domingo, 17 de novembro de 2013

O mensalão acabou.

"Do ponto de vista político, o mensalão acabou", diz o filósofo Marcos Nobre

16/11/2013 - 03h55

RICARDO MENDONÇA
DE SÃO PAULO

Para o filósofo e cientista político Marcos Nobre, pesquisador do Cebrap e ex-colunista da Folha, o escândalo do mensalão não existe mais como fato político. Acabou só agora, diz, porque ainda havia a equivocada ideia de que a análise dos embargos representaria um novo julgamento.
Nobre diz que a condenação de figuras políticas de destaque é um evento "excepcional" no Brasil e entende que as penas foram mais duras que o convencional. Mas ele não classifica isso como algo ilegítimo. "O que vai tornar ilegítimo é se, em casos semelhantes, no futuro, aplicarem penas diferentes", analisa.
O pesquisador também avaliou o papel de alguns dos ministros no processo. Joaquim Barbosa, diz, representou uma novidade "ambígua". Importante porque "deu vazão a um sentimento social de rejeição à política", mas não ofereceu nada como alternativa.
Para Nobre, Ricardo Lewandowski não representou contraponto ao relator, mas sim Luiz Roberto Barroso, o ministro que, na fase final, se mostrou capaz de "enfrentar midiaticamente a brutalidade de Barbosa". Rosa Weber "deu votos incríveis", mas Celso de Mello, por outro lado, demonstrou "um desequilíbrio flagrante".
Danilo Verpa/Folhapress
Marcos Nobre, cientista político e filósofo
Marcos Nobre, cientista político e filósofo
Folha - Oito anos após a denúncia original, as prisões começam a sair. O que dá para dizer desse caso agora?
Marcos Nobre - O que eu diria é que o mensalão terminou como fato político. Ainda não acabou do ponto de vista jurídico. Mas do ponto de vista político, acabou.
Do ponto de vista político já não estava encerrado antes?
Não. Porque a impressão era de que o exame dos embargos declaratórios e infringentes havia reaberto o julgamento. Na repercussão, na grande mídia, começaram a usar a expressão "novo julgamento". O que, juridicamente, era um equívoco. Mas foi dando a impressão de que agora iria começar tudo de novo. Então agora parece que todo mundo já entendeu que são recursos, que são embargos, e que, de fato, acabou de ponto de vista político. Não sei se você sentiu isso. Eu senti. Estava todo mundo preparado como se fosse começar um novo julgamento.
Se fosse descrever de forma sintética para um estrangeiro, como definiria esse caso?
A primeira coisa que eu diria é: aconteceu uma coisa excepcional, que foi o julgamento de políticos no Brasil com condenação. Para um estrangeiro isso pode parecer assustador. Vão dizer "mas isso não aconteceu no passado?". É difícil comparar com o passado, porque o passado, no caso do Brasil, é muito pouco democrático. A gente teve 19 anos de democracia, entre 1945 e 1964, mas mesmo assim uma democracia mais ou menos, pois analfabeto não votava, tinha partido na ilegalidade, e não teve uma transição de mandato entre um presidente e outro que fosse tranquila. Então é a primeira vez, dentro de uma democracia, que você tem julgamento e condenação de figuras políticas importantes. Isso dá um caráter excepcional para esse julgamento.
E o que achou das penas?
Bom, o novo, como eu disse, é o julgamento e a condenação de figuras políticas importantes. Isso explica também a dureza das penas. É muito? É pouco? Eu diria o seguinte: se fosse um julgamento criminal comum, as penas não teriam sido tão altas. Foi alta porque é inédito.
O Roberto Jefferson lamentou a própria prisão, mas falou que a política pode ser melhor após o julgamento. Há alguma evidência disso?
Não. Nenhuma chance de melhorar a política por causa disso. Porque não é assim que se melhora a política, né?
Alguns falam em exemplo de cima, fim da certeza da impunidade.
Olha, você sabe que eu passei cinco anos estudando direito, né? Depois que entreguei meu doutorado... Eu não acredito nessas teorias do direito penal que acham que a pena tem uma função dissuasória. Não acho que essa seja a função da pena. Mas aí é uma discussão teórica. O que estou querendo dizer é: se fosse comparar com um crime de formação de quadrilha comum, um crime de corrupção comum, e não de figuras públicas destacadas, as penas não seriam tão altas.
Então foi injusto, é isso?
