro líder famoso: Pecado, alcunha de Manoel Filgueira Filho. "O aluno ingressava no ginasial após o exame de admissão, um verdadeiro vestibular. Havia o "batismo" dos calouros e Pecado era o encarregado dessa festa, mas nunca passou da segunda série ginasial. Foi um estudante profissional, nasceu em Mossoró, morou em Natal muitos anos e terminou funcionário do Atheneu. Pecado não era de direita nem comunista, não era nada; foi um simples estudante profissional, um boa vida que só queria desfrutar das "benesses" do movimento estudantil, das mordomias, pois os estudantes gozavam de descontos de 50% nas passagens de ônibus,nos cinemas, liderava competições desportivas e todo mundo respeitava. E assim foi levando a vida, sem idéias comunistas", conta Israel Vieira.

CIA financiou estudantes e padre em 1961 (II)
Dois Pontos, 14 a 20 de maio de 1988.

Ainda Pecado – No final dos anos 50, muitas passeatas foram comandadas por Pecado, uma figura que ficou folclórica em Natal, e eram realizadas no trecho compreendido entre o Atheneu, no bairro de Petrópolis, e o "Grande Ponto", no meio da rua João Pessoa, na Cidade Alta. As causas das passeatas: precariedade e preços das viagens nos transportes coletivos. Os ônibus eram escassos, velhos e caros. "Houve algumas tentativas de queimar ônibus, no Grande Ponto, mas nunca se concretizaram devido a presença da polícia", disse o professor Israel Vieira da Silva, ex-presidente da Associação Potiguar de Estudantes-APE.
Com saudades, Israel relembra que as datas nacionais eram comemoradas todos os anos no âmbito dos estabelecimentos de ensino de primeiro e segundo graus (21 de abril, 7 de setembro, 15 de novembro, etc), além do dia 11 de agosto, Dia do Estudante, com concentrações de estudantes, reuniões, conferências, numa verdadeira simbiose escolar. As datas eram lembradas nas escolas, promovidas pelos grêmios ou diretórios estudantis, "sem grandes mobilizações de massa nas ruas".
Ele não se lembra de que haja ocorrido qualquer repressão violenta ao movimento estudantil secundarista em Natal, na década de 50, mas recorda-se que os universitários, alunos da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte, criada pelo governador Dinarte Mariz, eram mais atuantes, principalmente os estudantes da Faculdade de Direito, na praça Augusto Severo, Ribeira, no prédio onde hoje funciona a Secretaria da Segurança Pública.
"No governo de Aluizio Alves houve muita repressão. O secretário de segurança, coronel Manoel Leão Filho, mandava "baixar o cacete" nos estudantes. Nessa época, os líderes eram Hélio Vasconcelos, Danilo Bessa, gente de esquerda. A repressão era maior nos trotes, tendo em vista que nos trotes, os estudantes criticavam com os seus cartazes a autoridade estabelecida e a administração de Aluizio, que foi muito duro nessa questão", disse Israel.
Entre 1961/1965, Israel Vieira escreveu na "Tribuna do Norte", onde tinha coluna dirigida aos estudantes, "Vida Estudantil", na qual atirava flores à administração de Aluizio, de quem foi fiel correligionário e fundador da "Cruzada da Esperança". Perdeu um ano do curso de direito para se dedicar à campanha de Aluizio Alves, tornando-se, mais tarde, chefe de gabinete de Duarte Filho, secretário da Saúde Pública. Ele lembra que Aluizio atraiu muitos estudantes para a sua campanha, pois foi o primeiro político a levar a juventude potiguar a acreditar em mudanças. "Até o hino da campanha era um hino de promessas. Por essa razão, eu e parte da estudantada participamos da campanha dele, pois acreditávamos que estávamos trabalhando para a transformação do nosso Estado", conta Israel, que trabalhou com Aristófanes Fernandes e, após 1965, desencantado, abandonou a política. Somente retornou à política em 1985, com a candidatura de Waldson Pinheiro, do PDT, à Prefeitura de Natal.
ANUIDADES – Tal como hoje, as anuidades escolares já eram um problema grave para a estudantada, segundo informa Israel Vieira. O problema era mais agudo porque o número de escolas e de vagas era reduzido. Para se conseguir uma vaga numa escola pública ou privada era necessário um cartão de um político, "senão não se matriculava". No Atheneu, o único colégio público, só se matriculava com um cartão de político, se o aluno fosse do interior.
As divergências eram também importantes entre as entidades estudantis da época, principalmente entre o Centro Estudantal Potiguar-CEP e a Associação Potiguar de Estudantes-APE. No Centro Estudantal houve uma direção muito criticada, a de Jurandir Tahim, que sempre se reelegia, "pois era uma espécie de clube fechado".
"No Centro Estudantal só se filiava quem fosse de acordo com Jurandir Tahim; quem não fosse, ele não filiava. Jurandir era uma espécie de "coronel" do CEP. Então, se criticou a sua administração, se denunciou que ele não prestava contas, que ninguém sabia para onde ia o dinheiro que a entidade recebia, etc. E a entidade não atuava políticamente, ao contrário da APE, liderada por Érico Hackradt, antes de mim. A APE era mais viva, mais atuante, mais aberta. Então, nesse ângulo houve uma grande rivalidade entre a APE e o Centro. Na minha gestão, levamos a eleição para o interior, pois antes só era realizada em Natal e de forma indireta. Fizemos a primeira eleição direita, envolvendo todos os alunos das escolas de Natal, inclusive a Escola Doméstica, Colégio Agrícola de Jundiaí, escolas de Mossoró, Caicó, Assú, Macaíba e Parnamirim. Após a eleição e posse da diretoria, fizemos reuniões em Natal com as lideranças do interior e editamos um jornal impresso na Imprensa Oficial do Estado. Além disso, conseguimos um grande tento: legalizar a carteira de estudante. Até então, o estudante conduzia a carteirinha para identificação, mas com a Lei Érico Hackradt, em 1958, instituiu-se o abatimento de 50% nos cinemas e ônibus. Antes o abatimento só existia nos cinemas, o único grande meio de diversão para os estudantes", disse Israel.
BALA EM ESTUDANTE – Como episódio quase trágico na sua vida de política estudantil, Israel lembra um comício que estava sendo realizado em frente ao Atheneu, durante a campanha de Aluizio Alves, em 1960. "Os estudantes discursavam na frente da casa do então deputado João Aureliano, o Coleguinha, que, achando-se incomodado com a "zoada", sacou um revólver e apertou o gatilho várias vezes, no meio da concentração, mas atirando pra cima. Então, correu todo mundo e acabou-se o comício", conta o ex-presidente da APE (ele foi sucedido na APE por Edmilson Felipe, Paulo Ney de Lacerda (advogado em Brasília) e Pio Cavalcanti.
Segundo Israel, as bandeiras de lutas dos estudantes sempre foram nacionalistas, tais como a campanha pela defesa do petróleo brasileiro, das reservas minerais, etc. Mas houve um acontecimento que mexeu com os nacionalistas, comunistas e direitistas de Natal: o Congresso Latino-Americano de Estudantes - CLAE. "Estávamos em 1961, mas a presença da representação cubana foi quem ouriçou, pois Cuba estava no auge da sua revolução, graças a repressão dos Estados Unidos a Fidel Castro. A questão levantada foi por causa da chegada de representações da maioria dos países convidados: essa maioria era subvencionada pela CIA, pelo Departamento de Estado norte-americano. A confusão foi grande quando uma delegação do Panamá ou da Guatemala descobriu um telegrama da CIA dando orientações para os estudantes se conduzirem no congresso. Coube a um estudante de Cuba ou do Chile, não tenho certeza qual sua nacionalidade, ler o telegrama. Quando o estudante chileno ou cubano estava dizendo que ali havia representações pagas pelos americanos, então, o tiroteio começou no recinto. Foi bala pra burro , depois de luta corporal entre o estudante que estava com o telegrama e os que queriam arrebatar o telegrama. Então, alguém puxou o revólver e meteu bala, derivando-se em tiroteio que foi fotografado pelos repórteres e jornalistas, o que levou alguns estudantes a quebrar as máquinas fotográficas. A bagunça foi grande e o congresso foi encerrado no segundo dia", conta Israel Vieira.
O Congresso da CLAE foi realizado nas dependências da atual Escola Estadual Professor Anísio Teixeira, na praça Cívica Pedro Velho. Sabe-se, por outras fontes, que um padre indiano, Campos, comandou um grupo de estudantes da direita para atacar o Congresso e realizou reuniões nas dependências do Serviço de Assistência Rural-SAR, que contou com a presença de Ney Lopes de Souza, Adilson de Castro Miranda, João Maria Cortez Gomes (este ficou encarregado de panfletar e provocar os cubanos) e outros jovens da Juventude Estudantil Católica-JEC. Realizaram as tarefas, foram cobaias do padre Campos, mas muitos fugiram nas primeiras refregas.
O telegrama do Departamento de Estado, que dava orientações à representação do país, cujas despesas de viagens, diárias, alimentação e hotel eram pagas pelos americanos, teria sido interceptado na portaria do "Grande Hotel", na Ribeira. "Não sei como conseguiram o telegrama. Sei que o telegrama dava orientações sobre o que fazer no congresso , como atacar Cuba, como defender tal e tal país, etc. Só sei que a Polícia interviu e acabou-se o congresso", afirma Israel.
Ele assegura que a Igreja não colaborou para o fracasso do Congresso da CLAE, patrocinada pela União Nacional dos Estudantes-UNE, apesar de reconhecer que naquele tempo a Igreja Católica estava ligada aos poderosos. "E havia grupos de direita dentro da Igreja: a Juventude Estudantil Católica- JEC e a Juventude Universitária Católica-JUC. Eram grupos muito fortes, além da Juventude Operária Católica-JOC, integradas e lideradas por estudantes que começavam a se destacar no movimento estudantil. Eu fui participante da JUC, assim como João Faustino e a maioria dos líderes estudantis. Na Universidade, em 1961, já tinha gente de esquerda; na JUC, JEC, JOC, JIC, não. No meio universitário, conhecíamos como de esquerda Luiz Maranhão Filho, Hélio Vasconcelos, Danilo Bessa e outros. Eram pessoas que a cidade dizia ser de esquerda, mas como estudantes não discutiam ideologia. Eram envolvidos na luta nacionalista contra o truste estrangeiro", comenta Israel.
DIREITA – Segundo o pedetista Israel Vieira, a Igreja apregoava que o comunismo acabava com a família, que matava as criancinhas. "Então, os líderes estudantis de direita lançavam a palavra de ordem que o comunismo era a peste. A Igreja era profundamente reacionária, cujo discurso era que o Estado acabava com a família, que cada um era dono dos seus filhos, etc. Eles pregavam isso. Então, todo mundo movimento de direito tinha a família como alvo dos debates, com o objetivo de encostar os comunistas. O bom mesmo era ser de direita, pois era mais bem-visto, cortejado. Entre outros nomes que assumiam posições de direita posso adiantar José Augusto Othon, Pio Cavalcanti e padre Celestino Galvão, de Currais Novos. Esse era um padre que atuava mesmo no movimento estudantil. Ele morava em Caicó, mas se envolvia com os estudantes de Natal, Caicó, Currais Novos, Ceará-Mirim, Parelhas. Onde houvesse movimento, ele estava metido, sempre como um padre conservador. O padre Galvão tinha uma liderança muito forte entre os jovens, principalmente em fundações e reuniões de grêmios, congressos, etc. Dom Eugênio Sales foi um líder na Igreja e sempre teve muita influência na juventude, mas não era um homem de se expor, de aparecer, ir lá. Por debaixo dos panos, ele sabia manipular e já era considerado um bispo conservador. Já os padres Agnelo Dantas Barreto, Oto Santana e Antonio Soares Costa atuavam na coordenação da JEC, JUC, JIC e JOC ".

DEPUTADOS ENVERGONHARAM OS ESTUDANTES (III)
Dois Pontos, de 21 a 25 de maio de 1988

Ö estudante aqui, como em muitos outros países da América Latina, é movido por algo mais do que o simples espírito anarquista que caracteriza o jovem moderno na Europa ou nos Estados Unidos. Esse algo mais, que torna o estudante brasileiro muito mais maduro, políticamente, do que o seu colega europeu ou norte-americano, refere-se a uma profunda decepção quanto à maneira como o Brasil foi conduzido no passado, de uma violenta revolta contra o modo pelo qual ele é dirigido no presente e de uma entusiástica disposição de governá-lo de outra forma no futuro. Devido a essa perspectiva de poder – que muitas pessoas imediatistas e carentes de imaginação, podem considerar utópica, mas que é, afinal, uma consequência inevitável das leis naturais – o estudante brasileiro é oposicionista nato".(Arthur José Perner, O Poder Jovem, história da participação política dos estudantes. Rio de Janeiro,. Civilização Brasileira, 1969, p.26).



Para Hélio Vasconcelos, ex-secretário de Educação do Estado do RN e atualmente exercendo as funções de Procurador da Assembléia Legislativa, a mais antiga entidade estudantil de Natal foi o Centro Estudantal Potiguar, criada em 1935, por um grupo de alunos do Atheneu Norte-rio-grandense que representou uma espécie de "pré-universidade do Rio Grande do Norte". De lá, também saíram as grandes lutas, como a do "O petróleo é nosso" e outras reivindicações.
--Desse grupo, entre outros nomes, relembro as figuras de Luiz Maranhão Filho, Alvamar Furtado, José Cândido, Vivaldo Ramos de Vasconcelos. Destes, estão vivos o professor Alvamar Furtado e José Cândido. Luiz Maranhão foi morto pelo golpe de 64 e Vivaldo Vasconcelos também. Depois de alguns anos, nos idos de 47/48, surge uma cisão no movimento estudantil secundarista, que eu vejo como um marco: a Associação Potiguar de Estudantes, formada por alunos da Escola Técnica de Comércio, Escola Industrial de Natal, Colégio Imaculada Conceição, Colégio das Neves, com a liderança de Érico Hackradt, o grande líder estudantil desta época, Moacir de Góis, João Ururahy Nunes do Nascimento, Omar Pimenta e um estudante chamado Hitler Miranda. Na época não se falava em reacionário, conservador, progressista, direita, esquerda, nada disso. Esta cisão teria sido em decorrência de uma eleição que este pessoal da APE acusava de ter sido uma eleição viciada. Eles haviam perdido e me faz lembrar as campanhas políticas da época, pois quando a UDN perdia uma eleição, queria ganhar no tapetão. Nesta época surge a APE e isso abalou muito a força do movimento secundarista, porque se dividiu entre esses estudantes, com Érico Hackradt à frente, e o Centro Estudantal, do qual fui presidente em 1955/56", historia o professor Hélio Vasconcelos.
O Centro Estudantal Potiguar tinha sede, funcionários, prestava contas de suas atividades ao seu quadro social. Era uma entidade estudantil burocratizada para poder distribuir as carteirinhas estudantis. Nos tempos da liderança de Hélio Vasconcelos, o CEP funcionou em duas sedes: uma na avenida Rio Branco e, depois, na rua Princesa Isabel, onde hoje é o Café São Luiz.
O CEP se mantinha de uma subvenção do Estado e da renda dos sócios que pagavam as mensalidades. Como órgão de classe, lutava por abatimentos dos estudantes nos ônibus e cinemas e realizava algumas atividades sociais e recreativas (festas dançantes), jogos desportivos, mantinha uma biblioteca que era muito consultada pelos estudantes e havia até um grêmio literário na própria estrutura do Centro Estudantal.
A APE tinha também muita movimentação, conta Hélio Vasconcelos, relembrando a época em que lutou pela integração das entidades com vistas ao fortalecimento do movimento estudantil. "O movimento já era fraco e dividido se tornava mais fraco ainda. Mas isso nunca foi conseguido porque aí já se tinha um divisor mais ou menos claro: o Centro Estudantal, por ter sido criado em 1935, tinha a pecha de ser entidade ligada aos comunistas. Lembro-me bem que em duas vezes em que assumi a presidência, houve um congresso de estudantes em Natal e o Centro Estudantal teve muita dificuldade em participar desse congresso porque era um congresso feito por estudantes católicos. Eu tive que falar com o Arcebispo, Dom Marcolino Esmeraldo de Souza Dantas, e ele, uma pessoa generosissíma, disse "para mim isto não tem maior valor, acho que vocês todos são estudantes, vocês não têm nenhuma definição de conteúdo ideológico". Ele pensava assim, na primeira visita que eu fiz. Mas a maioria tinha prevenção contra o Centro Estudantal Potiguar.
Centro participou do congresso e aí houve a cisão na APE. Alguns líderes saíram da APE, como Geraldo Lago de Oliveira, hoje juiz de direito, era grande orador estudantil; Francisco das Chagas Rocha saiu e foi para o Centro e Arnaldo Arsênio de Azevedo, entre outros. Nesse pouco de história, dava para sentir o início de uma certa maturidade, um pouco das coisas que devia realizar", disse Hélio Vasconcelos.
Na sua opinião o marco central de todo o movimento estudantil partiu do Colégio Estadual do Atheneu Norte-rio-grandense, que era o maior estabelecimento e que se equiparava "aos melhores colégios da capital", tendo em vista que o seu ensino era sério. Hélio e Varela Barca foram alunos do Atheneu, assim como milhares de estudantes de diversas gerações. Como Secretário de Educação , no governo de José Agripino Maia (1982-1986), o professor Hélio Vasconcelos teve oportunidade de dialogar com estudantes do Atheneu, que faziam reivindicações, ocasião em que tentou renascer o movimento estudantil, mas sem obter êxito, conforme revelou ao repórter.
--No meu tempo de estudante o Atheneu era o grande foco de reivindicações", relembra, acrescentando que a participação política dos seus alunos era intensa, enquanto os colégios particulares eram mais fechados, políticamente, por serem mais elitistas", conta Hélio. Ele adianta que os estudantes das escolas privadas também fizeram alguns movimentos de rua, mas não deixavam de ser elitistas, por culpa da própria cúpula dirigente das escolas.
No início do governo de Dinarte Mariz, em 1956, tiraram o professor Celestino Pimentel da direção do Atheneu e nomearam o padre-professor João da Mata Paiva. Os estudantes se rebelaram e contaram com o apoio do Centro Estudantal, segundo informa Hélio Vasconcelos, considerando o ato estudantil como uma verdadeira "insurreição" do Atheneu.
"O governo, que estava começando, não recuou, manteve a nomeação do monsenhor Mata, que permaneceu diretor do Atheneu. Mas, Celestino Pimentel conseguiu sair com todas as glórias e honras e ser uma espécie de diretor dos estudantes. Ele consagrou-se, ao meu ver, como o diretor da preferência dos alunos. O monsenhor Mata assumiu e teve problemas difíceis na fase inicial, mas depois conseguiu superá-los. Foi o primeiro embate do governo com os estudantes, pois houve muitas passeatas, atos públicos e comícios, sem repressão policial. No governo de Dinarte Mariz não houve repressão policial aos estudantes. Num desses atos, em frente ao Atheneu, falava-se muito do governo, por mais que a gente quisesse conter um pouco os ânimos dos mais exaltados, ninguém conseguia conter. Falavam muito mal do governo, muitos desaforos, muitas críticas", conta Hélio Vasconcelos, registrando que Manoel Filgueira Filho, vulgo Pecado, já estava começando a agitar massa estudantil de Natal.
Presidiu o Centro Estudantal Potiguar o estudante Serquiz Farkatt, grande figura humana e que procurou dar ao Centro a importância da mais antiga entidade secundarista do Rio Grande do Norte. Realizou concursos literários, incentivou a prática dos esportes e foi um excelente administrador, relembra o professor e advogado Hélio Vasconcelos. Serquiz tornou-se jornalista e foi um dos editores do jornal "Correio do Povo", localizado na praça padre João Maia, Centro, de propriedade de Dinarte de Medeiros Mariz.
NÃO HOUVE TIROTEIO – Em virtude de falta técnica no gravador, a transcrição da entrevista com o professor Israel Vieira da Silva, publicada em duas edições anteriores, provocou um equívoco sobre o Congresso Latino-Americano de Estudantes – CLAE, realizado em Natal, em 1961. Na verdade, não houve intenso tiroteio no segundo dia ( e último) do congresso. Os congressistas sacaram revólveres, sem dispará-los. O que houve foi muito quebra-quebra e barulho.
O professor Israel destacou que Hélio Vasconcelos foi o maior líder estudantil universitário, enquanto Manuel Filgueira Filho, vulgo, Pecado, teve atuação destacada entre os secundaristas. Após o golpe de abril de 1964, Pecado foi acusado de denunciar diversos companheiros e, por isso, foi recompensado com um emprego na secretaria do Atheneu. Depois de Hélio, a grande liderança estudantil foi Francisco Sales da Cunha, tendo em vista que a sua atuação ocorreu nos colégios públicos e privados. Israel atribui a Pecado a fundação da Cooperativa dos Estudantes de Natal Ltda., que continua funcionando na rua Felipe Camarão, Centro.
Israel comenta que uma das maiores movimentações de massas, na década de 1950, em Natal, foi o seqüestro do busto de Amaro Cavalcanti da Assembléia Legislativa, destacando-se Hélio Vasconcelos como um dos principais oradores dos comícios realizados no centro da cidade. Quando a movimentação da direita contra o congresso da CLAE, Israel informa que um dos mais brilhantes oradores foi o atual procurador do Estado, Francisco de Assis Fernandes, que esbravejou contra o comunismo e Fidel Castro.
O professor Israel Vieira acha difícil que a juventude de hoje repita o movimento estudantil repita o movimento estudantil das décadas 50 e 60, tendo em vista que, na sua opinião, a sociedade brasileira perdeu a sua identidade e "o jovem está perdido, desinteressado, imitativo e um simples espectador do processo histórico". Ele adianta que os jovens estão alienados pela sociedade consumista.


Arlindo: "AP iniciou a luta contra ditadura". (IV)

Após o golpe militar de abril de 1964, coordenado e executado por militares direitistas e políticos da União Democrática Nacional-UDN e outros grupos conservadores, com apoio dos Estados Unidos da América do Norte, os partidos e grupos políticos de esquerda no Rio Grande do Norte foram retirados da cena política.
Nos anos seguintes, caracterizados por repressão política sem o emprego da tortura e da violência contra os seus opositores, quem comandou e liderou as atividades de contestação ao regime militar, em Natal, foram os integrantes da Ação Popular-AP, organização criada em Minas Gerais, por Hebert de Souza, Betinho, por católico, ex-católicos e marxistas. Nos anos sessenta, principalmente entre 1966 e 1968, o Partido Comunista Brasileiro – PCB, já era considerado um partido burguês pela esquerda radical. Por isso, o PCB, erradamente apelidado de "Partidão" ( de grande só tinha o apelido), veio à reboque dos militantes da AP de Natal no movimento contra o regime. Era o "Movimento Contra a Ditadura", ou "M.C.D.", como ficou conhecido na época. O M.C.D. foi a primeira tentativa de combate ao neo-fascismo civil-militar brasileiro nas terras potiguares. E pegou o "pecebão" de surpresa, conforme revela o jornalista sociólogo Arlindo de Melo Freire.
"Como estudantes, sentíamos que não havia muita preocupação política entre os universitários, pois se pensava mais nos estudos curriculares do que na situação do país. Nesse meio havia alguns estudantes que se preocupavam com a situação social, política e econômica do Estado, do país e do mundo. A maioria dos estudantes de jornalismo não tinha essas preocupações com receio de sofrer perseguições e repressão. Por esse motivo, formou-se um grupo de nível político responsável e consciente que desejava atingir mudanças e transformações", disse Arlindo Freire, presidente da Associação Norte-rio-grandense de Imprensa - ANI.
O grupo contava com estudantes de Direito, Medicina, Sociologia, Jornalismo, Serviço Social e Engenharia e alguns secundaristas. Alguns eram estudantes e trabalhadores e outros integravam a chamada "classe média". A época era de obscurantismo total na UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE - UFRN e na Fundação José Augusto, do Estado, entidade que mantinha os cursos de Jornalismo, Sociologia e Política. "Não havia clima para se discutir uma questão política-partidária. Professores com vastos conhecimentos preferiam desviar suas idéias e pensamentos porque a conjuntura não permitia uma análise mais profunda", lembra Arlindo.
PIONEIROS CONTRA O REGIME - Em 1966, não existia Ação Popular no RN. A AP era integrada, em outros Estados, por ex-militantes da JUC, extinta entre 1967/68, pela cúpula conservadora da Igreja Católica.
Aldo Freire, que residia em Recife, onde estudava sociologia, irmão de Arlindo, era um dos dirigentes regionais da AP e mandou vários líderes de São Paulo, Rio de Janeiro, Recife e Salvador para Natal, a fim de preparar os militantes da AP do RN, em reuniões clandestinas. Isso aconteceu em 1966 e não havia nenhum movimento organizado contra a ditadura.
"A AP já estava rompida com a Igreja. Reuníamos em escolas, colégios e outros locais. Os dirigentes enviados para cá discutiam conosco e fazíamos uma análise da situação nacional e local. Em seguida, fazíamos planos de ação. Depois disso, à noite, começamos a fazer pichações "Movimento Contra a Ditadura" apareceu nos muros de Natal, principalmente na periferia. A repressão aumentou porque o sistema de segurança soube que havia alguma coisa. Até então não tinha havido pichações nos bairros. Pelo que sabemos, não havia nenhum movimento público contra o regime, feito por estudantes e trabalhadores de Natal. Procuramos elementos de outras organizações para fazermos um trabalho mais objetivo e recebemos apoio", revela Arlindo.
Arlindo foi o elemento da AP responsável pela recepção do pessoal que vinha treinar os militantes daqui. Antigos dirigentes da União Nacional dos Estudantes-UNE, como Luís Travassos, José Luis Guedes e outros estiveram em Natal, contactando com os "apistas". Esse trabalho foi exercido até o final de 1968, quando houve um racha na AP, após a opção pela luta armada contra a ditadura militar. A partir daí, a AP começou a profissionalizar seus militantes para a revolução. Antes da tomada dessa opção, os militantes da AP já usavam codinomes. Por isso, conta Arlindo, "era muito difícil saber quem era quem".
PASSEATAS – Uma portaria do Ministério da Educação e Cultura-MEC, que estabelecia o ensino pago nas universidades, provocou uma série de protestos em Natal. "Essa portaria foi o que despertou mais atenção e luta. Fizemos uma passeata, saindo da Fundação José Augusto, na rua Jundiaí, causando muita movimentação. Foi nessa ocasião que apareceram várias pessoas para participar, agir organizadamente e alguns se destacaram pela habilidade e competência. Essas pessoas passaram a ter mais atuação nas organizações de esquerda, como o PCB, PCBR, etc", lembrou Arlindo Freire, acrescentando, ainda, que a AP não teve bons entendimentos com o "Partidão". Mas não adiantou os motivos do "difícil relacionamento" com o PCB.
LUTA ARMADA – Naquela época, a AP (que anos mais tarde foi incorporada ao PC do B) tinha quinze a vinte militantes, sem direção organizada, mas era um grupo homogêneo com operários, estudantes universitários e secundaristas em Natal.
Arlindo Freire informa que nenhum integrante da AP natalense participou da luta armada contra a ditadura, mas assegura que houve entendimentos nesse sentido. "No nível político em que nos encontrávamos, não existiam condições políticas, materiais e financeiras para se pensar em luta armada. Passada essa fase difícil da conjuntura nacional, os militantes da AP ingressaram no PC do B, PCB e PCBR. O comerciário e estudante Luiz Freire, por exemplo, deixou a AP e foi para São Paulo, onde "tomou outro caminho".
Arlindo diz que entre 1967/1968, na Fundação José Augusto, então dirigida pelo ex-padre Itamar de Souza, sociólogo e escritor, houve um inquérito administrativo por causa da movimentação estudantil. "Não tenho provas para acusar Itamar, mas a turma sentia que ele vivia na corda bamba, mais a favor do regime do que dos estudantes; hoje, ele parece diferente pelo que tem escrito e dito".
ORGANIZAÇÕES – Em 1966, quando não existia nenhuma organização contra o regime, no RN o primeiro passo foi dado pela Ação Popular. Naquela época até o inicio da luta guerrilheira, não existiam o Partido Comunista Revolucionário-PCR e o PC do B, no Estado, segundo revela Arlindo Freire. "Pode ter havido alguém simpatizante das duas organizações. Só. Com militância definida, organizada, fazendo estudos e trabalhando, naquela época, isto é, 1966 e 1967, só havia a AP, que já tinha hegemonia na condução do movimento de massas em Natal. Demos o grito de partida e as lideranças de outras organizações se aliaram a nós e viram que podiam fazer alguma coisa, sem agressões e brigas. E assim foi feito. Depois do M.C.D., que marcou a cidade, apareceu um grupo de direita que desenhou umas caveiras nos muros e afirmando que queriam a cabeça de quem estava no M.C.D.", disse Arlindo. O grupo de direita era baseado na Faculdade de Direito.
A AP desenvolveu campanhas pelo voto nulo nas eleições de 1968 e 1970, fez pichações tipo "o povo quer feijão" e, por isso, seus militantes, jovens, pequenos-burgueses, levaram muitas carreiras de noite. Conseguiram enganar as autoridades policiais, mas ainda sofreram algumas ameaças do "pessoal da segurança", que suspeitavam das ações de alguns militantes da AP. Os apistas de Natal realizaram proezas, época da luta armada, ao esconderem importantes figuras da guerrilha urbana em residências burguesas do Tirol. "Era gente que estava à beira da morte e não podia ficar em Recife", lembra o ex-militante da AP.
"O importante é que lutamos contra a ditadura militar, cujo objetivo fundamental era a sua derrubada, acima de tudo. Lutamos por eleições diretas e mudanças de governo. Estudamos a alternativa da aplicação da luta armada, considerando que, historicamente, não havia outra saída naquele momento, mas não avançamos. Só tivemos algumas conversas e um pequeno trabalho na área rural", disse Arlindo Freire.
LALY CARNEIRO E A JUC – Segundo a médica Laly Carneiro, residente em Paris, uma das maiores líderes estudantis de Natal, na década de 60, o rompimento da Juventude Universitária Católica – JUC com a Igreja começou no congresso realizado no distrito de Jundiaí, município de Macaíba/RN, em 1961.
"Bom, a Igreja tinha confiança nos seus militantes, mas não queria que os cristãos tomassem posições políticas, a partir de um certo período. Então, a Igreja pediu aos militantes cristãos que se voltassem exclusivamente para o problema religioso, deixando as pessoas administrativas, os políticos, se ocuparem dos problemas administrativos e econômicos. Isso não foi aceito por um número importante de pessoas que constituiam o movimento da Juventude Universitária Católica. Aí veio a criação da Ação Popular, a materialização de um movimento que era efetivamente a JUC", disse Laly Carneiro.
Logo depois do congresso da JUC, em Jundiaí, a entidade católica tomou outra orientação, radicalmente diferente da tomada pelos militantes que passaram para a AP, organização de esquerda fundada em Minas Gerais por Herbert José de Souza, Betinho, entre outros líderes do movimento estudantil universitário brasileiro.
A JUC reivindicava a reforma universitária para uma "abertura maior", melhora na qualidade do ensino e mais facilidades no ingresso na Universidade. "Nós preconizávamos uma reforma agrária, reforma urbana e uma solução para diminuir o número de analfabetos, que naquela época era de 90 por cento", disse Laly, acrescentando, que quando chegou à França, em 1965, o governo francês realizava como metas governamentais tudo ou quase tudo que as esquerdas brasileiras reivindicavam antes da derrubada do Presidente João Goulart.
Ao contrário das entidades estudantis natalenses, a JUC não organizava manifestações de massas, mas conferências e seminários de conscientização dos problemas nacionais, além de participar dos congressos realizados pela UNE. As grandes lideranças políticas e intelectuais do movimento eram Darci Ribeiro, Miguel Arraes, Almino Afonso, Djalma Maranhão e Celso Furtado.
Ao ser indagada se recebeu ajuda da Igreja, após o golpe militar de abril de 1964, Maria Laly Carneiro emudece e, após permanecer calada alguns segundos, diz: "eu acho que sempre tínhamos alguma esperança de ajuda por parte da Igreja". E acrescenta quando indagada sobre o porquê do abandono dos ex-militantes católicos por parte da Arquidiocese de Natal: "a gente esperava da Igreja, mas não estávamos mais na Igreja, pois já tinha havido a dissidência. Então, não podíamos esperar muita coisa da Igreja. Nós já sabíamos do que a Igreja pensava de nossa atuação política". "Dom Eugênio Salles lavou as mãos?", indaguei. "Não, não estou dizendo que dom Eugênio lavou as mãos, mas Dom Eugênio tinha uma concepção certa da militância cristã diferente da nossa", respondeu Laly.

NO ATHENEU NÃO HAVIA ATRELAMENTO POLÍTICO (V)

O professor Hélio Vasconcelos informa que os estudantes do Atheneu, em resultado do movimento de protesto pela forma como foi exonerado o professor Celestino Pimentel da direção do estabelecimento, decidiram denominar "Diretório Estudantil Celestino Pimentel" a sua entidade representativa, entre 1956/57. Na época, já funcionava com mais de mil alunos, nos três turnos.
As lideranças estudantis do Atheneu e outras escolas, no final da década de 1940/1950 eram espontâneas, sem orientação de nenhum professor, tais como José Fagundes de Menezes (ex-prefeito de Jaboatão-Pe), Aderbal Moreira, Moacir de Góes (aluno do Marista), William Colbetti (Escola Industrial de Natal) e Luis Bezerra de Oliveira Lima. "Eram lideranças estudantis mesmo. Nessa época não havia nem a preocupação de filiação partidária da parte dos estudantes. Pelo contrário, se exigia que não houvesse quaisquer atrelamento de quem dirigia a entidade a partido ou facção política. Isso aconteceu mais adiante, no movimento universitário. Porque o movimento é político mas ele deve ser apartidário, para poder merecer confiança. Se não ele se compromete com uma facção e se torna parcial e faccioso, não é?", afirma o ex-líder estudantil. Havia apenas as ligações tradicionais de família, mas muito diluídas.
O professor Hélio explica que foi aluno de Luís Ignácio Maranhão Filho, no Atheneu, um professor incapaz de fazer qualquer proselitismo político-ideológico na sala de aula, com quem trabalhou quando era deputado estadual, eleito em 1958, pelo Partido Trabalhista Nacional, na Assembléia Legislativa. Além do marxista-leninista Luís Maranhão, o professor Antonio Pinto de Medeiros, que não chegou a seguir carreira política, teve muita liderança no meio estudantil. "Eram os mais chegados aos estudantes pela própria desenvoltura deles na sala de aula. Antonio Pinto de Medeiros, um excelente professor de português, dava brilhantes aulas quem eram assistidas pelos alunos de outras turmas. As aulas eram movimentadas, ele fazia o aluno estudar, a ler prosa e poesia, despertava o estudante para a literatura, etc".
Hélio Vasconcelos lembra ainda que os estudantes não recebiam represálias de suas famílias por causa da militância na política estudantil. No caso da demissão do professor Celestino Pimentel da direção do Atheneu, o estudante M'zarcio Marinho recebeu um telegrama do pai, deputado Djalma Marinho, com o seguinte teor: "Seja fiel a sua juventude. Nem tanto ao mar nem tanto a terra. Djalma Marinho". E Márcio continuou fiel ao movimento dos estudantes e o telegrama circulou entre nós , servindo de estímulo.
Naquela época, a movimentação estudantil era muito discursiva, pois não existia carro de som e outras milongas eletrônicas. Por isso, segundo Hélio Vasconcelos, os oradores se destacavam na oratória. Entre os que mais se destacaram no meio estudantil natalense, na década de 50, foi o estudante Geraldo Melo, ex-governador do Estado, "figura importantíssima" na APE", orador fluente, muito inteligente desde cedo. Jovem Geraldo Melo foi aluno do Marista e teve participação junto à Associação dos Potiguar de Estudantes- APE.
Érico Hackradt, sem jamais ter sido bom orador, foi um líder excelente, que comandava e executava. Os outros, como Meroveu Pacheco Dantas, também foram bons oradores na APE. Na execução da propaganda, a panfletagem era o pobre recurso da estudantada natalense, ficando os jornais da cidade encarregados da divulgação dos eventos estudantis, quando solicitados.
"A cidade era muito pacata. Tínhamos uma estudantada mais pacífica do que agitada, mas fazia seus movimentos com muita garra. E com uma grande preocupação: antes de fazer qualquer movimentação, saber como a opinião pública reagiria. As duas entidades se preocupavam com esse aspecto, se favorável ou desfavorável. Porque contando com a opinião pública, eles teriam o apoio ou não da grande imprensa e de todos os meios que poderiam facilitar e ajudar".
UNIVERSITÁRIOS – Historiando brevemente o movimento estudantil em Natal, o professor Hélio Vasconcelos afirma que a Escola de Serviço Social foi um marco no ensino universitário da cidade. Era uma escola isolada, na qual despontou uma forte liderança estudantil: Wellington Xavier Gonçalves Bezerra. Wellington Xavier já fez política nos municípios de Maxaranguape e Macaíba/Rn.
"Wellington Xavier foi a primeira liderança que foi à UNE, no despontar, para o Estado, da União Nacional dos Estudantes, no Rio de Janeiro, por volta de 1954/55. Wellington viajou ao exterior por conta da UNE. Então, ele desenvolveu aqui o embrião do que seria, mais tarde, a União Estadual dos Estudantes-UEE. Durante a incursão de Wellington na UNE, criando a UEE/RN, não se tinha o divisor em esquerda e direita mas já tinha o conservador e o progressista. Wellington, naturalmente, se ligava a ala conservadora da UNE, que mandava nas UEEs. As faculdades de farmácia e odontologia, eram juntas, Filosofia e Direito, isoladas. Com essas faculdades estaduais, se criou um espírito de corpo para as reivindicações e para se congregar. Eram faculdades separadas, cada uma com organização própria e na hora em que o movimento universitário se unia em torno de qualquer questão, elas estavam juntas", revela Hélio. Para ele, os campus de hoje proporcionam a desarticulação dos estudantes.
Como os campus universitários foram feitos com o propósito de impedir a união dos estudantes, o entrosamento inter-classes, com o sistema de pagamento de créditos, também é prejudicado, proibindo, até que os estudantes se reunam, até, para um baile de fim de semana. 'Com o espírito de corpo da época, o movimento crescia rápidamente. O movimento universitário do Rio Grande do Norte teve figuras das mais respeitáveis e no seu início não se podia definir quem era de esquerda ou de direita. Quando muito, você tinha progressistas e conservadores. Aqueles que queriam as mudanças, inclusive das leis do ensino, e aqueles que se conformavam com a situação. Eu posso cometer alguns esquecimentos, involuntários, mas posso citar as figuras que se despontaram cedo no movimento universitário: Varela Barca, Marcílio Furtado, Nathanias Von Sohsten Júnior, (atuou no diretório acadêmico da Faculdade de Direito e foi secretário da UNE), Paulo Frassineti de Oliveira, Ivis Bezerra, Ademar de Medeiros Neto, Marcos Guerra, Geniberto de Paiva Campos, José Arruda Fialho, Laly Carneiro, Irma Chaves, Leônidas Ferreira, Josemá Azevedo, (presidiu o diretório acadêmico da Faculdade de Engenharia) , Fernando Bezerra, Bira Rocha", cita Hélio Vasconcelos.
Modesto, ele não aceita a afirmação de que foi o maior líder estudantil de Natal em todos os tempos. "É um exagero", comenta para em seguida afirmar que atuou no movimento estudantil secundarista e universitário, inclusive, após formado em Direito. No governo do Presidente Juscelino, uma portaria ministerial permitia o ingresso de estudantes de odontologia na Faculdade de Medicina sem vestibular. Os estudantes de medicina de Natal e de todo o país se insurgiram contra a portaria, sob a alegação de que eles fizeram vestibular e, por isso, todos também deveriam se submeter ao exame prévio. O movimento não teve força para coibir a portaria. Mas três meses depois a portaria foi revogada. Esse foi um dos primeiros movimentos dos estudantes de medicina de Natal.
TROTES – Anualmente, os alunos que passavam nos exames vestibulares realizavam passeatas pelas principais ruas da cidade. Eram os "trotes", os satíricos e picantes trotes da moçada com as suas cabeças raspadas a navalha. "Eu peguei um dos últimos mais famosos trotes, no inicio do governo de Aluízio Alves, quando ele botou a polícia contra a gente e de tardinha, fomos para o Palácio do Governo, onde eu fiz um discurso. Naquela época, eu era atrevidissimo e fiz um discurso bravissimo. Um comerciante que estava lá me retirou do local e me disse que queriam me dar uma surra. Não sei quem era, nem se era a mandado do governo. Quando soube disso, fui para a Rádio Nordeste e denunciei. Juntou muita gente e houve um episódio interessantíssimo: era comandante da Polícia Militar o coronel Luciano Veras, um homem bravo e forte. Ele chegou com um contingente da polícia e os estudantes cantaram o Hino Nacional. O coronel se perfila, faz continência e ouve o hino com todo o seu contingente, mas não houve, aí, maiores incidentes. Aluízio, muito inteligentemente, consegue distorcer o trote e torná-lo uma agressão ao pudor da família potiguar. Havia cartazes alusivos ao seu governo e que eram abusivos a moral e aos bons costumes, no entender de Aluízio. Houve o enterro do coronel Manoel Leão Filho, o chefe da polícia, numa fase subseqüente. Então, o movimento estudantil mexia com a cidade, Natal era menor e tinha menos habitantes, o que levava o movimento a mexer com a cidade.
Na sua opinião, a Faculdade de Direito teve dois grandes movimentos: um contra a cátedra vitalícia (em todas as faculdades brasileiras, na época, a cátedra era, além de vitalícia, hereditária). Os estudantes se insurgiram e houve um grande movimento na cidade. Pretendia-se evitar a interferência política nas questões de ensino. Era contra a cátedra, que além de vitalícia, seria hereditária.O que se queria era que houvesse concurso. O governo recuou e o assunto foi resolvido com a nomeação do professor José Ildelfonso Emerenciano, um grande professor.
"No movimento contra a cátedra hereditária, a Faculdade de Direito, conseguiu reunir uma multidão no Grande Ponto, no centro da cidade. Por aí você vê que a opinião pública foi prestigiar o ato. Para você ter um exemplo de que não se podia dividir o estudante entre direita e esquerda, nessa época era prefeito de Natal Djalma Maranhão e Dinarte Mariz o governador do Estado. Djalma ficou contrário a essa manifestação, num comportamento muito silente, mas nós sabíamos que ele era contrário. Djalma já encarnava o movimento nacionalista no Rio Grande do Norte. Estudantes de todas as tendências participavam do movimento, de Berilo Wanderley até Natanias Von Sohsten, Ivan Maciel de Andrade e todos nós".
O segundo grande movimento encabeçado pela Faculdade de Direito de Natal foi a retirada do busto de Amaro Cavalcanti da Assembléia Legislativa, na avenida Getúlio Vargas, onde hoje funciona o Tribunal de Contas.
"Revoltados e insatisfeitos com o aumento dos subsídios dos deputados, que criaram umas taxas propostas pelo governo da época, os estudantes vão ao prédio da Assembléia e retiram o busto de Amaro Cavalcanti. Depois das atitudes tomadas pelos deputados, os estudantes acharam que Amaro Cavalcanti estava "envergonhado" e levaram o seu busto. O movimento foi liderado por Antonio Correia, hoje funcionário do Banco do Brasil, Edgard Smith Filho, Kerubino Lélio Procópio de Moura, Romildo Freire Pessoa, que era da Faculdade de Medicina. O movimento teve repercussão e contou com a participação de estudantes de outras faculdades. O busto foi para a Faculdade. Depois o busto foi parar na terra de Amaro Cavalcanti, Jardim de Piranhas/RN", disse Hélio Vasconcelos, acrescentando que os deputados tinham legitimidade para aumentar os seus subsídios.
Ainda é Hélio Vasconcelos quem informa que a grande movimentação realizada pelos acadêmicos de Direito empolgou a população de Natal. Uma multidão reuniu-se no centro para ouvir os oradores, destacando-se o hoje professor Henrique Batista e Varela Barca. Hélio participou de toda a movimentação.
Na época da liderança de Hélio Vasconcelos, a política partidária não tinha qualquer conteúdo ideológico. Dinarte Mariz e Aluízio Alves não tinham ideologia e ambos eram aliados. Daí não se pode cingir de esquerda ou de direita os participantes do movimento estudantil na década de 50, tendo em vista que algumas lideranças foram ligadas a Dinarte e a Aluízio, na opinião de Hélio Vasconcelos, oficial de gabinete no governo de Dinarte Mariz (1956/1961), após deixar a presidência da União Estadual dos Estudantes-UEE.
Os políticos tradicionais tentaram cooptar muitas lideranças estudantis, inclusive Hélio Vasconcelos, que não aceitou os inúmeros convites. "Depois que deixei a UEE, Moacir Duarte me chamou e disse que Dinarte queria conversar comigo. Fui conversar com Dinarte e ele me disse que eu fosse oficial de gabinete. Assim conheci umas das figuras humanas mais ricas deste Estado, um político da maior sagacidade e da maior inteligência. Acima disso, ele era uma figura humana que o Rio Grande do Norte vai demorar muito para ter um parâmetro", relembra o professor Hélio Vasconcelos.