Não, não. A questão não é justiça ou injustiça. Justiça ou injustiça, do meu ponto de vista, é um ponto de vista moral e político, não jurídico. Do ponto de vista jurídico, a gente pode dizer se uma questão é legítima ou ilegítima. Vamos lá: Uma determinada decisão judicial é legal ou ilegal; legítima ou ilegítima. Então uma decisão pode ser legal, porém ilegítima. Uma decisão ilegal acontece, por exemplo, durante uma ditadura. Você pode decidir ao arrepio da lei comum, como aconteceu na Alemanha nazista. Eles mantiveram a Constituição de Weimar e decidiam materialmente contra. A questão [do mensalão] é a da legitimidade. Essa se dá no âmbito de uma discussão pública e política mais ampla. Não é uma pessoa que declara uma decisão legítima ou ilegítima. Eu posso achar, mas é só uma opinião. Agora, pode haver uma reação pública de tal ordem que faça com que uma decisão legal fique ilegítima. Tem um bordão na política brasileira que é "decisão judicial não se discute, se cumpre". Isso é o maior absurdo que eu já ouvi. É o contrário. Não existe nenhuma contradição entre cumprir uma decisão judicial e discuti-la. Então você tem uma discussão de uma determinada sentença que pode vir a aparecer para a sociedade como ilegítima dependendo do debate em torno dela e das forças políticas. Hoje, no jogo político atual, com a correlação de forças atual, ela [a sentença do mensalão] está parecendo como uma sentença legítima. Mas poderia não ser. Dependendo da movimentação do debate público e da sociedade.
Se é assim, o tempo pode eventualmente deslegitimar essas sentenças?
Pode. Esse é o ponto importante. Quando eu digo que as penas são superiores do que devia se esperar, que é inédito, então daqui para frente pode ser que as penas aplicadas [em novos casos] não sejam tão graves. Ou, ao contrário, pode ser que seja esse o padrão para o futuro. Então, dependendo de como esse padrão vai ser interpretado daqui para frente, você também tem a questão da legitimidade ou ilegitimidade dessa decisão. Se tiver condenações posteriores [mais brandas], vão dizer "olha, isso prova que a sentença do mensalão foi dura demais". E quando dizem "foi dura demais", estarão querendo dizer "ela não foi totalmente legítima". Então a questão da legalidade ou ilegalidade você pode resolver. Já a legitimidade vem da luta política que vem depois. É por isso que é importante fazer as duas coisas: cumprir a decisão e discutir. Eu tenho a impressão de que as penas foram duras demais quando comparadas ao julgamento habitual desses crimes com outras figuras. Mas não necessariamente torna isso ilegítimo. O que vai tornar ilegítimo é se, em casos semelhantes, no futuro, aplicarem penas diferentes.
E qual é o seu palpite?
A dureza das penas foi inédita. Isso vai criar jurisprudência e a partir de agora todos os políticos serão julgados a partir dessa métrica? Eu acho que, por um bom tempo, sim. Acho que vai durar. É a questão da legitimação do poder Judiciário. Já que estabeleceu a barra nesta altura, nesta altura ela ficará por um bom tempo. Até que seja alguma coisa comum e normal condenar políticos. Todas as penas foram calculadas no caso mensalão para dar prisão para determinados indivíduos. Elas foram calculadas dessa maneira. Se foram calculadas assim, é porque você estava pensando na dureza da pena, não no sistema Judiciário. Nesse caso, falou-se assim: "não vou pensar no Judiciário como um todo, vou penar apenas neste caso". Então acho que vai manter-se por um bom tempo. Mensalão mineiro? A dureza vai ser igual.
Mas voltando à fala do Jefferson. Na sua opinião, não vai melhorar a política. O que a melhoraria?
Acredito que é importante que isso tudo tenha acontecido para o poder Judiciário. E para legitimidade e legitimação do poder Judiciário. Bom, o Judiciário faz parte do sistema político. É importante que ele seja entendido como parte do sistema político, embora tenha linguagem e códigos específicos. Então, nesse sentido, você tem de fato um Judiciário que cumpre o seu papel. Sem querer discutir o mérito da sentença.
E que lição fica para o Supremo?