O CONGRESSO DA UNE EM IBIÚNA FOI ARAPUCA (VI)

O sociólogo Rinaldo Claudino de Barros, pernambucano de Recife e residente em Natal desde 1966, disse que um dos maiores erros das organizações de esquerda brasileiras na década de sessenta foi utilizar o Movimento Estudantil como meio de formação de quadros e militantes para a revolução. Todos os partidos e grupos clandestinos usaram o Movimento Estudantil com esse objetivo: aliciar e treinar os futuros "revolucionários" urbanos e rurais. Com o objetivo de apressar a revolução, planejou-se e montou-se o Trigésimo Congresso da União Nacional dos Estudantes-UNE, na pequena cidade de Ibiúna, no interior de São Paulo, com o prévio conhecimento da polícia paulista.
O XXX Congresso da UNE foi feito para aliciar os quadros das organizações que iriam fazer a revolução socialista, na marra. O esquema foi quase perfeito: monta-se o congresso, a polícia prende todo mundo e depois solta, pois não poderia manter milhares de estudantes na cadeia de uma vez só. Depois de liberados, as lideranças e demais militantes entrariam na clandestinidade, já que estava claro, a partir do congresso, que o regime não permitiria mais movimentação estudantil legal.
Rinaldo Barros, que foi militante do Partido Comunista Revolucionário-PCR e ex-presidente do Diretório Acadêmico da antiga Faculdade de Sociologia e Política da Fundação José Augusto, em 1968, informou que sempre se posicionou contrário em usar o movimento estudantil como um celeiro de quadros de organizações clandestinas.
FILHINHOS DE PAPAI – O Rio Grande do Norte mandou vários estudantes universitários para o XXX Congresso da UNE, em São Paulo. Da relação dos enviados para a "arapuca" de Ibiúna constam os nomes de Gileno Guanabara (PCB), Juliano Siqueira, Ivaldo Caetano Monteiro, José Bezerra Marinho Júnior, Emanoel Bezerra dos Santos, Dermi Azevedo e José Maria Ruivo, todos do PCBR, PCR e AP.
No livro "Faculdade de Direito de Natal – Lutas e Tradições", de Gileno Guanabara, é detalhada a realização do frustrado congresso da UNE, inclusive com a informação de que a polícia civil de São Paulo acompanhou o deslocamento das delegações estaduais desde o campus da Universidade de São Paulo-USP, até a cidade de Ibiúna.
"Algumas organizações clandestinas chegaram ao absurdo de fazer o congresso da UNE, em Ibiúna, São Paulo, onde foi desbaratado, sendo presos quase dois mil estudantes. Talvez isso esteja sendo revelado pela primeira vez, mas o congresso foi feito de propósito, isto é, foi feito para todos serem presos. Pensava-se que, de repente, quando o cara fosse preso uma vez, ele saía de casa, abandonava a família e faculdade e entrava num partido de uma vez por todas. Se ele estava vacilante, daquela prisão em diante, ele deixaria de ser vacilante e entrava para a luta política guerrilheira, etc, de uma vez por todas", disse Rinaldo.
"Eu achava, na época, e continuo achando, que isso era uma maneira artificial de levar pessoas de classe média, que tinha uma cultura completamente diferente, consumista, etc, para uma realidade armada, clandestina, sem o menor preparo, tendo que trabalhar em fábricas, se tornar camponês. Tudo isso eu achava artificial. Mas foi feito. O Congresso de Ibiúna foi feito para todo mundo ser preso", revelou Rinaldo Barros.
Uma das conseqüências do erro das lideranças dos grupos clandestinos, logo nos primeiros meses da luta armada contra o regime militar, foi a queda de diversos militantes, originários de "famílias de bem", bem tratadinhos, com roupa lavada, carrinho, e sob os cuidados de mãinha e paínho. Esses "guerrilheiros" urbanos e rurais abriam o bico para os policiais no primeiro arrocho que levavam nas prisões e câmaras de torturas. O caso do norte-rio-grandense José Gersino Saraiva Maia, estudante de medicina da UFRN em 1968, uma das lideranças mais radicais do movimento estudantil em Natal, é um caso típico. Gersino chorou na televisão e escreveu uma carta de arrependimento e execrou o comunismo. Hoje é um próspero comerciante em Macaíba/RN, sua terra natal, além de apoiar a família Maia e o PDS local. (Nota do autor: Gersino abandonou o comércio em meados da década de 90 e em 2002 foi um dos poucos assessores da campanha vitoriosa de Vilma Maria de Faria (PSB) ao Governo do RN.
PROBLEMAS ESTUDANTIS – "Eu acho que o movimento estudantil deve tratar de problemas dos estudantes. Politicamente, quer dizer, criticar o governo local, a prefeitura, etc., mas em função de problemas dos estudantes e não usar isso artificialmente para colocar pessoas que são de outra cultura e outra realidade para fazer agitação dentro de uma fábrica. Isso aí eu acho que não tem nada a ver. Cada segmento da população tem condições de evoluir do movimento reivindicatório ao movimento político até ao movimento armado, se for o caso. Mas que seja na realidade dele. Por exemplo: se você parte do problema da habitação, da escola, saúde com o favelado, ele vai desde o movimento reivindicatório ao público, até a revolução armada, tudo bem, porque foi o favelado que fez isso. Mas tirar um estudante de 18 anos de idade para plantar e cortar cana e querer transformá-lo num camponês para fazer a revolução, é algo completamente furado. Tanto é verdade que isso não deu certo na guerrilha urbana, na guerrilha do Araguaia, seja lá onde for, nada disso deu certo. Por que? Porque não eram pessoas acostumadas com aquela realidade. Eram quadros artificiais, cuja maioria tinha vindo do movimento estudantil. Então, quando a coisa pesava, pegava, pesava toda a raiz do cara, vinha toda a família, mamãe, papai, os irmãos que deixou, o que gerou um monte de neuróticos, psicóticos até, muitas mortes, muitos sofrimentos. Eu acho que resultou nisso aí. Pode ser que esteja errado, mas é a visão que tenho ainda hoje", disse Rinaldo Barros, ex-militante do PCR.
O repórter cita o caso dos estudantes de medicina da UFRN que Rinaldo Barros considera perfeitamente dentro do quadro acima relatado. "Na hora em que você recebe o arrocho, volta toda a formação cultural que ele teve, aquilo não é de graça. Você não recebe uma formação em 20 anos para jogar para o alto em dois ou três meses. É impossível", lembra o sociólogo que hoje milita no Partido Socialista Brasileiro (PSB).
LIDERANÇA DOS PCs – Em Natal, entre 1966/1968, militantes do PCBR e PCR, segundo informa Rinaldo Barros, lideravam o movimento estudantil no meio universitário, enquanto a Ação Popular-AP tinha uma participação muito significativa no movimento secundarista e o Partidão participava num plano secundário, pois era mais de organizar suas próprias fileiras do que liderar manifestações. Segundo Rinaldo, as duas mais expressivas lideranças da AP em Natal eram José Bezerra Marinho Júnior e João Bosco Teixeira. Depois de 1968, Bosco abandonou o catolicismo e se declarou marxista, ingressando no PCBR. Os líderes do PCR eram Jaime Ariston, Emanoel Bezerra dos Santos e Ivaldo Caetano Monteiro. No PCBR despontava o estudante de direito e de sociologia, Juliano Homem de Siqueira, militante e membro do Diretório Municipal do PCB no município do Rio de Janeiro/RJ.

FACULDADE DE DIREITO: NÚCLEO DA DIREITA

O sociólogo Rinaldo Claudino de Barros assegura que deixou o PCB (partido que deu origem a cisão e criação do PC do B que, por sua vez, originou o PCR; este, por outro lado, pariu o PCBR e este o PRC e outros grupúsculos) logo após o golpe de abril de 1964, por discordar da política adotada pelo "Partidão" que mostrou ser fraca e errada a aliança com o governo de João Goulart, pois propiciou a tomada do poder pelos militares com uma simples quartelada".
Depois que deixou Recife/PE, onde morava, por Natal, em 1966, Rinaldo Barros começou a atuar no Partido Comunista Revolucionário-PCR, na época, uma organização de atuação restrita ao Nordeste. A direção do PCR pensava numa revolução socialista e separar o Nordeste do resto do país. Um dos líderes desse grupo marxista foi Amaro Luiz de Carvalho, "Capivara", morto na Casa de Detenção do Recife, no período da luta armada (agosto de 1971).
Relembrando os tempos de estudante da Faculdade de Sociologia e Política da Fundação José Augusto, em Natal/RN, Rinaldo disse que os trotes com os calouros eram os eventos que levavam os estudantes 'as ruas de Natal para criticar o regime militar e a Guerra do Vietnã, "a luta de um povo pobre contra a maior potência militar do mundo. Houve um trote que começou com um comício em pleno Grande Ponto, centro da cidade, onde discursei e disse que se continuassem permitindo trotes daquele jeito, a gente acabaria caindo numa democracia. Em 1967, ainda não havia muita repressão, porque o movimento era uma coisa isolada. Em 68, eu fui eleito presidente do Diretório Acadêmico da Faculdade de Sociologia, talvez por uma atuação mais destacada. O mundo inteiro estava em ebulição, inclusive deve se lembrar o movimento dos estudantes franceses que culminou com o famoso episódio de Maio de 1968, onde os estudantes tomaram aa Prefeitura e o governo De Gaulle foi obrigado a retirar-se para o interior do país. A época foi de questionamentos, a partir da França, onde se questionou tudo, todo o sistema capitalista. Isso teve repercussão aqui, inclusive no campo filosófico", disse Rinaldo Barros.
A rebelião estudantil francesa influenciou enormemente o movimento estudantil no Brasil, pois lá como cá, os estudantes, ontem como hoje, reclamam um espaço maior de liberdade individual e participação política. O movimento estudantil da década de 60 tinha apoio da população, "o que não vemos hoje".
OCUPAÇÃO DO RESTAURANTE – "O caso da ocupação do Restaurante Universitário, em 1968, que a professora Justina Iva enfoca claramente na sua tese, é um exemplo do apoio explícito da população aos universitários que se viram obrigados a administrá-lo. Durante 17 dias administramos o restaurante em conseqüência de uma crise que começou quando o Reitor Onofre Lopes da Silva proibiu reuniões do Diretório Central dos Estudantes (DCE) naquele local, na rua Deodoro. Era impossível funcionar em outro local. A ordem do reitor para desocupar o prédio foi desobedecida. O reitor retirou os funcionários e os alimentos. A solução foi ocupar e administrar o restaurante. E isso fizemos durante dezessete dias com ajuda da população, através de doações de alimentos, dinheiro, etc., relembra Rinaldo Barros.
A crise do restaurante, que provocou um processo judicial contra Ivaldo Caetano, presidente do DCE, foi encerrada com a formação de uma comissão administradora com a participação de uma estudante. A experiência foi positiva, segundo Rinaldo, porque levou os estudantes a trabalharem em regime de cooperação, haja vista que os universitários substituíram os funcionários da universidade em todas as tarefas, seja na cozinha, limpeza do prédio e lavagem das bandejas. " O sentimento de cooperação serviu para reforçar o sentido de unidade. Sem isso, não seria possível se lavar mais de duas mil bandejas por dia", disse Rinaldo.
O NÚCLEO DA DIREITA – Para ele, em 1968, já havia um forte sentimento de resistência do povo brasileiro contra o regime militar, "mas o povo não se manifestava porque não havia organização suficiente. Os estudantes eram capazes de reclamar e, por isso, a população apoiava. Isso é um fato que eu constato e que realmente viabilizou o acirramento da mobilização estudantil".
E a radicalização política do movimento estudantil também foi favorecida pela unidade dos partidos e grupos de esquerda, que superaram suas divergências ideológicas por uma "questão de sobrevivência". Essa cooperação foi acentuada no caso da crise do restaurante universitário. Os conflitos não deixaram de existir, conta Rinaldo, apontando para a disputa entre a direita e a esquerda no movimento estudantil. A direita estava alojada fortemente na Faculdade de Direito, na Ribeira.
Para Rinaldo Barros, a Faculdade de Direito era um símbolo da reação conservadora, em todos os aspectos, desde a defesa da ditadura 'as decisões do Reitor Onofre Lopes. "O afinamento era ideológico mesmo porque a Faculdade de Direito tinha estudantes pobres, da Casa do Estudante. Não era uma faculdade monolítica, pois tinha pessoas progressistas. O Diretório da Faculdade de Direito teve algumas chapas de oposição, que nunca ganharam uma eleição. Mesmo assim, ali despontaram várias lideranças de esquerda, como Gileno Guanabara, François Silvestre, Juliano Siqueira e José Bezerra Marinho. A esquerda era uma minoria e não conseguiu a menor mobilização dentro da Faculdade de Direito, cujos professores davam aulas de paletós e gravatas. Até nas assembléias, noventa por cento dos estudantes de Direito eram de direita declarados. Alguns deles faziam questão de se destacar fisicamente, pois enquanto o estudante comum vestia camiseta e calça jeans, até como forma de afirmar o seu espaço, os estudantes de Direito iam de paletós e de gravatas assistir aulas. Os professores davam aulas de paletós e gravatas para caracterizar a sua posição de integrante do "status quo" da classe dominante", assegura Rinaldo Barros, militante do Partido Socialista Brasileiro-PSB.
REAÇÃO CONTRA OS AMERICANOS – Segundo Rinaldo Barros, a assinatura do Acordo MEC-USAID, entre o governo brasileiro e o norte-americano provocou revolta no meio estudantil em todo o país, em virtude da verdadeira intervenção cultural e intelectual dos Estados Unidos na Universidade Brasileira.
O acordo era a imposição do modelo educacional universitário dos Estados Unidos no Brasil, que redundou na porcaria em que se encontra a nossa Universidade.
"Os estudantes de esquerda e progressistas passaram a ser contra o acordo. Os estudantes da Faculdade de Direito e os que defendiam o governo, passaram a defender o acordo. A UNE, a nível nacional, e as UEEs (União Estadual de Estudantes), a nível local, eram contra o acordo MEC-USAID. A direita tentou, inclusive, criar outra entidade representativa estudantil, como o Diretório Nacional de Estudantes, o DNE e outras entidades. O regime militar transformou os centros e diretórios estudantis em grêmios ou centros líteros recreativos, porquês grêmios era para fazer festas, torneios esportivos, etc, o que é válido mas que não chega a ser político", disse.
A MORTE DE EDSON LUIS – A rebelião de maio de 1968, em Paris, provocou o acirramento e fechou o circuito em torno do movimento estudantil que em nosso país já estava "esquentado" desde março, quando o estudante Edson Luis, do "Calabouço", no Rio de Janeiro, foi abatido pela polícia carioca. Para Rinaldo, o assassinato do estudante galvanizou o país, de Norte a Sul, provocando oito dias de protestos e passeatas. Ficou famosa a passeata dos 100 mil, no Rio de Janeiro. Nos Estados, organizaram-se missas e atos públicos, inclusive em Natal, na Catedral Metropolitana. "Aqui, reunimos umas dez mil pessoas nas proximidades da Catedral. Isso foi a gota d'água para que o movimento estudantil fosse para as ruas de maneira bastante significativa", relembra Rinaldo Barros.
Na onda de manifestações de protestos contra a morte de Edson Luis, os alunos da Faculdade de Direito não participaram da missa, ao contrário das demais faculdades da UFRN. Eram líderes de direita na Faculdade de Direito os estudantes Jobel Amorim das Virgens e Julio Ernesto de Faria, entre outros, além de universitários de medicina, engenharia e odontologia.

DIRETÓRIO NACIONAL: UMA ALTERNATIVA DA DITADURA PARA SUBSTITUIR A UNE.


"Uma universidade não é um capo neutro, freqüentado pelos que tem gosto pelas delícias intelectuais, nem é apenas o centro de formação de profissionais liberais ou de pesquisadores e professores. É muito mais do que isso. Representa um organismo vivo, em permanente e recíproca comunicação com os anseios e aspirações populares que devem atender ou corrigir, quando necessário". ( Castelo Branco, discurso sob o título "A Universidade e a Revolução Nacional". Transcrito de "A Nação Oprimida", de Marcos Freire, Editora Paz e Terra, Rio, 1977, p. 51).


O Diretório Nacional dos Estudantes-DNE, criado pelo regime militar para substituir a UNE, teve vida efêmera. Tentou promover o 1° Seminário Universitário do Brasil, no Teatro Alberto Maranhão, sob o patrocínio da Campanha de Assistência Social ao Estudante (CASES), órgão do Ministério da Educação e Cultura (MEC), que redundou em total fracasso, em virtude do boicote exercido pelos universitários potiguares e nordestinos.
Para que o encontro dos estudantes pelegos não obtivesse sucesso, os universitários norte-rio-grandenses contaram com importante apoio do Reitor Onofre Lopes da Silva, que colocou o "Retemec" da Universidade à disposição do DCE para expedir e receber telegramas das entidades estudantis do país. O seminário foi marcado para os dias 4, 5, 6 e 7 de maio de 1967. O estudante Carlos Canavarro era o presidente da entidade pelega e foi vaiado na sede do DCE, para onde foi levado por Júlio Ernesto de Faria, da Faculdade de Direito, a fim de dialogar com as lideranças locais. O Ministro da Educação, Tarso Dutra, gaúcho e financiador da picaretagem estudantil, segundo os esquerdistas, veio para o encerramento do congresso.
    Todos os diretórios acadêmicos de Natal, sem exceção, ficaram contra a realização "seminário universitário", que era a tentativa de soerguer a entidade pelega. Compareceram 100 estudantes de Pernambuco, Alagoas, Sergipe e Guanabara (Rio de Janeiro) e Minas Gerais. O grande ausente foi o Rio Grande do Norte, "cuja classe universitária decidiu repudiar o seminário", conforme notícia o Diário de Natal de 5.5 1967.
    O sistema telegráfico da Universidade Federal do Rio Grande do Norte(Retemec), gentilmente cedido pelo Reitor Onofre Lopes, considerado como elemento reacionário pelas lideranças de esquerda e um liberal para para os mais conservadores, foi a alavanca para levar o congresso do DNE ao completo fracasso e desmoralização do governo.
    Através do Retemec, os universitários do Rio Grande do Norte conseguiram advertir os demais DCEs do país sobre o congresso da entidade pelega. Além do Retemec, diversos estudantes se mobilizavam para convencer as delegações que chegavam para não comparecerem ao plenário do congresso. Entre esses estudantes figuravam Manoel Martins, "Manoel Sucesso"(Serviço Social), Gileno Guanabara, (Direito), Valdecir Osvaldo de Rocha (engenharia) e Antonio Moura Veras (filosofia). No dia da abertura do congresso, havia mais policias civis e militares que congressista.
    Do Retemec da universidade, os estudantes conseguiram diversos telegramas como o "da cópia autêntica do telegrama nacional número 41708 chegado ao DCE, enderaçado ao presidente do Diretório Central, emitido de Fortaleza, ás 12 horas do dia 3/maio/67: PRESIDENTE DC UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE – NATAL : DCE CEARÁ REPUDIA SEMINÁRIO DNE ET SOLIDARIZA-SE POSIÇÃO ASSUMIDA ESTUDANTES RN PT FARÁ ENCONTRO NESSE SENTIDO DELEGAÇÕE MARANHÃO PIAUÍ PARÁ ET AMZONAS PASSAGEM HOJE FORTALEZA. JOÃO DE PAULA PRESIDENTE.










O Movimento Estudantil do RN Antes e Durante a Ditadura Militar(IX)

TENENTE DA POLÍCIA DELATAVA NA FACULDADE






    Após o fim das intevenções nos diretórios acadêmicos, o clima de mais liberdade de atuação política nas faculdades ficou mais acentuado. Em 1967, liberadas as eleições para preenchimentos dos cargos dos diretórios acadêmicos, as chapas ainda sofriam muita censura dos órgãos dirigentes das escolas superiores, segundo conta o professor e sociólogo Rinaldo Claudino de Barros.
    Rinaldo revela que foi o único estudante cassado dos direitos de estudar, no Rio Grande do Norte, pelo famigerado decreto-lei numero 477, por causa de uma maquinação realizada pelo então diretor da faculdade de sociologia e política da Fundação José Augusto, Itamar de Souza. Como um dos exemplos da censura imposta na formação de chapas concorrentes aos diretórios acadêmicos, Rinaldo Barros aponta a sua própria cassação. Na sua opinião, a ala direita na FJA era constituída pela direção e pequena parcela dos professores.
    No final de 68, houve um caso de cassação de estudante, o único no Estado, que foi o meu caso. A minha cassação foi um ato de imbecilidade, não foi um ato político, do padre Itamar de Souza, porque foi provocada uma tentativa de ... bom eu estava no fim do mandato de presidente do Diretório acadêmico, entre novembro e dezembro de 68, quando convoquei a eleição para o final do ano. Tamar me chamou ao seu gabinete e me avisou que ia me dar um nome para eu lançar como meu candidato. Ele sabia que o candidato indicado pelo diretório teria muito mais chance de ganhar, pois o diretório tinha bastante prestígio junto aos alunos. Ele pediu para que eu aguardasse mais alguns dias para receber o nome do candidato (dele) para ser lançado como se fosse meu, escolhido por mim. Eu disse a Itamar que não fazia conchavo de gabinete e que iria sair da sua sala para avisar todos os alunos da proposta que tinha me feito.
    "Ao sair, pensei em convocar uma reunião convocar uma reunião de diretoria, antes de sair de sala em sala. Imediatamente, o pessoal se reuniu e discutiu a proposta transmitida pelo diretor. Decidimos que eu faria uma carta aos alunos, relatando o acontecido, ao invés de sairmos de sala em sala. A carta foi distribuída no dia seguinte, 'as 19 horas. A carta não propõe nada, apenas denuncia o que ele fez, que só entregaria o diretório ao estudante eleito em eleições livres. Não entregaria em conchavo a quem quer que seja, termina assim a carta, que está na tese de Justina Iva", disse Rinaldo Barros.
    Ele acrescenta que com base nessa carta, o diretor da faculdade de Sociologia e Política da FJA nomeou uma comissão de inquérito, composta por funcionários da fundação eu me deu um prazo de 48 horas para apresentar a defesa, de acordo com o Decreto 477. Rinaldo estava casado há dois dias e a sua lua de mel foi "escrevendo a defesa".
    "A defesa foi escrita em várias páginas, mas a comissão não leu, apenas anexaram ao processo e fui cassado por três anos. Integravam a comissão de inquérito, Teresinha Gadelha, Francisco Diógenes e o terceiro era uma espécie de escrivão, cujo nome não recordo. Francisco Diógenes foi o presidente do inquérito. Hoje, quando me vê na rua, fica envergonhado, se esconde, vira a cara. Teresinha, mais tarde, foi aluna da faculdade. Todos os três foram instrumentos e o responsável por tudo foi o padre Itamar. Voluntariamente fui ao OG do Exército, falar com o general Duque Estrada, que me deu razão e disse que iria verificar com o diretor o que poderia fazer por mim. Depois eu soube que ele disse ao diretor que, apesar de não haver motivo, o meu caso deveria ficar como exemplo para os estudantes..." afirma, Rinaldo Barros, apontando o seu caso como exemplo de que nos regimes autoritários, qualquer pessoa que queira praticar arbitrariedades, o faz e recebe cobertura.
    Rinaldo Barros atuou como presidente do Diretório Acadêmico de Sociologia e Política juntamente com Manoel de Lima Duarte, Manú (vice-presidente),Antônio Alfredo Santiago, Francisco Dagmar Fernandes e Zélia Madruga, entre outros.
    OS ESPIÕES DO SISTEMA - Eram alunos privilegiados nas escolas superiores do país, nos anos sessenta. Oficiais das forças armadas e das polícias militares ingressavam nas faculdades sem a necessidade de se submeterem a exames vestibulares. Entravam pela janela. E nas salas de aula eram os espiões do sistema governante. Eram os agentes do Serviço Nacional de Informações (SNI) ou dos serviços secretos das forças armadas e PMs.
    E Natal não ficou fora do circuito da comunidade de informações. E por isso, vários estudantes eram espiões, dedo-duros. Na faculdade de sociologia e política da FJA, onde estudou, Rinaldo Barros constatou a presença de um delator, o estudante Nilson Vasconcelos, então tenente da Polícia Militar do Rio Grande do Norte (hoje é major ou tenente-coronel). Nilson é formado, também, em jornalismo e já foi chefe do Serviço do Comando Geral do PM.
    Rinaldo conta o episódio que ocorreu na FJA, em conseqüência da delação errada do agente Nilson: " Em 1968, Jaime Ariston era um dos lideres estudantis de Natal e não dirigia nenhum diretório. Lilderava secundaristas e universitários. Certa vez, a polícia militar cercou e invadiu a Faculdade José Augusto porque tinha a informação de que Jaime Ariston estava promovendo uma assembléia geral. Essa informação foi dada por um estudante de jornalismo que era tenente da Polícia Militar, tenente Nilson, um baixinho. Esse tenente deu uma informação errada. Realmente, Jaime estave lá, mas a assembléia seria realizada no dia seguinte. A polícia interrompeu as aulas, provocando um vexame muito grande, pois só deixaram sair as moças, enquanto os rapazes ficaram lá até meia-noite. Os policiais revistaram tudo, banheiro, carteiras, tudo, mas não encontraram nada que confirmassem que Jaime Ariston estava lá", disse Rinaldo Barros.
    Denunciando o encontro que seria promovido pelo Diretório Nacional de Estudantes em Natal, de 4 a 7 de maio de 1967, a União Estadual de Estudantes (UEE), Diretório Central de Estudantes (DCE) e o DDAA (Sigla não identificada pelo repórter) distribuíram boletins na cidade, conclamando a categoria á mobilização e união contra o acordo MEC-USAID.
    O boletim numero 1 tem o título "Um seminário de coação Universitária" e o seguinte teor: 1- "Será realizado nos dias 4,5,6 3 e 7 de maio próximo, nesta capital, o Seminário Nacional do Diretório Nacional de Estudantes, instrumento de coação criado pela Lei Suplicy e extinto pela Lei Moniz de Aragão, de trágicas memórias;
    2– De caráter nitidamente anti-universitário, esses falsos líderes tentam burlar a verdadeira participação histórica dos universitários, instalando aqui em Natal, um Seminário EXPURGADO E REPUDIADO pelos estudantes de todos os Estados do sul do país;
    3- É falsa sua representação, como são falsos os líderes que o integram, imigidos como marionetes pelos birôs do acordo MEC-USAID e que tem como ideal, a subversão da classe unida universitária, não só do Rio Grande do Norte, mas também do Brasil. Não tem apoio de quem quer que seja, apesar das verbas e ajuda-de-custo que receberam para custear tal seminário. São visionários, profissionais estudantes, de um passado não muito limpo, nos corredores e puxa-sacos;
    4- Não se pode por conseguinte, aceitar gente dessa espécie e desse teor como representantes de uma mentalidade brasileira. Continuaremos lutando, para que o nosso repúdio á afronta dos pseudos líderes á legitimidade histórica dos estudantes superiores do Rio Grande do Norte, tenha ressonância e apoio de todos os diretórios do nordeste e do Brasil, numa reafirmação de vigilância e disposição á luta pela causa universitária.
    5- Vale acentuar ainda, que em se tratando de uma entidade e xtinta ( decreto lei n. 228 de 28/02/67), não compreende-se a atitude do MEC, financiando e incentivando-a. consideramo-nos a aceitá-las no plano nacional, mas órgão extinto, preferimos quem tem passado limpo de 30 anos de luta pelas causas estudantis;
    6- CONCITAMOS todos os universitários do Rio Grande do Norte, a se unirem em torno de seus órgãos de classe, contra o seminário nacional do DNE, frontalmente anti-brasileiro, nitidamente reacionário, financiado pelo acordo MEC-USAID, uma afronta contra todos que batalham pela melhoria da classe;
    7- Quebraremos se possível, até, o alto espírito de HOSPITALIDADE que tanto marca e dignifica a terra potiguar, por que esses esbirro são hóspedes indesejáveis, "personas no grata" ao nosso meio. A nossa certeza e o nosso estímulo, são dados pela esperança de que os universitários conscientes do nosso estado, saberão demonstrar seu TOTAL REPÚDIO, a esse drástico acontecimento que a cidade do Natal terá a infelicidade de assistir: O SEMINÁRIO DO DNE - INSTRUMENTO DE COAÇÃO DOS ESTUDANTES DE BOA VONTADE.
    a) UEE – DCE - DDAA". (Sem data, transcrição integral, sem correções).
    Nas vésperas do seminário dos estudantes pelegos e puxa-sacos dos militares, o Diretório central dos Estudantes da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Av. Deodoro 456, Cidade Alta, distribuiu uma nota convocatória, assinada por Iaperi S. Araújo secretário geral, e o seu presidente, Jonathan Miranda.
    O panfleto teve o seguinte texto:
    "CONVOCAÇÃO"
    O presidente do Diretório Central dos Estudantes, universitário Jonathan Miranda, apoiado pela unanimidade do conselho de Representantes, composto pelos presidentes de todos os diretórios acadêmicos da capital e tendo em vista a resolução tomada pelo mesmo conselho, na reunião do dia 3 de maio p.p. resolve:
    CONVOCAR em caráter EXTRAORDINÁRIO uma Assembléia Geral permanente até quando necessário, tendo em vista a realização nesta capital do Seminário do Diretório Nacional de Estudantes, repudiado pelos órgãos de classe dos universitários do Rio Grande do Norte.
    A Assembléia Geral permanente será instalada na sede provisória do Diretório Central dos Estudantes, á Av. Deodoro, 456, (restaurante universitário) – Natal, ou em qualquer lugar onde se faça necessário numa emergência. Natal, 3 de maio de 1967".(Seguem-se as assinaturas dos dois dirigentes do DCE).
    Desmentindo o presidente destituído do ex-DNE, que afirmou a imprensa desta capital ter recebido verba do Ministério da Educação para realizar um Seminário Universitário Brasileiro em nossa cidade, aqui chegou ontem, em vôo especial do Electra da Varig, o Ministério da Educação e Cultura, professor Tarso Dutra, que disse não ter concedido um centavo sequer para realização deste conclave, e acrescentou que estes estudantes do DNE nem mesmo solicitaram esse financiamento.
Afirmou o Ministro que veio a Natal, a convite dos estudantes, para dialogar com a classe para sentir de perto os problemas e ouvir as reivindicações dos universitários brasileiros, pois o diálogo é a tônica do Governo Federal.

A RECUSA DO DIÁLOGO
Interrogado sobre o que pensava da atitude tomada pelos universitários do Rio Grande do Norte, que não aceitam o diálogo e que repudiam o tal seminário de estudantes que se realiza em Natal, disse o Ministro da Educação que a recusa desse diálogo jamais poderá ser, por conseguinte, atribuída às autoridades educacionais, e cada um desses estudantes que tomaram tal atitude de recusa deve a responsabilidade pela atitude que tomou e pela conduta que deseja ter. A informação de que os universitários natalenses não querem o diálogo serve para comprovar a ausência, na classe estudantil, da vontade de receber ajuda. Não se trata mais a questão do governo pedir apoio aos estudantes; trata-se de dar o apoio e o estudante não querer receber.

REUNIÃO É LEGAL
Interrogado sobre a legalidade do atual seminário que o DNE quis promover em Natal, afirmou o sr.Tarso Dutra, que todo cidadão brasileiro tem direito de se reunir, de discutir os seus problemas e de encontrar soluções para os mesmos, portanto, tal encontro de estudantes é permitido pelo Governo. Entretanto, interrogado sobre a legalidade do congresso que a UNE pretende realizar dentro de mais alguns dias, em Brasília, o Ministro afirmou que não se aprofundava na questão.

REUNIÃO NA REITORIA
O sr. Tarso Dutra, que está acompanhado de uma pequena comitiva, e se hospeda no Hotel Internacional dos Reis Magos, manteve ontem às 21 horas, no auditório da Reitoria da Universidade, uma reunião com os estudantes universitários de diversos Estados, que aqui se encontram, trazidos pelo ex-DNE.
    À reunião não esteve presente nenhum líder estudantil do Rio Grande do Norte, pois o Diretório Central do Estudantes, naquela hora, permanecia em assembléia geral permanente, afirmando que só aceitaria diálogo com o Ministro , se este comprovasse, através de atos, que realmente deseja o apoio dos estudantes. Ainda na assembléia permanente, os líderes potiguares, que já sabiam da afirmação do Ministro, de que o MEC não financiara o semminário promovido pelo DNE, exigiram que seja promovido um inquérito pelas autoridades federais para que se descubra a origem do dinheiro gasto para a realização do conclave.

DIRETÓRIO NACIONAL ACABOU-SE EM NATAL


    Por sugestão do presidente da delegação de Sergipe, os universitários que vieram a Natal participar do Seminário Universitário Brasileiro, promovido pelo DNE, decidiram por fim ao referido conclave, como também extinguir, definitivamente, o Diretório Nacional dos Estudantes, de vez que o mesmo não tem condições de representar o estudante brasileiro.
    Falando á reportagem, o presidente do ex-DEE de Sergipe, estudante Walter do Prado Franco, afirmou que a sua sugestão pela não continuidade do Congresso foi aprovada pois uma minoria de estudantes não pode deliberar as matérias de importância que tinham de ser tratadas.
DNE ACABOU-SE
    Ainda disse o estudante sergipano que também sugeriu e os congressistas aprovaram a extinção definitiva do DNE, órgão que no seu entender não inspira confiança e não representa a classe estudantil brasileira.
    Terminando o Seminário Universitário Brasileiro, ontem pela manhã os universitários dos diversos Estados aqui presentes decidiram realizar um simples encontro de estudantes, para que não ficasse perdida a oportunidade em que diversos líderes estudantis estão juntos.
REIVINDICAÇÕES
    As diversas delegações universitárias presentes a Natal, aqui vieram para fazer reivindicações ao Ministro da Educação e Cultura, Sr. Tarso Dutra, que chegou ontem a esta cidade, ás 21 hs manteve contatos com os estudantes dos outros Estudos no auditório da Reitoria.