A outra coisa é o seguinte: é um absurdo o STF (Supremo Tribunal Federal) ser, ao mesmo tempo, a última instância do Judiciário e uma corte constitucional. Não é possível. Esse julgamento demonstra, de maneira cabal, que a Constituição deveria ser cumprida e que deveria ser criada uma corte constitucional separada, só constitucional. O Supremo não pode ter essa dupla função. É impossível a corte conseguir dar conta disso tudo.
O Supremo fez alguns movimentos para reduzir os processos.
Fez. A história da repercussão geral. A súmula vinculante, que não vincula ninguém. Mas nenhum resultado estrondoso. Não resolveu. Mas, voltando, o julgamento foi muito importante para incluir o Supremo no sistema político. Ficou claro que, embora tenha um código específico, é um membro integrante do sistema político.
Explique isso.
Se você for olhar do ponto de vista da transição brasileira, o primeiro órgão que apareceu como membro do sistema político, por excelência, foi o Poder Legislativo, que foi por onde entraram as primeiras forças de oposição etc. O Executivo veio depois. Faltava o Judiciário. Neste momento então completa-se essa ampliação do sistema político. O Judiciário passa a visto como um órgão do sistema político onde a sociedade tem de tentar influir também. Claro, tentar influir usando o código que é próprio do direito. Mas não dizer "o Judiciário julga e pronto", como se fosse simplesmente uma máquina em que você põe lá as moedas e a saem as sentenças por baixo. Então isso foi importante. Ao mesmo tempo, mostrou que a cultura jurídica pública no país é baixíssima. Por que isso seria importante? Porque em toda democracia que se aprofunda, aprofunda-se também uma certa cultura jurídica pública.
Como dá para perceber isso?
Um exemplo: basta você olhar a importância que tem as séries de TV sobre o Judiciário em países democráticos. De uma certa maneira, você aprende até com a TV como funciona o Judiciário, aprende que aquilo tem uma certa lógica, uma lógica democrática, que tem problemas também. No Brasil não tem séries sobre o Judiciário, certo? O que você viu [no caso do mensalão]? Viu uma cobertura da grande mídia importantíssima, mas também uma dificuldade enorme das pessoas de entender aquela linguagem totalmente obtusa. Ok, entraram alguns elementos que não entravam antes, embargo isso, embargo aquilo, as pessoas aprenderam algum vocabulário. Isso mostra que o Judiciário finalmente entrou no sistema político, mas continua encastelado na sua linguagem, no seu jargão. E valendo-se disso para legitimar sua autoridade. Todas as tentativas de comentários, análises e divulgação foram importantes. Mas mostrou também que a academia brasileira no direito não está conseguindo traduzir os conceitos para a esfera pública de maneira adequada. E aprofundar a democracia é aprofundar a cultura jurídica geral.
Não temos essas séries, mas uma parte do Judiciário aparece na TV, sim, com Datena, Marcelo Rezende. A delegacia e o "prendo e arrebento" aparecem.
É tudo penal. Essa é a medida do baixo teor democrático da democracia brasileira. Porque o único ramo do direito que é realmente universal é o penal. Esse sim atinge todo mundo. Agora, direito social, direito civil, direitos trabalhistas, esses não atingem todo mundo. Isso é importante notar: você teve [no julgamento do mensalão] televisionamento direto, ao vivo, e uma incompreensão radical do outro lado sobre o que estavam falando. O televisionamento direto dá a impressão de uma função democratizante, mas o que faz mesmo é mostrar o abismo entre o bacharelismo do Judiciário e a baixa cultura jurídica do país. E não é tornando os cidadãos bacharéis que nós vamos melhorar isso. Os bacharéis é que precisam falar língua de gente. Por que você consegue isso nos EUA, na França, na Alemanha? Por que lá as pessoas entendem mais [do assunto] e as séries têm excelente audiência?
Por que o escândalo do mensalão nunca gerou o impacto eleitoral desejado pelos opositores do PT?