O Movimento Estudantil do RN antes e Durante a Ditadura Militar(X)



IVAN MACIEL: "RINALDO VOCÊ É UM CAVALO"




Sr. Diretor:

     Lendo o jornal DOIS PONTOS, como faço toda semana, encontrei uma referência ao meu nome no depoimento de Rinaldo Claudino de Barros, publicado no No. 272, que circulou no sábado p.p. invocando a Lei de imprensa, quero esclarecer o que aconteceu com este rapaz quando ele era estudante de Sociologia e Política, da Fundação José Augusto, e eu diretor daquela faculdade. Quero fazer este esclarecimento porque o seu depoimento é incompleto e inverídico. E a história para ser completa tem que englobar a visão dos vencedores e a dos vencidos.
    Naquela época, estávamos em pleno regime militar. Governava o país, nos idos de 68-59, o General Costa e Silva. Os movimentos de esquerda estavam sendo abafados em todo o território nacional. Só a esquerdinha festiva de Natal teimava quixostescamente em resistir.
    Aproximava-se a eleição para a escolha de novos dirigentes para o diretório da faculdade de sociologia e Política. Diante da conjuntura nacional e em razão da minha formação democrática e cristã, fiz várias reuniões no meu gabinete, mostrando que deveria ser apresentada e sufragada uma chapa de conciliação. Os esquerdistas concordavam tudo comigo, no gabinete; mas, logo, que saiam, a conversa era outra. Nunca recebi individualmente o Sr. Rinaldo para tratar deste assunto, como ele disse no depoimento. E depois, o que aconteceu? Faltavam um dia para Rinaldo terminar o seu mandato á frente do Diretório Acadêmico. Aliás, fazia três ou mais que a esquerda dominava o diretório. É aquela velha história de partido único no poder! Mas, o que fez Rinaldo? Lançou um manifesto, mimeografado a álcool, de conteúdo violentíssimo, atancando os militares, a Revolução de 64, o Presidente Costa e Silva, o Imperialismo norte-americano, as Forças Armadas, e como não poderia deixar de ser, o Diretor da Faculdade de Sociologia e Política. Era uma segunda-feira! Quando cheguei, às 19 horas, ao meu gabinete, o secretário da faculdade, Lenício Queiroga, assombrado, subiu às pressas com um exemplar do manifesto de Rinaldo, e disse-me: - todas as salas de aula estão cheias com este papel.
    Criou-se, então, a expectativa. O que acontecerá? Era a pergunta que todos faziam. Eu, pessoalmente, fiquei perplexo. Pensei até em abandonar o cargo. Sentia que tinham fracassado as minhas tentativas de diálogo.
    No outro dia, pela manhã, recebi um recado do General Hildebrando Duque Estrada, comandante do Exército em Natal, dizendo que gostaria de falar comigo à tarde. Diga-se, em"em passant", eu nunca apertara a mão de um general. Assim que cheguei ao gabinete do General, ele disse: - Padre, como vai a sua faculdade? Respondi que ia muito bem, pois, apesar da rotatividade de professores, as aulas tinham começado. Ela, então, abriu uma gaveta e disse: - O Sr. Conhece este manifesto? Respondi-lhe que sim. Ele, então, perguntou-me: - Que providências o Sr. vai tomar? Disse que ia continuar dialogando com os estudantes. Naquele tempo, nos ambientes eclesiásticos, falava-se muito em diálogo em contraposição ao autoritarismo do regime. O General Duque Estrada abriu outra gaveta e asperamente ordenou: - O Sr. Está obrigado, por lei, a abrir inquérito para averiguar esta subversão e aplicar o Decreto 477, se encontrar matéria condenatória. Ora, o conteúdo do manifesto de Rinaldo ia de encontro a tudo que preceituava este Decreto. Além disso, o 477 transformou cada diretor de faculdade ou de Colégio num ditador. Nenhum Diretor podia encaminhar matéria desta natureza para a congregação da Faculdade julgar.
- Abriu-se, então, o inquérito, do qual o Sr. Francisco Diógenes nunca fez parte. Nenhuma pessoa ouvida acusou Rinaldo de nada. De fora, eu acompanhava passo a passo o processo. Estava torcendo para que Rinaldo negasse tudo, porque eu ficaria a cavalheiro para não aplicar o decreto 477. mas, o que aconteceu? Ao ser interrogado, Rinaldo disse com todas as letras: - fui eu que fiz, mimeografei e divulguei o manifesto. Sou, portanto, o autor material e intelectual do mesmo.
    Diante de um réu confesso, só resta ao juiz aplicar a lei. Fi-lo constrangidamente, contrariando os meus princípios cristãos. Mas, a verdade seja dita: ou eu aplicava o decreto ou seria preso pelos agentes da Revolução.
    Dias depois, fui chamado ao gabinete de Lima Melo Diniz, então Presidente da Fundação José Augusto. Lá, estavam sentados. Além de Lima, Rinaldo e o Dr. Ivan Maciel de Andrade. Diga-se de passagem, que o Dr. Ivan Maciel era o mais anti-soviético dos professores nas reuniões da congregação da faculdade. Ivan levantou-se e disse: - Rinaldo, você é um cavalo, um estúpido, um grade imbecil como o Padre Itamar poderia lhe absolver, se você foi um réu confesso? "Então, perguntei o que eles queriam comigo. Lima Melo, tomando a palavra disse : - "Queremos que você vá ao General Duque Estrada interceder por Rinaldo, pois, ele está ameaçado de perder o emprego. Ademais, casou-se agora.
    Sem tergiversar, fui ao Quartel General. Lá chegando, o General Duque Estrada foi logo perguntando: - Sua Faculdade está agitada novamente? Respondi-lhe que estava ali, não como Diretor, mas na qualidade de um sacerdote; viera pedir pro Rinaldo, que estava ameaçado de perder o emprego. Asperamente, ele respondeu: - Padre, não sei que jogo o Sr. Pretende fazer: O Sr. Puniu este comunista e agora vem interceder por ele? Faça-me o favor de dizer ao Dr. Jurandir Tahim, chefe de Rinaldo, que preciso falar com ele. E acrescentou: deixe que tomo conta deste rapaz.
    Peguei meu carro e fui á Escola Técnica Federal transmitir o recado. Jurandir Tahim, no mesmo dia foi falar com o General, perante quem assumiu a responsabilidade pelo comportamento político do Sr. Rinaldo. Este rapaz exercia na Escola Técnica Federal uma função elevada que lhe dava oportunidade de viajar freqüentemente para o Rio de Janeiro e São Paulo. Numa dessas idas á capital paulista, ele foi preso pelo DOPS paulista ao entrar num hotel para se hospedar. Dizem que ele estava articulando a vinda do terrorismo para o Nordeste e, é claro, Natal. Não sei se isto é verdade.
    Será que Rinaldo ou alguém da esquerda dos anos 60 vai contar quem incendiou a Casa do Maine, em Natal? Será que ele vai contar o diálogo que teve com o saudoso Dr. Varela Barca sobre este assunto?
    Depois de tudo, Rinaldo retornou ao Rio Grande do Norte totalmente aburguesado. Está tão bem nos braços da burguesia potiguar como Xuxa na TV Globo. E depois que tornou-se, durante anos, cabo eleitoral do PDS, ficou desacriditado pelas esquerdas de Natal.
    Para terminar, lembro ao ilustre um pensamento do Senador Roberto Campos: "Ser socialista aos vinte anos é sinal de ter bom coração. Mas, continuar socialista aos quarenta, é sintoma de burrice". Como você não tem ainda esta idade, creio, ainda há tempo para a conversão. Na URSS, na China e países socialistas do Leste europeu, faz dez anos que assistimos a conversão do socialismo para o capitalismo.

Natal, 11 de julho de 1988.
Itamar de Souza






O Movimento Estudantil do RN antes e Durante a Ditadura Militar (XI)



RINALDO: "ITAMAR VIVE PORQUE EU QUIS"





Pesquisa de Luiz G. Cortez




    A cassação do estudante Rinaldo Claudino de Barros, em 1968, está rendendo. O professor Ivan Maciel manda carta e diz que não chamou Rinaldo de cavalo, mas confirma que intercedeu para evitar a sua cassação. Rinaldo também manda uma carta e assegura que vários companheiros tentaram matar o ex-padre Itamar de Souza, projeto que foi malogrado porque Rinaldo evitou o "justiçamento" do suposto agente da ditadura militar. Eis as cartas de Rinaldo Barros e do jurista Ivan Maciel de Andrade, uma das grandes figuras da intelectualidade potiguar.
    Sobre a carta do ex-padre Itamar, tenho algumas considerações a fazer:
  1. É importante confirmar que o presidente da Comissão de Inquérito que resultou na minha cassação realmente não foi o Francisco Diógenes, pessoa que sempre teve bom relacionamento com todos os alunos da Faculdade e que não se prestaria a esse serviço.
2. Sobre a minha volta a Natal, em 1980, é necessário desmentir o ex-padre Tamar, porque cheguei desempregado, com passagem paga pelos amigos, para ser técnico da Secretaria do Trabalho, recebendo três salários mínimos... muito longe do que ganha a Xuxa na Rede Globo.
Continuo morando na mesma casa sem poder pagar as prestações no final do mês. Se estou nos braços da burguesia, devo ter esquecido de receber as benesses... esta acusação, portanto, é sem fundamento.
3. Quanto à acusação de ter trabalhado como cabo eleitoral de Wilma Maia, já me foi cobrada em outras ocasiões até por amigos meus. O que ocorreu foi que, em 1985, quando D. Wilma se candidatou a Prefeito, era eu o seu Assessor Técnico, ligado diretamente a seu gabinete na Secretaria do Trabalho. Ela me pediu alguns trabalhos, dados sobre Natal, textos, gráficos. Não tinha porque negar. Assumo isso, como profissional. Politicamente, no entanto, a própria Wilma sempre soube e sabe que eu sou um homem de oposição e de posição definida. Se eu não fosse útil, como intelectual, já teria sido demitido e escanteado há muito tempo. Quem me conhece de perto, sabe que isso é verdade.
4. Sobre as palavras do Dr. Ivan Maciel, me chamando de cavalo, respondo apenas que o Dr. Ivan as pronunciou emocionado, quase solidário comigo, lamentando minha inexperiência em lidar com os intrincados de um processo. Importante agora é analisar o quanto é venenoso esse ex-padre. Itamar tenta inverter toda a história: em vez de vítima da ditadura violentíssima, eu - um menino de vinte anos – passo a ser o culpado de minha própria cassação, punição que me impediu de estudar durante três anos, eu aluno concluinte e recém-casado. Como se o estudante por defender eleições livres em seu Diretório merecesse efetivamente o castigo que recebeu e, ele – o algoz, beleguim dos militares esposa de um homem de bem, com ótima formação moral.


























        Não, Itamar. A verdade é que você foi instrumento do governo de exceção e cassou apenas a minha pessoa, porque não consegui cassar todos os membros do Diretório Acadêmico.
        E aqui está a explicação do porque eu assumi tudo sozinho. Revelo, agora, para todos e, especialmente, para Dr. Ivan Maciel após vinte anos. Havia eu recebido a informação de que a intenção de Itamar era cassar todos os membros do Diretório. Decidi que, em meu depoimento, assumiria toda a culpa e realmente afirmei: concebi, escrevi, datilografei, mimeografei e distribui o manifesto, sozinho.    Agora, Itamar, o que você não sabe é que me deve a vida.
        Logo após o seu gesto mesquinho, alguns amigos mais dispostos me procuraram e revelaram que haviam decidido eliminá-lo, a depender apenas de minha concordância. Fui contra. Porque, apesar de minha concordância. Fui contra. Porque, apesar de não ser cristão, acredito que a história fará o julgamento final de quem foi vítima e quem foi instrumento de ditadura em nosso país.
        Pra terminar, um último comentário: depois de muito analisar toda esta história recente, dentre as pessoas que conheço, cheguei a conclusão que o ex-padre Tamar de Souza foi um dos raros equívocos que a Santa Madre Igreja cometeu: apesar do esforço da igreja, o homem saiu com um péssimo caráter e destilando veneno. É um perigo.
        A citação de Roberto Campus, ao final de sua carta, é verdadeiro atestado de sua "inteligência" e indica com clareza a quem ela serve.
        Finalizando mesmo: Itamar, procure se informar melhor sobre as perspectivas da política internacional, para não ficar dizendo besteira acerca do que você não domina.


Sem lembranças da reunião




Meu caro Luiz G Cortez:








        Preciso fazer algumas observações e, mesmo retificações quanto ao que o prof. Itamar de Sousa escreveu em carta publicada em "DOIS PONTOS" sobre determinado episódio ocorrido em 1968/69, do qual eu teria participado. Na verdade, não me lembro sequer de ter estado presente à reunião a que o prof. Itamar alude. Sei que fiz gestões em favor de Rinaldo Claudino de Barros, em meu próprio nome como professor de Rinaldo na antiga Faculdade de Sociologia e no da prof. Ilma Melo, presidente da fundação José Augusto, para evitar de algum modo que ele fosse punido pela intolerância da repressão militar.

        Embora não me lembre de ter participado da reunião a que o prof. Itamar se reporta, devo esclarecer, no entanto, que as expressões que ele me atribui, como se eu as tivesse proferido a respeito de Rinaldo, destoam inteiramente do meu temperamento, do meu estilo de proceder e até mesmo de falar, além de não coincidirem, em nada, com o julgamento que fazia e ainda faço sobre Rinaldo Barros. Ele sempre me pareceu um idealista, ideologicamente lúcido, de atitudes corretas e bem intencionadas. A história narrada pelo prof. Itamar confirma, por sinal, indiretamente, essas qualidades de Rinaldo.
        No tocante à afirmação, feita pelo prof. Itamar, de que eu era "o mais anti-soviético dos professores" da Faculdade de Sociologia, lamento que essa opinião não tenha sido partilhada pelo general Duque Estrada, comandante do exército em Natal, à época. O general que, nesse assunto, pelo menos, devia ser mais bem informado que Itamar, "sugeriu" em expediente oficial ao governador, Monsenhor Walfredo Gurgel, que me exonerasse do cargo de consultor Geral do Estado, que então exercia, em face de minhas "posições de esquerda", de "teórico marxista", hostis ao sistema militar. O Mosenhor Walfredo recusou-se a me exonerar e esse fato aumentou ainda mais o clima de tensão entre o Governo do Estado e comando militar. Relembro reconhecido que o General Ulisses Cavalcanti, então secretário de segurança, deu-me extraordinário apoio, por entender que minhas convicções ideológicas tinham de ser respeitadas, mesmo pelo regime militar, pois, se situavam no plano das idéias e não no da militância política. De qualquer forma, a atitude do Monsenhor Walfredo, que respondeu ao general Duque Estrada com elogios a mim - por sinal, exagerados e, sem dúvida, imerecidos – deixou-me profundamente grato e comovido.
        É necessário lembrar que a imagem de esquerdista que, hoje, até certo ponto promove, áquela época era incômoda e perigosa. Se o general Duque Estrada, em 1968, pensasse como atualmente pensa o prof. Tamar ( e talvez vice-versa), garanto que muitas apreensões me teriam sido poupadas.
        De resto, tenho grande apreço pelo prof. Itamar, a quem peço desculpas por discordar no tocante aos aspectos objeto destes esclarecimentos.

O abraço cordial de:


IVAN MACIEL DE ANDRADE




O grande delator



        A Tribuna do Norte de 20.07.71, na página 4, publicou uma "carta de arrependimento" do estudante José Gersino Saraiva Maia, militante do Partido Comunista Brasileiro Revolucionário (PCBR), após ser preso pela repressão. Gersino, hoje comerciante na cidade de Macaíba e funcionário da Secretária do Trabalho e Bem-estar Social (STBS), foi preso e torturado pela Aeronáutica. Colaborou com os seus algozes e delatou dezenas de companheiros de Natal e de outras cidades.
        A carta de Gersino, um estudante de esquerda mais radical de Natal, nos anos 67/68, tem o seguinte teor: "Recife, 05 de julho de 1971. Exmo. Sr. Ministro da Aeronáutica Márcio de Souza e Mello:
        Escrevo esta carta para manifestar a V. Exa. Numa forma oficial e direta o compromisso que assumi dias atrás na oportunidade de uma entrevista á imprensa escrita e televisionada com o povo brasileiro com os Exmos. Srs. Ministros e com sua Exa. O Ilmo. Sr. Presidente da República Emílio Garrastazu Médici de renunciar as minhas atividades numa organização terrorista, de repudiar às organizações e suas atividades e ainda de tudo fazer para ajudar o Brasil a estirpar este mau e arrancar para o desenvolvimento.
        Esta minha expressão desta franqueza de espírito e o reconhecimento autocrítico de cada ato do passado resultado de uma reflexão profunda que se molda e se projeta neste estado de consciência atual.
        Cheguei a esta condição pelo caminho oposto como o personagem que motivado a fazer o bem, declinou antes pelo caminho do mal afim de reparar bem evidencialmente as duas idéias estabelecendo um limite inconfundível.


Um Congresso estranho


        Em editorial, publicado na edição de 04.05.1967, o jornal Tribuna do Norte, encarou o seminário do DNE como "Um Congresso Estranho". O editorial registrou o seguinte:
        A cidade está perplexa com o congresso estudantil que se programou para Natal. Parece mais uma reunião de cúpula de altos magnatas e não de uma classe que luta com dificuldades – sempre com dificuldades – para a realização de seus certames.
        O que se vê, via de regra, são os diretórios se movimentando junto aos governantes, às empresas de transportes e às vezes ao comércio, visando angariar fundos para custear a viagem das delegações, a manutenção dos congressistas e tudo mais. Não raro, vamos os moços buscarem alojamentos precários nos próprios colégios, em casos de família, nas unidades militares.
        Os de agora não. Chegaram e foram logo se botando para o Hotel internacional do Reis Magos, hospedaria de luxo, somente acessível ás comitivas de homens de negócios. Lá estão eles, á beira da piscina, como jovens príncipes de uma classe plebéia. Quem está financiando a hospedagem? De onde sairão os fundos para viagem, estadia e tudo mais?
        E o que é mais estranho ainda: é um conclave que não conta com o apoio dos estudantes da terra, que publicamente já repudiaram a sua realização. Nenhuma só entidade representativa dos estudantes natalenses se pronunciou oficialmente acerca desse congresso. Por que? São, evidentemente, acadêmicos. E a Reitoria da URN por que não lhes deu cobertura?
        Somos dos que recebem com alegria aos visitantes, procurando fazer as honras da casa. E firmamos conceito perante o público através da mocidade estudiosa, dos jovens ginasianos ou dos futuros doutorandos, para quem sempre estão abertas as nossas colunas.
        Mas, como aceitar como autêntica uma reunião de moços que aqui chegam como nababos, anunciando debates sobre temas que não foram divulgados. Como entender algo que os jovens da terra repudiaram e que o público olha com reservas, não tanto pelo que possa representar em si, de conteúdo mas pelos objetivos não devidamente esclarecidos.
      








O Movimento Estudantil do RN antes e durante a Ditadura Militar (XII)




ESCOLA TÉCNICA: Três expulsos do AI-5






        As escolas industriais foram criadas em 1909, no Rio Grande do Sul, pelo fundador do instituto Perobé, dr. João Luderitz, e se espalharam pelo resto do país com o objetivo de formar operários especializados para a nascente industria brasileira. O instituto Parobé foi transformado em escola industrial e, em 1912, o presidente Nilo Peçanha criou a escola de Natal, hoje denominada Escola Técnica Federal do Rio Grande do Norte.(ETFRN).
        A escola industrial de Natal, denominação que perdurou até 1967, ano em que foi transferida para o moderno prédio da avenida Salgado Filho, Lagoa Seca, era uma instituição que tinha um corpo docente composto por ex-alunos da própria escola. A maioria dos seus alunos era constituída por jovens da classe pobre ou da média baixa. Praticamente não existia filho de rico ou remediado. Quase 100% eram proletários que queriam adquirir uma formação profissional, ingressar no mercado de trabalho, arranjar uma namorada, casar e ser um bom pai de família.
        Após concluir o curso de marcenaria, mecânica, eletricidade e alfaiataria, entre outros, a maioria dos formandos ia para São Paulo ou Rio de Janeiro, afim de trabalhar e fixar residência. Muitos foram e ficaram. Outros voltaram, alguns ainda estão em Natal para contar muitas histórias da Escola Industrial de Natal, que funcionava no velho prédio da avenida Rio Branco, Centro, onde hoje está instalada a Televisão Universitária da UFRN, comissão permanente do vestibular e Associação dos Funcionários da UFRN (FURN), Cooperativa Artesanal de Litoral (COPALA) e Associação dos Docentes da Escola Superior de Guerra.
        CONCLUSÃO DAS OBRAS – A Escola Industrial funcionou no grande e espaçoso prédio de dois pavimentos (frente para a Rio Branco, fundos para a rua Professor Zuza) até o final do ano letivo de 1986. antes de ser relocalizada em Lagoa Seca, a direção da escola, através de Jeremias Pinheiro, Pedro Pinheiro de Souza e Pedro Martins de Lima, além do veterano presidente do Conselho de Representantes da direção da EIN, Luís Carlos Abbot Galvão (o conselho era um colegiado integrado por representantes da direção da escola, da indústria e do comércio. Luís Carlos era representante dos industriais) realizaram uma luta indômita para conseguirem a conclusão das obras do atual prédio. A participação de Luís Carlos nessa luta foi importante, pois empenhou-se integralmente para concluir a nova escola, cujas obras tinham sido iniciadas em 1949 e paralisadas durante quase dez anos.
        As atividades estudantis eram lideradas pelo "Centro Lítero e Recreativo Nilo Peçanha", cujas diretorias sempre foram eleitas pelo voto direto e secreto. O grêmio tinha uma verba para a sua manutenção e custeio de suas atividades "lítero e recreativas". A ditadura militar imposta em abril de 1964 proibiu atividades políticas nas representações estudantis. Por isso, o C.L.R.N.P. , sigla como ficou conhecido pelos alunos da Escola Industrial de Natal, realizava mais festinhas, pique-niques e bailes de São João do que conferências e reuniões de conscientização política.
        CONTRA A DITADURA – A primeira manifestação política que eu vi na EIN foi no primeiro de abril de 1964, quando os militares conservadores começavam o assalto ao poder da Repúblilca. Tinha 14 anos e assisti o aliciamento de estudantada, nos corredores da escola, para uma manifestação de protesto, fora da escola, contra o golpe militar, lembro-me que um dos que mais se destacaram foi o aluno Marcos Pedroza, filho da professora Carmem Pedroza. Diante dos apelos de professoras e professores para que os alunos se retirassem da manifestação interna, Marcos acabou falando sozinho e a convocação gorou. Para fazer Marcos Pedroza desistir do seu intento a professora Expedita, de francês, convenceu-o sob avisos "tenha juízo, menino, você pode ser preso". A professora Expedita era casada com um oficial do Exército e deveria saber dos propósitos dos militares.
        Depois do golpe militar, os alunos notaram a ausência de vários colegas, funcionários e professores. Um dos professores mais queridos na escola era João Faustino Ferreira Neto, que ensinava matemática com uma didática agradável, as aulas de João Faustino eram assistidas por todos os alunos com atenção e respeito, João ficou ausente durante quase dois meses e o seu horário era preenchido por um irmão marista. Mais tarde, esse irmão marista foi substituído por um professor de religião, desconhecido de todos: Inácio Sena. Tempos depois o professor João Faustino retornou às atividades didáticas e passou, também, a ser orientador educacional, tendo sido, nesse período, o primeiro professor a dar aulas sobre educação sexual na Escola Industrial de Natal.
        JORNAIS INTERNOS – em 1964/65, criei um jornal mural, "evolução", confecionado com folhas de papel ofício coladas em cartolina. Mas o jornal foi muitas vezes rasgado e riscado pelos alunos mais radicais que colocavam um "R" gigante no início do título do jornal que, pelas suas posições conservadoras e neo-integralistas, ficou queimado e sem condições de "circular". Mudamos o nome para "Mensageiro Industrial" e adotamos uma posição imparcial diante dos assuntos políticos da época. Colaboraram nos dois jornais, Luiz G Cortez, Rubens de Azevedo Maia, Lourival Cavalcanti, Lino, Wellington Corsino e Gilson Oliveira entre outros.
        Alguns companheiro sugeriram que eu me candidatasse a presidente do C.L.N.P. , idéia que aceitei levar avante após uma conversa com o inspetor Adilson de Castro Miranda, altamente popular e benquisto no meio da estudantada. Adilson era funcionário e conhecido pelos seu discursos retóricos que fazia em todas as solenidades cívicas da escola. Tinha sido militante da juventude Estudantil Católica, ex-presidente do C.L.R.N.P. e era o responsável pela disciplina interna, isto é, lidava, diariamente, com mais de seiscentos alunos. Era pau pra toda obra. Mexia com tudo, conversava, advertia e orientava os alunos. Com o seu apoio, no início de 1966, fui eleito presidente do Centro com larga maioria de votos sobre o meu opositor, cujo nome não me recordo.
        SEM ADILSON, DERROTA – Por uma desses ironias da história, dirigi o grêmio com certa liberdade e desagradei a Adilson e a direção da escola. Cometi erros. Por exemplo: editei um jornal cujo nome era "Manda Braasa", influenciado por uma música de Roberto Carlos, que estava no auge. Depois corrigimos o erro e editamos o "Mensageiro Industrial", com oito páginas, impresso na gráfica Graflex, na Tribuna do Norte. O então orientador educacional, professor João Faustino, tentou evitar, através do diálogo e da persuassão, que eu mandasse imprimir o "Manda Braasa", pois o título não pegava bem para a entidade e os alunos da EIN.
        Mas antes de romper com Adilson de Castro Miranda, a diretoria do Centro realizou diversas promoções: concursos literários (poesia e contos) conferências, festinhas e piqueniques, além dos dois jornais impressos nas gráficas Manimbú e Graflex. A única vez que o escritor e historiador Luis da Câmara Cascudo esteve na EIN, foi a convite da diretoria do Centro. Cascudo falou sobre cultura popular e a formação do povo brasileiro. Foi um sucesso. Os alunos nunca tinham visto Luis da Câmara Cascudo.
        Nos primeiros meses de 1967 houve eleição para o Centro e fui fragorosamente derrotado por Ednaldo Pimentel, que contou com o apoio direto de Adilson. Antes de deixar a presidência do Centro, conseguimos financiar a primeira edição do livreto de Adilson, "Só morrem as causas pelas quais não se morre...". o lançamento do livro ocorreu em agosto de 1966, no refeitório da escola, com discursos do autor, do ex-professor Evaristo de Souza Lima e do funcionário José Hipólito de Santana, ambos já falecidos. A edição do livro custou cem cruzeiros e foi paga pela tesouraria do C.L.R.N.P. Em 25 de dezembro de 1981, Adilson imprimiu a segunda edição do seu livro.
        A JUVENTUDE CATÓLICA – Perdido o comando do Centro, ingressamos num pequeno grupo que seria o embrião da Juventude Estudantil Católica (JEC) na escola. O grupo era coordenado por José Albino de Oliveira e dele faziam parte Rubens de A. Maia, Lino, Jurandir Bezerra de Oliveira e um rapaz carrancudo cujo nome naum me recordo. Lembro-me que ele se formou em medicina. O grupo de jovens católicos reuniu-se várias vezes e participou de reuniões na granja Emaús, ao lado da BR 101, com o padre Antônio Soares Costa, coordenador da JEC. As reuniões na granja contaram com a participação de dezenas de estudantes, entre os quais José Albino de Oliveira, José Bezerra Marinho e Albimar Furtado.
        Mas as reuniões do grupo da Escola Industrial de Natal foram se tornando preocupantes para a direção e o conselho de Representantes. O grupo promoveu conferências e atividades políticas contrárias ao pensamento do grupo dirigente da escola. Por isso, um dia de setembro de 1967, eu, Jurandir B. de Oliveira e outro aluno, fomos surpreendidos pelo convite da direção da escola para comparecermos à sala do presidente do CR, Luís Carlos A. Galvão, um cidadão temido pelo alunado por causa da sua carranca e um tremendo óculos escuro. Luis Carlos foi curto e grosso: não permitiria subversão dentro da escola e que nós só tínhamos uma opção: renunciar a qualquer atividade política ou a exclusão do quadro do corpo discente.
        Todos julgaram-se inocentes de qualquer ação subversiva. Ao nosso lado, estava o professor Pedro Martins de Lima, calado. No final da "conversa", Luis Carlos disse, taxativo: "Eu não quero subversão aqui e vocês estão expusos!". E assim, três concluintes do ginasial foram impedidos de continuar estudando na Escola Industrial de Natal. Os três perderam o ano letivo de 1967 por causa da decisão totalitária de Luis Carlos Abbot Galvão, muito antes do AI-5, sob o olhar complacente do diretor Pedro Martins de Lima, que nada podia fazer.










O Movimento Estudantil do RN antes e durante a Ditadura Militar (XIII)


DOM EUGÊNIO IMPLANTOU O ECUMENISMO NA EIN




        Altamiro Galvão de Paiva foi da Juventude Estudantil Católica, apesar de ser protestante, na antiga Escola Industrial de Natal, hoje Escola Técnica Federal do RN, foi vice-presidente do Centro Lítero Recreativo Nilo Peçanha, em 1961, ano de intensa agitação social e política no Brasil. Para chegar a ser eleito vice-presidente do Centro, Altamiro teve que fazer intensa propaganda e diversas gestões políticas, pois os seus adversários diziam que ele era protestante e, por isso, os alunos da escola não teriam mais páscoa.
        "Consegui levar o bispo Dom Eugênio Sales para celebrar uma missa na escola e as dúvidas desapareceram. Depois da missa, Dom Eugênio Sales disse que o ecumenismo estava implantado dentro da Escola Industrial", disse Altamiro Galvão de Paiva, coronel da Polícia Militar do Rio Grande do Norte. Ele derrotou a chapa encabeçada por Francisco Gomes, católico, e apoiada pela ala esquerda dos estudantes. O presidente eleito foi Antonio Quirino.
        Altamiro recorda que a participação de Jô Resende, atual vice-prefeito do Rio de Janeiro, foi intensa na Escola Industrial de Natal, pois se tratava de um rapaz com forte liderança na escola e nos meios estudantis da cidade, haja vista que ele era militante da Juventude Estudantil Católica, coordenada em Natal pelo então padre Antonio Soares Costa, hoje bispo-auxiliar.
        "Eu não era militante de esquerda, mas um estudante protestante, com atuação no Centro da Escola Industrial de Natal e amigo de Jô Resende, com quem fui, em 1961, a um congresso da União Nacional dos Estudantes Técnicos Industriais (UNET), em Fortaleza-CE. Durante o congresso, distribuiu-se, fartamente, panfletos de elogios a revolução cubana, com fotos de Fidel Castro. Quando vi aquela agitação e distribuição de fotos de Fidel, retirei-me do recinto do congresso, pois tive uma espécie de premonição de que aquilo iria dar em confusão. Pouco tempo depois, o Exército ocupou as dependências do congresso e prendeu dezenas de estudantes. Escapei por pouco", disse Altamiro Galvão.
        Ele lamenta a extinção da Escola Industrial nos moldes em que funcionou até 1967. Durante décadas, as escolas industriais do país funcionaram em regime de tempo integral, pois os alunos recebiam café da manhã, almoço e lanches reforçados, ale de livros, batas e fardamento. Os cursos eram: marcenaria, mecânica, eletricidade, alfabetização, artesanato em cerâmica e artes em couro. (continua na próxima edição)
        Em tempo: A professora Expedita Medeiros não é casada com militar do Exército. Seu marido, desde os 18 anos, é Argentino Jacó de Medeiros, civil.
        GERSINO, DE LÍDER ESTUDANTIL A GUERRILHEIRO – O comerciante José Gersino Saraiva Maia, ex-guerrilheiro do Partido Comunista Brasileiro Revolucionário-PCBR), acusado de ter delatado companheiros de sua organização ao DOI-CODI e ao CISA, serviço secreto da Aeronáutica, em 1971, compareceu á redação e desmentiu que fosse o "Grande Delator" da esquerda na luta armada da década de 70. Gersino contou episódios da sua vida de militante revolucionário e prometeu fornecer um depoimento escrito do período em que atuou no PCBR e dos dez anos de reclusão nos cárceres da Aeronáutica e da Polícia Militar do Rio Grande do Norte.
        Apesar de ter sido violentamente torturado pelos militares, em 1971, Gersino Saraiva Maia revela que sofreu muito mais na prisão do quartel do Comando Geral da PM do RN, na época que era comandado pelo coronel do Exército Elder Nogueira Mendes, de Mossoró, um anticomunista ferrenho.
        A seguir, publicamos a parte final da carta de "arrependimento" do ex-guerrilheiro Gersino Saraiva Maia:
        "Acredito que isto não desmerece a minha atual condição, ao contrário, fortalece-a, fortifica-a. Pois tendo com base a minha experiência, a juventude permanecerá alerta evitando ser iludida e a repetir os meus erros.
        Fui conduzido a uma organização por um indivíduo que para me
iludir aproveitou-se nitidamente do grau de amizade existente entre nós. Fui levado pelas circunstâncias do meio e pressionado por terceiros a praticar ações as mais objetas contra os direitos da pessoa humana. Fui esmagado como indivíduo e transformado gradualmente num verdadeiro marginal. Presenciei jovens de diversas categorias sociais sendo iludidos e arrastados pelo mesmo caminho. Presenciei jovens sendo seduzidas e levadas pelo desespero desta condição a integrarem os grupos terroristas. Presenciei o arrependimento de muitos que as autoridades pela falsa imagem que fazem da prisão. E presenciei o desespero de muitos outros.
        Não me recordo, confesso, de um só ato praticado pela organização em respeito a pessoa humana, em benefício do povo, em defesa da pátria. Antes pelo contrário: é o desrespeito pelo desrespeito e a traição pela traição e o crime pelo crime. Por isso é que procuram afastar os jovens do convívio da família, da escola e da sociedade, desvinculando-se de toda e qualquer responsabilidade social. Enfim, as esquerdas não passam de um antro de degeneração moral onde se confundem a chantagem e o vício, a prostituição e o terror.
        Devo dizer para ser honesto que não tinha consciência daquela realidade; que não sentia o peso da gravidade dos atos que praticava e quanto mais o correr dos dias o desperdício da juventude e o malogro de minha vida profissional.
        Quando tive de refletir, de pensar, não foi difícil renunciar o passado. Arrependimento veio fácil, sereno, profundo e de coração. Procurei e encontrei forças para conservar-me á margem de tudo aquilo que era falso e equívoco. Mas o meu arrependimento não seria total e eu não teria tido tanta coragem se não fossem os oficiais do Exército e da Segunda Zona Aérea que entendendo-me, deram-me o entusiasmo e o apoio necessário ao seu aprofundamento. Assim pude manifestar publicamente este meu estado de consciência atual.
        De modo que a prisão tem para mim o significado e a importância que teve o relâmpago para o apóstolo São Paulo: simbologia de uma conversão. E desde então eu tenho repetido: dai-me, meu Deus, a graça do arrependimento. E ainda recebi na prisão – uma vez que servi o Exército - a lição da ordem, da responsabilidade, e do amor à pátria. Por isso é meu dever refutar a imagem que os dirigentes da organização divulgam nos presídios, impedindo que outros jovens se arrependam. Tendo sido muito bem tratado. Basta dizer que as autoridades da Segunda Zona Aérea deram-me a oportunidade de passar 15 dias com a família em Natal, o que foi para mim motivo de grande alegria. Naquela oportunidade eu consegui captar e traduzir nas palavras de Jacob Wassermann, o sentimento que se apoderava do coração dos meus pais e de meus 8 irmãos: se ainda queriam viver era unicamente para esperar o arrependimento e a volta do filho e irmão bem-armado que haviam perdido. Eu transmiti-lhes meus atuais sentimentos e pude vislumbrar os seus olhos cheios de alegrias. Sim, meus pais tinham razão. Eu não tinha sido destruído e quando um homem não é destruído nunca pode ser derrotado, afirma Ernest Hemingway.
        Graças a Deus, portanto, estou vitorioso: Para retornar meus estudos, para regressar à família e ajudar os mus pais a dar uma melhor condição de habitação e de vida aos meus irmãos, para aconselhar aos amigos e aos jovens para reintegrar-se à sociedade.
        Desejo ardorosamente exercer com dignidade e retidão este processo de retificação. Como desejo igualmente viver esta ápoca em que são dados os passos mais determinados e decisivos em busca do desenvolvimento do Brasil, da moralização de suas instituições e princípios de civismo e de confiança de seu povo. Sinto-me na obrigação de trazer pelos tempos e transpor a Vs. Exas. As palavras profundas proferidas por Showthey em homenagem a Manuel da Nóbrega: "Não há ninguém a quem deva o Brasil a tantos e tão permanentes serviços".
        Desejo que V. Exa. Faça chegar ao conhecimento de sua Exa. O Ilmo. Sr. Presidente da República, Emílio Garastazu Médici, dos Exmos. Srs. Ministros de Estado e aos irmãos de todos os brasileiros os termos deste compromisso.






O Movimento Estudantil do RN Antes e Durante a Ditadura Militar (XIV)


SILTON: O ESTUDANTE QUE VIROU GUERRILHEIRO







        Silton era estudante ginasiano do Colégio Santo Antônio (Marista) em setembro de 1966 quando convidei-o para assistir ao lançamento do livro de Adilson de Castro Miranda (Só morrem as causas pelas quais não se morre), editado pelo Centro Lítero Recreativo Nilo Peçanha, da Escola Industrial de Natal. Ele compareceu à solenidade na companhia de Maux e de Francisco de Assis Rodrigues de Souza, todos com farda do Marista. A mesa diretora dos trabalhos estava completa e, por isso, Silton, Maux e Assis ficaram sentados na primeira fila do lado esquerdo do refeitório da EIN. O lançamento foi concorrido. "Auditório" lotado. Discursos de Adilson, do professor Evaristo de Souza e do funcionário Hipólito de Santana.
        Foi a última vez que vi Silton, se não me falha a memória. Naquela época, ele já atuava no movimento estudantil de Natal. E nós, da Escola Industrial, cujo alunado era quase todo de origem proletária, ficamos surpresos com a aceitação do convite por parte do Diretório Estudantil do Marista, colégio tradicional da pequena burguesia da capital da província do Rio Grande do Norte.
        Anos depois soube do seu assassinato. Em fevereiro deste ano, ao ler "Combate nas Trevas – A esquerda brasileira: das ilusões perdidas á luta armada", de Jacob Gorender, deparei-me com um curto relato sobre a morte de José Silton Pinheiro Gomes: na página 201. "A 17 de janeiro de 1973, os jornais notificaram a morte – em suposto tiroteio no bairro do Grajaú, Rio de Janeiro, a 29 de dezembro do ano anterior – do próprio Fernando(refere-se a Fernando Sandália, preso em Pernambuco, em dezembro de 1972) e mais de Getúlio Cabral, José Bartolomeu Rodrigues de Souza, José Silton Pinheiro Soares e Luciana Ribeiro da Silva. Os corpos estavam furados de balas, alguns deles carbonizados. Luciana tinha o nome verdadeiro de Lourdes Maria Wanderley Pontes, casada com Paulo Pontes da Silva, quando da entrevista comigo, em 1985, Paulo ainda não conseguira provar sua condição legal de viúvo. Tudo indica que a morte em tiroteio não passou de invenção, costumeira da época. A chacina dos cinco e mais de Valdir Sales Sabóia se deu certamente no quartel da rua Barão de Mesquita".
        Jacob Gorender, na página 200 do citado livro, registra ainda que diversos militantes do Partido Comunista Brasileiro Revolucionário PCBR fora presos no Rio Grande do Norte. "Em janeiro de 1971, caíram Carlos Alberto Soares e quase todos os presentes a um encontro nacional, no Rio Grande do Norte, disperso diante da iminência de delação. Um dos poucos a burlar a perseguição do inimigo, Prestes de Paula seguiu para o exílio", relata Gorender na mais completa obra sobre a guerrilha urbana e rural brasileira na década de 60.
        Voltemos a Silton. Enquanto Jacob Gorender refere-se a ele como José Silton Pinheiro Soares, os seus familiares adiantaram que o seu sobrenome era Pinheiro Gomes, filho de Milton Gomes Pinheiro, nascido a 31 de maio de 1948, na localidade de Japecanga, município de São José de Mibipú, onde passou sua infância no sitio Pium. Ficou órfão de mãe ao nascer e passa aos cuidados da tia, Maria Gomes Pinheiro (Tia Lira), que lhe dispensa toda atenção, tornando-se sua verdadeira mãe. No sítio Pium mora com a mãe adotiva, o pai e avós maternos.
        Ingressa no ginásio do Marista, tornando-se líder de classe e presidente do Diretório Estudantil em 1965, ainda sem qualquer orientação política de esquerda.
        Entra em contato com o pensamento progressista da Igreja Católica, despertando para as questões sociais a partir de 1966 enquanto cursa o 1º científico. Segundo relato de um familiar, Silton desloca-se para o Recife, pretendendo ser irmão Marista (há informações que o irmão Emanuel, que era ligado a grupos de esquerda, teria influenciado Silton nessa caminhada), chegando a ingressar no Convento Marista de Apipucos, em Pernambuco, em 1967.
        Sua inquietação política e a vontade de encontrar respostas para questões sociais estouram os limites da vocação religiosa, mesmo de caráter progressista.
        Retorna a Natal e conclui o curso científico na rede pública de ensino em 1968. Aí, direciona sua formação política, até então difusa, no sentido do socialismo. Presta exames vestibulares em 1969 e ingressa na UFRN. Ainda em 1969, Silton mantém contatos com a esquerda, 'organizada'(Partido Comunista Revolucionário – PCR e Partido Comunista Brasileiro Revolucionário PCBR), passando por um processo de discussão que culmina com o seu ingresso no PCBR, em 1970, já no PCBR, participa de várias ações de guerrilha urbana. Entra para a clandestinidade em 1971 e já procurado pela repressão, sai do Rio Grande do Norte. Preso nos últimos dias de dezembro de 1972 (entre 26 e 30/12), é torturado até a morte sem passar qualquer informação para a repressão.
        Ainda conforme informações de familiares o nome completo e verdadeiro de Silton era José Silton Pinheiro Gomes. Foi assassinado nos porões do quartel da Polícia do Exército do Rio de Janeiro( na rua Barão de Mesquita , onde funcionavam as câmaras de torturas do DOI-CODI do 1º Exército). No matadouro do quartel do Barão de Mesquita foram trucidados dezenas de militantes de esquerda, inclusive do PCB, organização que não concordava com a luta armada para derrubar o regime militar.
        Do Rio Grande do Norte, foram torturados até a morte, além da Silton, Emanoel Bezerra (natural de São Bento do Norte), ex-presidente da Casa do Estudante do RN, Luiz Maranhão Filho, Vivaldo Vasconcelos, dentre outros.