A resposta é o pemedebismo (¹). Do ponto de vista da sociedade, todo mundo faz, o sistema político inteiro faz. Então a questão é a seguinte: Dado que todo mundo faz, por que eu iria punir exatamente o Lula? Punir aqueles que se apresentavam como representantes por excelência da ética na política passa a ser algo que é suficiente. Então não é necessário mais. Por que punir aquele que não se tem provas objetivas suficientes de que tenha sido o responsável? E de fato ali [naquela época] já estava começando a aparecer políticas sociais importantes para uma enorme parte da população. Já em 2004 tem um crescimento [da economia]. Então, veja, o sistema político é visto como uma pasta homogênea em que todo mundo vale a mesma coisa. Se é assim, por que eu vou punir o sujeito que está diminuindo a desigualdade? Fora o seguinte: você sabe que o PT tem uma base de 30% nesse país que não desce e não sobe. Apoio mesmo. Tem um núcleo duro, um núcleo que segurou o Lula mesmo. São essas as razões. As pessoas não são cínicas, não são hipócritas. Elas pensam: "eu vou punir um cara que está fazendo uma política correta porque eu acho que ele é corrupto igual aos outros?" Claro que se um desses diretamente acusados fosse candidato a presidente, a governador, aí sim seria punido. Mas não é o caso. Eles [os acusados] se retiraram. Alguns ainda foram eleitos deputados, mas para cargo majoritário jamais seriam.
Na defesa política dos acusados, consolidou-se o discurso de que tudo isso é culpa do sistema eleitoral e do modelo de financiamento de campanha, cada ano pior. Isso sensibiliza o senhor?
Não é que os temas não sejam importantes. Mas, que fique claro, que isso [que foi proposto] não é uma reforma política, é uma reforma eleitoral. E restrita. Uma reforma política teria que ter uma reforma profunda do Judiciário, que não enfrentou ainda o problema da corrupção no seu interior, teria que discutir cargo comissionado, esses 22 mil cargos. O que é isso? Não se sabe nem ao certo quantos são. Outra coisa: por que precisa ter uma centralização orçamentária, um poder do governo federal, dessa maneira? São exemplos. Isso tudo seria uma reforma radical da cultura política. Dito isso, é importante discutir reforma eleitoral? É importante. Vai acontecer? Não vai. Não vai acontecer nada relevante. Só tem sentido uma reforma eleitoral no bojo de uma reforma política, no contexto de uma reforma mais ampla.
Mas existe sentido nas propostas de reforma eleitoral? Voto distrital ou em lista, financiamento público?
Existe sentido. O grande sentido é: você vai ou não vai restringir o número de partidos? No fundo, é isso que está em discussão. O pemedebismo tem funcionado assim: há uma ampliação cada vez maior de partidos. Quando abre demais, fecha. Quando fecha demais, abre. Então tem uma lógica de fragmentação e fragmentária. Existe lógica [na reforma eleitoral]. Mas só isso não vai resolver os problemas reais. Seria uma forma muito limitada de resolver.
Voltando ao mensalão, o que achou do comportamento do ministro Joaquim Barbosa, o protagonista do julgamento? Como personagem, ele é uma novidade?
Joaquim Barbosa... Difícil formular sobre esse cara... Ele foi um canal de expressão de uma rejeição difusa do sistema político tal qual ele funciona. Então ele é uma novidade, sim. Um sentimento difuso de rejeição, que não tem conteúdo, não tem conteúdo nenhum, é pouco politizado. No sentido ruim da expressão mesmo. Ao mesmo tempo, ele expressa uma raiva social muito interessante. Uma raiva social contra o sistema político, contra a discriminação histórica da sociedade brasileira. Fico tentando entender como ele virou esse fenômeno de massa... Ao mesmo tempo, essa rejeição difusa da política enquanto tal, porque no fundo é isso, uma rejeição da política, ela se expressa de maneira brutal e grosseira. É mesmo muito interessante. Porque isso introduz um elemento no Judiciário que é novo, pois o Judiciário gosta de se entender, de uma maneira bem machista, num clube de cavalheiros. Coisa que está longe de ser. E não deve ser mesmo numa democracia. Ele rompe com isso. Então o Joaquim Barbosa consegue expressar um sentimento social difuso pela sua brutalidade. E uma brutalidade calculada. Ele sabe exatamente o que está fazendo a cada momento.
Diria que é um avanço?