SILTON: OS CACOS DA HISTÓRIA


        "Um, num momento de reciclagem da história, os verdadeiros vultos assomarão aos seus postos, e a escória voltará ao lugar de origem, o esgoto. Porém, assim como a aurora precede o dia, nunca a noite será tão escura para impedir que se fale sobre Silton Pinheiro Gomes, ou simplesmente Soares, como foi batizado na clandestinidade. Nesta fala, os deslizes eventuais vão por conta de considerá-lo meu companheiro, apesar de vir de uma geração mais nova que a minha.
        Quando o conheci, a alegria manifestada pelo sorriso franco, me contagiou. Sua disposição para a luta extrapolava o critério ideológico, apesar de atabalhoado do cumprimento das tarefas, um tanto e quanto displicente. Jamais em um instante sequer, porém, titubeou. Era um autêntico "pé-de-boi".
        Não sei se ao morrer cometeu algum tipo de falha. Jacob Gorender, para mim o primeiro a investigar com imparcialidade o obscurantismo militar, não o cita(1).
        A última imagem em vida do companheiro, foi a da nossa despedida nos fundos do Teatro Santa Isabel, no Recife. Ali, ao ouvir minhas ponderações de firmeza ideológica, ficou a promessa de com exemplos, demonstrar sua condição de comunista. Com lágrimas nos olhos, como todo ser superiormente simples, demonstrando o companheirismo integral na antevisão da saudade, ou da preocupação pelo destino comum. Como sempre fora seus arrebatamentos, quer na ação direta, quer numa simples reunião com camponeses pelo interior. Se não havia transporte, ia-se a pé, pois para ele a distancia não existia.
        Este reencontro com Silton, após sua morte, é um segundo passo para a etapa decisiva da democracia brasileira. Pois se houve um morto, houve a "causa-mortis", até hoje representada como um confronto entre "grupos subversivos e policiais-militares". O que já é um avanço, pois em 1979 no Teatro Ruth Escobar, num reencontro de presos políticos (ainda um quase clandestino), eu listei o nome do companheiro no pôster da Anistia, que mais tarde a viúva do operário Manuel Fiel Filho revenderia para sobreviver.
        José Silton Pinheiro Gomes –Presente!".

NOTAS

  1. O autor deste texto, ex-militante do PCBR, Irapuan Rocha, comerciante no bairro de Neópolis, Natal/RN, comete pequeno deslize, pois Jacob Gorender faz alusão ao assassinato de Silton na página 201 do livro "Combate nas Trevas".
  2. A diretoria do CRLNP, que sucedeu a Luiz G. Cortez, tomou posse no mesmo dia da eleição, a 28 de novembro de 1966 e não no 1º semestre de 1967, conforme matéria intitulada "Escola Técnica: três expulsos sem o AI-5". O presidente era Ednaldo Pimentel e José Gilson de Oliveira, o vice. Ednaldo trabalhava, em 2004, na área de vendas de carros. Gilson é professor do CEFET.
  3. Na matéria "Dom Eugênio implantou o ecumenismo na EIN" dá Altamiro Galvão como militante da JEC. O autor errou, Altamiro era protestante e derrotou um candidato da JEC na EIN numa disputa pela presidente do CLRNP.



O Movimento estudantil do RN Antes e Durante a Ditadura Militar (XV)

Faustino:


"CAPITAL ESTRANGEIRO DEU O GOLPE EM 1964"




        O professor João Faustino Ferreira Neto, ex-deputado federal e candidato a governador do Estado do Rio Grande do Norte em 1986 pelas forças situacionista da época, PDS – PFL – PTB, foi ativo militante na política estudantil natalense na década de 60. católico praticante, atuou na Juventude Universitária Católica (JUC), quando ingressou na Universidade.
        Considerado como líder estudantil progressista para muitos estudantes, professores e diretores de escola, esquerdista para outros, João Faustino Fereira Neto foi um dos mais ativos, inteligentes e argutos líderes estudantis de Natal, segundo alguns contemporâneos de militância política. Teria sido superado, apenas, por outro líder estudantil mais velho e, na época de Faustino, sem atuação entre os estudantes: Hélio Vasconcelos.
        Faustino atuou no movimento secundarista (Marista e Atheneu Norte-rio-grandense) e universitário (Faculdade de Filosofia) de Natal na JEC,JUC e Ação popular, (AP) organização criada por estudantes católicos e marxistas mais avançados de Minas Gerais e Rio de Janeiro e que disseminou-se pelo Brasil. Aliado a AP, João Faustino aplicou a primeira grande derrota ao Partido Comunista Brasileiro (PCB) no movimento estudantil do Estado, na década de 60, ao se eleger presidente da União Estadual de Estudantes (UEE). O PC apoiava o candidato o candidato José Monteiro, estudante de Odontologia.
        COMO ENTROU NA POLÍTICA ESTUDANTIL - Contra Faustino que começou a participar de movimentos políticos reivindicatórios quando integrou, incialmente, a JEC. "Naquela época, a igreja se empenhara na formação de líderes católicos que tivessem uma participação na vida estudantil secundarista, universitária e operária. Daí o nascimento da JEC, JUC e JOC (Juventude Operária Católica). A igreja recrutava e estimulava lideranças a se integrarem nesses movimentos. Para alguns tido como movimento de piegas; para outros, movimento progressista, contestador; outros confundiam essas instituições como de apoio a movimentos essencialmente esquerdistas. Outros tachavam esses movimentos de comunistas. Na verdade, desses movimentos que nasceram dentro da igreja, na época com sinas bem progressistas, surgiram muitas lideranças que hoje detêm posições no cenário estadual e nacional", disso Faustino.
        Da JEC Faustino ingressou na JUC, onde exercitou uma militância política mais ampla, conforme ele próprio confessa, apesar de ter participado de todos os seminários, congressos, reuniões e conferências estudantis que foram realizados em Natal, na fase secundarista; como aluno do Colégio Santo Antonio (Marista) e o Estadual do Atheneu. No Diretório Celestino Pimentel, do Atheneu, onde respirava-se mais liberdade, Faustino sentiu-se mais motivado para uma participação mais efetiva.
        "Há momentos significativos dessa participação: em 1963, fui eleito presidente da União Estadual dos Estudantes (UEE), numa eleição da qual participaram todos os universitários de Natal e de Mossoró. Foi uma eleição direta e fui eleito como expressiva margem de votos. Houve uma dissidência na época. Eu era candidato da Ação Popular e JUC e disputava a eleição contra um candidato que era apoiado pelo Partido Comunista, o José Monteiro, estudante de odontologia. De todas as formas se tentou um candidato único que iria ter o patrocínio e o apoio da Frente Única, que congregava todas as facções políticas progressistas do Estado contra um candidato que viesse a surgir. Mas houve a dissidência e eu fui candidato com o apoio da JUC e dos companheiros da Ação Popular, fui, portanto, o último presidente eleito para a União Estadual dos Esstudantes", relembra o ex-secretário de educação de Tarcísio Maia, governador nomeado pelo regime militar para suceder Cortez Pereira, em 1975.
        Quando ocorreu o golpe militar de direita, apoiado pelos Estados Unidos da América do Norte – o maior beneficiado pela disposição do presidente do constitucional João Goulart - João Faustino era o presidente da UEE e assinou um manifesto de protesto contra os militares que assaltavam os poderes da República.
        REMINISCÊNCIAS DAS LUTAS – Faustino relembra que a sua vitória para presidente da UEE, em 1963, foi tão acachapante que em Mossoró só registraram-se seis votos contra a sua chapa. Para obter os votos dos estudantes da Faculdade de Ciência econômicas de Mossoró, a única instituição superior que possuía estudantes-eleitores, Faustino viajou em companhia do aliado Ley Lopes de Souza para participar de uma reunião. "Nós saímos de lá com a certeza de que ganharíamos a eleição em Mossoró. Mas a grande vitória foi na Faculdade de Direito de Natal, o maior reduto de oposição à minha candidatura. Lá estavam Berenice de Freitas, Teresa Braga, Danilo Bessa e outros tantos companheiros e amigos apoiando a candidatura de Monteiro. Me lembro bem que na época da apuração dos votos, na sede da UEE (Av. Deodoro, Cidade Alta, onde funcionou o restaurante universitário, o DCE e hoje se projeta a construção da sede do Banco do Nordeste do Brasil) eu dizia que ia ganhar a eleição na Faculdade de Direito. Berenice disse que "é muita petulância de João Faustino ganhar na Faculdade de Direito". "Na realidade, ganhei na Faculdade de Direito por dezesseis votos, numa eleição muito disputada", afirma João Faustino. Além de líder estudantil, na época, ele lecionava no Colégio Imaculada Conceição e Escola Industrial de Natal.
        Ao ser abordado sobre a sua prisão em 1964, após o golpe militar fascista, João Faustino relembra um episódio que provocou vários interrogatórios por parte dos militares capachos dos novos donos do poder.
        "Em fevereiro de 1963, como presidente da UEE, pronunciei um discurso numa assembléia universitária, na Faculdade de Direito. Estavam todos os professores com suas vestes talares. A reunião era presidida pelo então reitor Onofre Lopes, de saudosa memória. Na época, eu fiz um discurso muito contundente, criticando com muita veemência a Universidade, pedindo a participação dos estudantes nos colegiados dirigentes da Universidade, solicitando o apoio dos professores para a reforma universitária que estava em curso, conclamando o apoio dos universitários à União Nacional dos Estudantes (UNE), que levantava todas as bandeiras de reformas sociais que se proclamava nos idos de 1963 e 1964. lembro-me que este discurso teve uma repercussão muito grande e foi, inclusive, por conta desse discurso, ao ser preso em 1964, que tive que comparecer às unidades militares para falar sobre esse discurso e para ser interrogado sobre minha atuação como líder estudantil", disse Faustino.
        O GOLPE DO CAPITAL ESTRANGEIRO – Faustino conta mais sobre os idos de 1960: - Há fatos interessantes no decorrer da revolução e que em algumas circunstâncias mostravam uma certa imaturidade da juventude e dos estudantes daquela época. Nós, por exemplo, acreditávamos que o governo João Goulart estava forte pelo apoio popular que estava recebendo, dos sindicatos, etc. achávamos que o governo tinha sustentação em todos os setores da vida nacional. Jamais admitiríamos que este governo viesse a ser derrubado como foi. Era uma atitude até certo ponto ingênua, pois todos nós sabíamos que o capital internacional estava empenhado na transformação de regime político brasileiro. As multinacionais queriam aqui penetrar, mas não tinham espaço por causa do apelo nacionalista muito forte. Hoje todos nós sabemos que por trás de tudo aquilo existiam dinheiro e agentes do capitalismo internacional e forças que realmente queriam mudar o regime político com o objetivo de se instalarem definitivamente no Brasil".
        João prossegui: "A nossa atitude de entender João Goulart como o presidente, estadista, detentor da solidariedade das forças progressistas de sustentação do governo, era puramente ingênua. Até o dia 2 de abril de 1964, nós ainda alimentávamos a possibilidade de que haveria uma reversão e que João Goulart não seria deposto. E há fatos pitorescos, por exemplo: a partir da deflagração do movimento revolucionário, eu, como presidente da UEE, convoquei os estudantes a permanecerem em assembléia permanente, no restaurante universitário, na avenida Deodoro. Passávamos o dia todo em assembléia, com as lideranças em rodízio, e nós em sintonia permanente com as emissoras de rádio do sul do país".
        E ainda afirmou: "Na assembléia do dia 2 de abril, com muitos estudantes presentes, o restaurante superlotado. Naquela ocasião, eu fazia um discurso que conclamava os estudantes a permanecerem atentos, a permanecerem fiéis as forças progressistas e desejava que a classe estudantil participasse pacífica e ordeiramente. Mas que a democracia estava acima de tudo e que teríamos que lutar para que essa democracia fosse preservada no Brasil. Fazia esse discurso e, em dado momento, no pequeno palco que existia no auditório, eu presenciei na rua a presença de cinco caminhões do Exército. Os caminhões pararam e os militares desciam com baionetas caladas, todos armados. Vinham em direção ao restaurante universitário. O comandante da tropa mandava que a assembléia fosse suspensa imediatamente. Como presidente da UEE, saí de onde estava e me dirigi até o capitão e perguntei do que se tratava. Ele disse que estava ali com a missão de prender alguns e dissolver a manifestação. Eu disse que era presidente da UEE, líder de categoria que estava presidindo a reunião, e, portanto, me reponsabilizava por aquele acontecimento. Depois que manifestei dessa forma. Todos os estudantes começaram a cantar o Hino Nacional e subi numa mesa, próximo ao comandante da patrulha militar, e pedi que todos tivessem a compreensão daquele momento, que era chegada a hora da dissolução da assembléia universitária permanente e que cada um pudesse lutar, da forma que julgasse mais conveniente. Mas diante da repressão, do poder da força, nós não tínhamos outra alternativa senão de dissolver a reunião, pois não tínhamos outro instrumento de luta. Assumi toda a responsabilidade daquele acontecimento. Logo em seguida fui chamado ao Quartel General e novamente reafirmei a minha posição de responsabilidade plena e total pelas assembléias universitárias realizadas e pela participação do movimento universitário naquela ocasião.
        CASUALIDADE – Faustino continuou: "Mas há outro fato que nos livramos por mera casualidade: eu recebi um recado de que precisava manter um contato com o cabo Anselmo, que mais tarde se evidenciou como agente da CIA e delator. O informe nos dizia que o cabo Anselmo nos aguardava em frente ao Hospital da Clínicas, perto das balaustradas. Seria um encontro secreto, onde o movimento estudantil receberia uma mensagem importante.
        Ora, naquela época, não havia emissário para mensagem importante. O movimento já estava deflagrado em todo o Brasil. Entendemos que aquilo era uma armadilha para nos prender a todos. Nos reunimos e achamos por bem que não tínhamos porque comparecer àquele encontro, pois não tinha nenhuma margem de segurança. Não compareci, mas resolvemos, discretamente, na hora marcada, passarmos ao largo, próximo naquele local. E presenciamos soldados do Exército, por trás da balaustrada, esperando que nós chegássemos como rato vai na isca e é apanhado na ratoeira. Ficamos perplexos diante daquilo e decidimos, a partir daí, deixar Natal. Saímos eu, Geniberto Campos, Josemar Azevedo, José Ginane de Medeiros e mais outros companheiros. Fomos para uma fazenda no município de Lelmo Marinho, onde permanecemos três dias".
        No refúgio de Lelmo Marinho, o grupo comandado por Faustino ficou ouvindo as emissoras de rádio que transmitiam os discursos de solidariedade aos novos donos do poder da República, a missa na Catedral que terminou com uma concentração, onde houve falação de intelectuais e pessoas que contestavam a atuação das lideranças progressistas e de esquerda antes e depois do golpe militar.


O Movimento Estudantil do RN Antes e Durante a Ditadura Militar (XVI)


 DOM EUGÊNIO ERA UM CENTRALIZADOR DE DECISÕES




        O professor João Faustino Ferreira Neto foi preso no dia 11 de agosto de 1964, quatro meses após o golpe militar, quando estava acometido de forte gripe e em estado febril. Naquele dia, comemorava-se nas ruas de Natal o aniversário do governador do Estado. Aluízio Alves. Como coincidia com o Dia do Estudante, havia muita movimentação nas ruas do Centro.
        Como é do conhecimento público o Rio Grande do Norte foi o único Estado em que instalou-se dois inquéritos policiais militares para punir os inimigos da ditadura militar que se implantou no país. O IPM do Governo do Estado era realizado pelos policiais pernambucanos José Domingos da Silva e Carlos Moura de Morais Veras, que tomaram os depoimentos d João Faustino no quartel da Polícia Militar, no Tirol.
        No dia 11 de agosto de 64, após receber um "convite" para prestar um depoimento na PM, Faustino embarcou numa Kombi do Estado e seguiu para a unidade polical. Onde terminou recolhido durante 30 dias. Dos quais quinze em regime de incomunicabilidade. Solto por força de um hábeas-corpus concedido pelo Superior Tribunal Militar (STM), cujo relator foi Ernesto Geisel. O HC foi concedido à unanimidade por absoluta falta de provas. "O inquérito foi tão mau feito que me denunciava como presidente da União Nacional dos Estudante. Nunca fui presidente da UNE mas da UEE, naquela época, o presidente da UNE era o meu amigo José Serra com quem convivi intensamente", relembra Faustino. Outro PM da Faustino como noivo de Maria Laly Carneiro, uma das líderes da JUC em Natal. O noivo de Laly na época era Geniberto Campos.
        A FAVOR DA ESTATIZAÇÃO – conta João Faustino que outros episódios marcaram a sua vida "na época de revolução", destacando-se, entre outros o movimento pró-estatização da Companhia Força e Luz Nordeste do Brasil(C-FLNB), de propriedade de uma empresa canadense.
        "Realizamos muita movimentação de massa em Natal. A campanha pela estatização da "Força e Luz" marcou muito porque conseguimos levar para a frente do Palácio Potengi, chamado de Palácio da Esperança uma multidão de três a quatro mil pessoas. A praça Sete de Setembro ficou repleta. Debaixo de uma árvore, colocamos um púlpito de igreja para que os oradores falassem. Falaram vários oradores, inclusive eu, como presidente da União Estadual dos Estudantes. Nós queríamos que Aluízio Alves como governador tomasse a mesma providência que Leonel Brizola tomou no Rio Grande do Sul, estatizando a Companhia de Luz", disse João Faustino.
        Ele afirma que os estudantes daquela época se envolviam de corpo e alma no movimento daquela natureza se medir conseqüências. "Nessas circunstâncias. Eu me envolvi em todos esses movimentos. Fiz um discurso muito forte, defendendo a estatização e dizendo que Aluízio não fazia isso porque estava comprometido com o capitalismo internacional, com as forças reacionárias etc. e me lembro que foi por conta desse movimento que Geraldo Melo. Parece que solidário com o movimento dos estudantes renunciou ou pediu exoneração do cargo de Secretaria de Planejamento. De modo que esse episódio gerou uma pequena crise dentro do governo".
        Além de suas atividades como professor do Colégio Imaculada Conceição, Seminário São Pedro e na Escola Industrial. A partir de 1963, João Faustino ainda tinha tempo para participar de reuniões. Programas e atividades do movimento estudantil. "Era uma vida de militância mesmo. A gente passava vinte e quatro horas em função da entidade estudantil e suas atividades. A disponibilidade de tempo. A noite era participando de reuniões que entravam pela madrugada. Mobilizando a classe elaborando documentos, panfletos, materiais de convocação. Era um militância intensa de todos os meus companheiros juntos". Disse Faustino.
        SINDICATOS PRESIONAM - O ex-secretário de Educação do Município de Natal e do Estado do RN e ex-deputado federal João Faustino revela que um dos episódios mais marcantes de sua militância estudantil foi uma reunião realizada com todas as lideranças sindicais e estudantes de Natal para discutir a permanência ou não de Marcos Guerra na coordenação da Campanha de Alfabetização de Adultos, em Angicos, através do método de Paulo Freire, que estava sendo patrocinada pelo Governo do Estado e financiada com dólare da Aliança para o Progresso.
        Marcos Guerra tinha sido presidente da União Estadual de Estudantes. (Vivaldo Costa, estudante de medicina, foi presidente da UEE antes de Faustino). "A campanha estava entregue ao companheiro Marcos Guerra, mas era inspirada em Paulo Freire, uma pessoa ligada às idéias progressistas. A reunião contou com a presença de todas as lideranças operárias e sindicais. Algumas pessoas entendiam que o fato da campanha estar sendo financiada pela Aliança para o Progresso, mesmo que tivesse uma orientação pedagógica doutrinária e filosófica progressista, mesmo assim, Marcos não deveria participar do movimento porque estaria coonestando. Mas Marcos estava muito empolgado com aquele movimento, que poderia resultar em benefícios para milhares de pessoas que estariam alfabetizadas e preparadas para uma participação mais consciente da vida nacional, para o exercício mais efetivo da cidadania. Houve uma pressão contundente para que Marcos deixasse aquele empreendimento. Me lembro que Marcos estava muito emocionado, porque de um lado estava a solicitação, quase a exigência de amigos, de um grupo do qual ele participava e do outro lado, a convicção que ele tinha de que o programa estava sendo bem conduzido e que iria promover a população. A reunião terminou com Marcos com lágrimas nos olhos, mas dizendo que não abdicaria da função de coordenador da condução do programa de alfabetização de adultos, pois era um programa que ele acreditava", revela João Faustino.
        DOM EUGÊNIO, O BISPO CONSERVADOR - O ex-presidente da extinta União Estadual de Estudantes não aceita a versão de que dom Eugenio Sales, os padres e a cúpula da igreja em Natal tenham abandonado os católicos que foram presos ou perseguidos pelos militares, após o golpe militar de 1º de abril de 64. como ex-militante da Juventude Universitária Católica (JUC), João Faustino revela que o bispo Dom Eugênio de Araújo Sales, antes de 64, não simpatizava com a JUC por causa das suas posições progressistas principalmente a JUC do Rio Grande do Norte. As posições jucistas eram contrárias a Doutrina da Igreja Católica Apostólica Romana, na visão de dom Eugênio.
        "Mas tínhamos a solidariedade do então padre Antônio Soares Costa, atual bispo auxiliar, que era o assistente da JUC, que nos foi solidário e não nos deixou ao largo. Dom Eugênio achava a JUC muito avançada, progressista e integrada quase que totalmente em função dos problemas sociais". Mas isso não era uma contradição, pois enquanto incentivava a formação de sindicatos de trabalhadores ruarais, dom Eugênio era contra a JUC envolvida em problemas sociais? João Faustino responde negativamente. Para ele, dom Eugênio queria tudo sob o seu controle direto e total. "A posição dele é que tudo que foge ao seu controle como bispo passa a ser algo cladestinoj e distante dos princípios que ele defendia. E a JUC fugia ao controle de Dom Eugênio, fugiu por inteiro. Ele acreditava nos sindicatos rurais porque os sindicatos estavam sob o controle dele", assegura Faustino, que trabalhou na fundação de diversos sindicatos de trabalhadores do campo, em 1963.
        Na época o Serviço de Assistência Rural (SAR) desenvolvia o programa de sindicalismo rural, com apoio da Ação Católica. A igreja estava muito preocupada com o avanço das forças de esquerda na zona rural, principalmente das ligas camponesas, criadas pelo advogado pernambucano Francisco Julião e o padre Alípio de Freitas. A força do Partido Comunista era muito fraca no campo. A solução foi criar sindicatos diretamente ligados a Arquidiocese de Natal como barreira ao avanço das forças progressistas.
        João Faustino conta que visitou vários municípios criando sindicatos. "As vezes, quando visito a sede de um sindicato rural, pego a ata e vejo o meu nome entre os fundadores, o me deixa engrandecido e confortado por ter contribuído para o movimento sindical rural do nosso Estado".
        MÃE LUÍZA - Entre as atividades no setor social desenvolvidas pela JUC em Natal destaca-se um programa de promoção social desenvolvido no bairro de Mãe Luíza, na época chamado de favela de Mãe Luíza, um dos maiores bolsões de miséria da "capital espacial do Brasil". O programa de assistência comunitária, segundo Faustino, foi o pioneiro de tudo o que se fez no Brasil pós-64 em matéria de promoção social.
        O programa consistia na mobilização de doutorandos de Direito, Medicina, Odontologia, Filosofia, Farmácia e Serviço Social. "Os estudantes de Direito davam orientação para o casamento, obtenção de cidadania, através da expedição de documentos necessários. Os de medicina consultavam os enfermos. Orientavam as mães na amamentação, na nutrição, etc. os da farmácia, realizavam análises, enquanto os de Filosofia orientavam na parte educacional. Foi um programa de peso e de repercussão que firmou a JUC no campo social", disse João Faustino.

NOTAS



Notas 1 – Após a prisão do professor João Faustino, alunos da Escola Industrial de Natal tentaram realizar uma manifestação de protesto. Mas foi abordada pela direção.
2 – As lideranças que tentaram provocar a renúncia de Marcos Guerra na Coordenação do Programa de Alfabetização de Adultos, em Angicos. Terra Natal do governador Aluízio Alves,eram ligadas à Frente única.
3 – Faustino revela que dom Eugênio Sales tinha o controle do sindicalismo rural, do Movimento de Educação de Base (MEB), do Jornal A Ordem. As instituições sob controle de dom Eugênio recebiam total apoio. As que fugiam ao controle do bispo Sales não recebiam nenhum apoio. "Dom Eugênio era muito cioso daquele papel de concentrador de decisões", diz Faustino.
4 – A imprensa de Natal da época, principalmente a "Tribuna do Norte" de Aluízio Alves e o "Diário de Natal" não apoiava o movimento estudantil. A TN por ser do governador da época. O Diário de Natal por nunca ter apoiado movimentos sociais, apesar de ser dirigido por um ex-integrante da Juventude Comunista do Partido Comunista do Brasil (PCB), na década de 30.


O Movimento Estudantil do RN Antes e Durante a Ditadura Militar (XVII)

HERMANO: LEMBRANDO TEMPOS DE DIGNIDADE



        O médico Hermano Paiva de Oliveira, dirigente do Partido Comunista Brasileiro (PCB), foi um ativo militante das lutas estudantis de Natal no final dos anos cinqüenta e na década de 60. Natural de Macau-RN, Hermano começou sua militância política no movimento estudantil secundarista. Aluno colégio Estadual do Atheneu Norte-riograndense, ele participou de diversos movimentos reivindicatórios e testemunhou acontecimentos marcantes na vida política estudantil da capital da província do Rio Grande do Norte.
        Na entrevista que concedeu a este repórter, Hermano Paiva, relembra os bons tempos do movimento estudantil natalense, principalmente o que existia ou partia do velho e tradicional "Atheneu".
        -Eu sempre gostei de política e quando estudava no Atheneu, o ambiente era altamente favorável. Havia muita empolgação por política local e nacional, pois os estudantes tinham uma participação muito importante nas questões da política nacional. Vivíamos o governo do Presidente Juscelino Kubtschek, um governo que permitia as contestações e discussões. E a gente, no Atheneu, começou a fazer discussões e contestações, sem uma posição conseqüente, no nosso modo de ver hoje. Era uma posição de ser contra, ser oposição. Haja vista que o movimento de contestação era freqüente no meio dos estudantes. Fazíamos contestação até por causa de um cinema que não abria suas portas no Dia do Estudante, contra um diretor de escola que se tornasse notoriamente autoritário. Havia uma garra de insubordinação e rebeldia muito grande, disse Hermano Paiva, ex-deputado estadual do PCB potiguar.
        Enquanto os estudantes do Colégio Atheneu eram os mais rebeldes e atuantes na comunidade da pequena e provinciana Natal dos anos 50 e 60, os alunos do Colégio Sete de Setembro, na rua Seridó, que era particular, eram conhecidos como "bem comportados e não participavam do movimento estudantil.
        Conta Hermano que ingressou no Atheneu, no 2 ano do curso ginasial, e lá encontrou diversas lideranças despontando no movimento estudantil (nessa época, o famigerado Manuel Filgueira Filho, vulgo pecado, já fazia a sua "política" anarquista, de terra arrasada e de quanto pior, melhor).
        
        "Pecado" não era uma grande liderança. Era muito usado por determinadas lideranças de época, levado para fazer coisas do tipo: "hay gobierno? Soy contra!". Enquanto isso, os grupos usufruíam e/ou dirigiam diretórios estudantis. Entre os que articulavam os estudantes posso adiantar os nomes de Etevaldo de Aquino, Benivaldo Azevedo, João Faustino, Gileno Guanabara, Francisco Sales, Adilson de Castro Miranda (que se tornou professor da Escola Industrial de Natal) e outros. Esses eram lideranças. Pecado era uma liderança, sem dúvida, mas era da anarquia, da contestação pela contestação. Esses outros, não; eles se articulavam. Naquela época, sempre apareciam dois candidatos para disputar as associações dos estudantes. Eu e mais outros sempre estávamos unidos e alguns deles eram do partido comunista. Sempre estive ao lado daqueles que faziam parte do Partido Comunista quando iniciei no movimento estudantil. Mas eu não queria ser comunista. O relacionamento entre nós era aberto. O PC era ilegal, mas os seus militantes e dirigentes assumiam a questão, havia muita liberdade para essas questões; até algumas pessoas de se sentir comunistas, outros gostavam de se dizer comunistas. Era um negócio franqueado; não havia essa coisa de movimento clandestino, não. O movimento de clandestinos surgiu no governo de João Goulart, não por parte do PC, mas por segmentos que já discordavam da linha política do PC e se organizavam em grupos que pretendiam formas de lutas mais avançadas. Essas lideranças estaduais todas eram progressistas, mesmo aquelas que conciliavam e se entendiam com o governo, a direção".
        Para o ex-deputado e militante estudantil, em Natal, não existia ninguém de extrema direita entre os estudantes, assim como uma "grande liderança de direita, mas havia pessoas que eram acusadas de direitistas, sem o ser. Eram acusados de direita para hostilizá-los, estigmatizá-las, isolá-las de algumas pessoas. Mas não eram e as propostas que defendiam eram propostas progressistas. Movimento de direita organizado vim ver após o golpe de 1964. Quando estávamos no Atheneu, não. Lá, eu votei sempre em candidatos mais progressistas. Às vezes, equivocávamos com aquele grupo que apoiava um candidato com interesse de fazer o adversário ideológico sem ser o adversário político. Isso fazia a gente perder posição. E isso não dá certo. Em política tudo o que se pensa e idealiza, sai certo na prática. A atuação da gente foi essa. Na nossa visão daquela época o movimento estudantil foi idealista", disse Hermano Paiva.
        Indagando se existiu algum ditador na direção do Atheneu, Hermano Paiva lembra que o professor Celestino Pimentel era um duro, mas esteve muito longe de ser considerado um repressor, um ditador. Lembrou o nome da antiga diretora Olindina Gomes que, talqualmente Celestino Pimentel, foram duas pessoas que tomavam decisões que contrariavam a massa estudantil do Atheneu, na época, o maior estabelecimento de ensino de Primeiro e Segundo graus de Natal.
        "A professora Olindina era o tipo de mulher que dizia sim ou não. Então, isso causou muitos movimentos contra ela, mas acho que ela conseguia as maiorias. Naquela época as autoridades, os prefeitos, os diretores de escolas procuravam acertar, procuravam dignidade. Muito diferente de hoje! ...às vezes, a pessoa está aí querendo se diretora de um colegiozinho através de todo tipo de politicagem, assegura Hermano Paiva.
        Nota: Na segunda reportagem desta série sobre o movimento estudantil, o entrevistado Israel Vieira disse que, entre outras lideranças estudantis de Natal, nos anos sessenta, atuava na coordenação da Juventude Estudantil Católica (JEC) o padre Otto Euphrásio Santana, o atual Secretário de Educação e Cultura do Estado. A informação está errada, segundo informa o ex-padre José Luiz da Silva. Otto Santana atuou na coordenação da JEC durante um curto período entre 1966/68. ordenou-se padre em meados de 1980, em solenidade realizada num campo de futebol.
        Otto Santana, hoje, é ex-padre da Igreja Católica e irmão do cardeal Dom Eugênio Sales. Portanto, fica feito o reparo da grave falha.




O Movimento Estudantil do RN Antes e Durante a Ditadura Militar (XVIII)

HERMANO: "Anos 60 foram de liberdade"




        O ex-deputado Hermano Paiva, relembrando os tempos de militância estudantil em Natal, nos anos 60, sem externar muita nostalgia, vê muita diferença no comportamento das pessoas hoje. Quando indagado se os políticos tradicionais já procuravam cooptar as lideranças estudantis, Hermano responde que "isso sempre aconteceu", mas naqueles tempos a cooptação não era fácil porque as pessoas tinham dignidade.
        "Hoje, você oferece qualquer coisa, o cara adere, não é? Encontra mil e uma desculpas para aderir, mas, depois para se locupletar, meu amigo, ai... naquele tempo, as pessoas se preservavam, inclusive os partidos. Mesmo que os partidos brasileiros não tenham tido essa organização partidária que se vê em países adiantados, na Europa, mas existiam pessoas que amavam seus grupos, seus segmentos organizativos. A mesma coisa a nível de administração pública: as pessoas assumiam a condição de diretor", disse Hermano Paiva, principal dirigente do PCB no RN.
        Ele revela que no Atheneu Norte-rio-grandense presenciou mudanças significativas, mas não considerou a saída do professor Celestino Pimentel, diretor do colégio, como uma "saída traumática". Uma mudança importante que Hermano presenciou foi a dos professores, na década de 60. "Entrei no Atheneu com professores cursados, diplomados, por isso, havia gente que tinha orgulho de ser professor. No final, encontrei acadêmicos de várias faculdades dando aulas no Atheneu. Peguei acadêmicos de medicina dando aulas de biologia e alguns ensinando português. Peguei a segunda fase do Atheneu: a fase de extinção de "cátedra gradual", que foi a mudança para absorver esses professores sem cursos especializados. Mais tarde, o Estado passou a propor cursos para que os acadêmicos se tornassem professores mesmo. Alguns deixaram de lado suas profissões e se dedicaram ao magistério", acrescentou Hermano Paiva.
        O PÚBLICO FEMININO - No período em que estudou no Atheneu, Hermano não encontrou nenhuma liderança estudantil feminina Registra que a professora Olindina (1) diretora do estabelecimento, fez história entre os professores e estudantes porque tinha uma forte liderança, "uma aceitação muito grande no meio das moças, apesar delas se sentirem trancadas dentro do Atheneu". Olindina era mais benquista no turno Vespertino e, por isso, tornou-se uma diretora com grande respaldo, conta Hermano Paiva.
        Hermano aponta como principal causa da eleição de Adilson de Castro Miranda (2), em 1961, para presidente do "Diretório Estudantil Celestino Pimentel", o apoio oferecido pelas alunas ao candidato da Juventude Estudantil Católica (JEC). Em outro pleito, Benivaldo Azevedo ganhou do Etevaldo Aquino basicamente, também com o eleitorado feminino. Etevaldo representava a mudança, mas Benivaldo era apoiado pelas forças progressistas. "no entanto, eu e alguns amigos preferimos votar em Etevaldo pela contestação, pelo "soy contra". Então, Adilson ganhou uma eleição no Atheneu por causa das lideranças estudantis femininas. Deveria ter naquela época. Naquela organicidade não deveria ser só menina mandando nas meninas".
        Os últimos anos vividos por Hermano Paiva no Colégio Estadual do Atheneu Norte-rio-grandense foram os anos do governo democrático de João Goulart. Aquele período é considerado por Hermano Paiva como um dos mais fecundos momentos de discussões do país. "Mais do que agora, de certa forma. Porque era uma participação massiva. Hoje nós vemos a participação nas cúpulas. Atualmente, as lideranças sindicais, políticas e comunitárias discutem a questão de quais e tais mudanças, progressistas ou não. Mas naquela época, havia uma discussão generalizada. Hoje, você ouve o povo dizer que está mal pago, que esse fulano não presta, etc. mas cadê a proposta? Naquele tempo o povo era revoltado cada um tinha sua proposta. Se era uma proposta real, condizente com o momento, é outra coisa. Mas que tinha, tinha. João Goulart foi um governo que comandou a discussão sobre a reforma agrária, da reformas de base. Todo mundo discutia em casa, na repartição pública, nos sindicatos no meio da rua. Entre os estudantes, cada um que tivesse a sua proposta de reforma universitária. Foi um período muito rico", assegurou Hermano.
        Para ele, o movimento estudantil secundarista em Natal era muito rudimentar, um apêndice das lideranças das lideranças universitárias, com forte influência da União Nacional dos Estudantes )UNE).
        E o PC, Hermano, já atuava no movimento estudantil daquela época? "O partidos Ideológicos já atuavam. O PC do B não existia por aqui. O PCB atuava, mas existiam outros grupos. Existia o grupo que circulava em torno do partido mas que não queria ser partido. Esse grupo era liderado por Djalma Maranhão. Existiam o PSD e UDN, mas era muito difícil ao estudante assumir uma liderança estudantil sendo do PSD. Eles eram usados pelo PSD, partido que utilizava os estudantes como oradores nas suas grandes manifestações. O PTB, com mais identidade, fazia o mesmo. A UDN também. Geraldo Melo, por exemplo, começou na UDN no passado remoto. Então, esses estudantes não assumiam bem essa conduta na época que participei; os estudantes, os grupos e os partidos de esquerda, sim assumiam integralmente seu papel. Os grupos e tendências ligados á igreja assumiam suas posições e a qualificação deles, num movimento que não deixava de ser uma espécie de partido (3). Mas os estudantes chamados de UDN ou PSD, ou seja lá o que for, poderiam disputar um cargo de vereador. No movimento estudantil, a coisa não era colocada, porque eles seriam "queimados", isolados. Esses partidos eram flagrantemente atrasados e todo mundo sabia disso. Naquele tempo, esses partidos defendiam suas posições abertamente, como o Centrão hoje. O cara hoje diz que "sou do centrão", ele se declara um conservador, de direita, um retrógrado ou uma qualquer dessas qualificações. Naquele tempo, um desses partidos era isso. O PTB era menos, pois passava por aquela ilusão de fazer a revolução em paz. O PTB era um partido populista, um agrupamento populista no sentido até de manter as coisas como estavam. Mas como havia muita liberdade, o PTB começou a fazer aquilo que o MDB fez; o MDB criado pelo regime militar para se tomar uma força de oposição. O PTB também começava a se transformar numa grande frente. Se não tivesse havido o golpe de 1964, o PTB seria, sem dúvida, uma organização de grande participação popular. Quanto a sua filosofia incial, o PTB era um partido para acomodados, para conservar, para manter e não um partido de transformação", disse o ex-deputado Hermano Paiva, em entrevista concedida a 9 de Maio passado, em sua residência.



NOTAS



  1. Trata-se da professora Olindina Lima Gomes da Costa.
  2. Adilson de Castro Miranda foi presidente do Diretório Estudantil "Celestino Pimentel" duas vezes. Em 1961, foi eleito com 201 votos de maioria de um contingente de 2.913 alunos do Atheneu. A 24 de abril de 1962 foi eleito com 741 votos de maioria, elegendo todos os integrantes da sua chapa. Seu vice-presidente foi Wilson Luís de Paula, que também foi seu companheiro de chapa quando elegeu-se presidente do Centro Lítero e Recreativo "Nilo Peçanha", na antiga Escola Industrial de Natal, em 1956(Fonte: "Só morrem as causas pelas quais não se morre", Segunda edição, Natal, dezembro de 1981).
  3. Ligadas á Igreja Católica, na década de sessenta, atuavam no meio estudantil a Juventude Estudantil Católica )JEC) e Juventude Universitária Católica (JUC). Da JUC nasceu o grupo dissidente, bastante forte, Ação Popular (AP), mais tarde denominado Ação Popular Marxista-Leninista.