Do ponto de vista do avanço democrático, isso é ambíguo. De um lado é importantíssimo dar vazão a um sentimento social de rejeição à política tal qual ela é feita. De outro lado, essa expressão bárbara, bruta, não ajuda a construir uma linguagem alternativa ao bacharelismo. Então você tem ou o bacharelismo ou a brutalidade. Em algum lugar entre essas duas coisas a gente tem de encontrar uma cultura jurídica que possa ser partilhada por mais pessoas, a compreensão de que o direito faz parte da democracia, a ideia de que o STF não é o "big brother", certo? O Joaquim Barbosa introduziu o "big brother" no Supremo Tribunal. O lado bom é que [Barbosa] desorganiza a coisa tradicional, rançosa. O lado regressivo é que não constrói uma coisa nova. E foi uma figura que não enfrentou um contraponto. O [ministro Ricardo] Lewandowski é um juiz de carreira. E, note, era um [ex-]promotor [Barbosa] contra um juiz de carreira. O promotor tem um cálculo muito grande do efeito midiático, retórico de sua ação. Então não tinha o contraponto. Ficou o bacharelismo do Lewandowski e a brutalidade do Barbosa, sem nada no meio.
Quem poderia ser esse contraponto ao ministro Barbosa?
Quem de fato fez o contraponto ao Joaquim Barbosa foi o [Luiz Roberto] Barroso, que entrou depois. O Barroso é claramente contraponto ao Joaquim Barbosa porque, primeiro, é advogado. Segundo: de fato, ele tem uma noção de como articular o pensamento e enfrentar midiaticamente a brutalidade do Barbosa, coisa que o Lewandowski não tinha. E ele consegue falar a língua de gente, não é a língua dos seus pares apenas. Ele é uma enorme novidade.
Quem mais te impressionou positivamente?
A Rosa Weber. Acho que ela deu votos incríveis. Pode representar aquilo que possa ser uma nova cultura jurídica, que possa falar para os outros tirando as tecnicalidades. Uma juíza muito impressionante. Mas ela tem de dar o passo da comunicação.
E quem foi o oposto, a decepção?
Teve o desequilíbrio do decano. Celso de Mello foi um dos votos mais lamentáveis que já se deu. Por quê? Celso de Mello, julgando crimes de corrupção, julgando crimes de lavagem de dinheiro, julgando crimes de formação de quadrilha, fundamentou sua decisão com a expressão "atentado à democracia". Isso é de um desequilíbrio flagrante. É algo que considero inadmissível para um ministro do Supremo. Não só ele usou isso. Mas ele foi o grande exemplo de uso do "atentado à democracia". Ora, se existe um atentado à democracia, existe um atentado à Constituição. Então ele estava chamando as pessoas que estavam sendo julgadas de terroristas. Isso é muito grave. Quer fundamentar a sua sentença e se quer dizer algo realmente inovador? Diga qual é o sentido social da pena. Agora, confundir crime de corrupção, lavagem de dinheiro e formação de quadrilha com atentado à democracia é algo inaceitável. O que me espanta é que o decano tenha dado o voto mais inaceitável de todos. Achei lamentável. Quem está sendo julgado são indivíduos. Não é o sistema político que está sendo julgado, não são partidos e não é o crime de terrorismo que está sendo julgado. Atentado à democracia? Como a gente interpreta isso? É contra a Constituição: terrorismo. Então as pessoas cometeram mais crimes do que aqueles que elas estavam sendo julgadas? Absurdo flagrante.
E os ministros que são muito identificados com os presidentes que os indicaram, especialmente Gilmar Mendes, indicado por Fernando Henrique, e Dias Tóffoli, por Lula?
Ah, sobre eles eu gostaria agora que todas aquelas pessoas que disseram que o sistema de indicação de ministros para o STF era um sistema que favorecia quem estava no poder, que venham a público agora para dizer que erraram. Todas essas pessoas desapareceram. [O julgamento] mostrou que não existe uma relação direta entre a indicação e o voto. Bom, nesses dois casos, Gilmar e Tóffoli, existe. Essa é a identificação do ponto de vista da opinião pública. Então, de qualquer maneira, são 2 de 11. E o ministro Gilmar que, notoriamente, tem bate-boca público com o Joaquim Barbosa, o acompanhou em todos os votos. Então, na hora do jogo não é bem assim. Mas não só. O Gilmar Mendes foi "low profile" porque o Joaquim Barbosa tomou todo o espaço. Quem conseguiu ficar num espaço entre o Joaquim Barbosa e o Lewandowski foi o Marco Aurélio [Mello], que ficou jogando entre os dois. Tanto é que, quando Barroso se pronuncia, quem vai contra ele é justamente o Marco Aurélio, como se estivesse falando "olha, esse lugar aqui é meu". Já o Dias Tóffoli, veja o último voto dele. Indicado pelo Lula, tudo isso, agora dá um voto contra [os acusados]. Então prova que não tem relação.

(1) A expressão "pemedebismo" foi desenvolvida pelo próprio Marcos Nobre para descrever um certo comportamento político conservador que, na sua interpretação, tornou-se dominante a partir dos anos 80 e, a partir do PMDB, teria alastrado-se para quase todos os partidos. Diz respeito ao adesismo a qualquer governo, à falta de enfrentamentos diretos, a forma dissimulada de sabotar iniciativas de transformação social, entre outras coisas.

domingo, 10 de novembro de 2013

Padre Barbosa: um esquecido.

O falecido Padre Manoel Barbosa de Vasconcelos filho, um dos líderes da greve da Polícia Militar do RN, em 1963, é um dos sacerdotes da Igreja Católica que foi esquecido pela cúpula da Arquidiocese de Natal.
Aguardem.

terça-feira, 5 de novembro de 2013

aMÉRICA LATINA

Documentos achados em porão expõem segredos da ditadura militar argentina

Arquivos podem ser de extrema importância nos processos judiciais sobre violação de direitos humanos durante a ditadura, mas governo Kirchner também tem outro alvo em mente: os dois maiores jornais do país.
Ao final do seu regime de terror, os militares argentinos haviam perdido até mesmo sua implacável precisão. Em 1983, o general Reynaldo Bignone ordenara a destruição de todos os documentos que pudessem comprometer o regime. Estava-se às vésperas do retorno à democracia, e a junta militar tinha motivos de sobra para temer consequências jurídicas.
Mas, ao que tudo indica, alguns desses arquivos escaparam à destruição. Três décadas depois, milhares de documentos do período entre 1976 e 1983 foram encontrados no porão do Edifício Cóndor, o quartel-general da Força Aérea Argentina, em Buenos Aires.
Atas e listas negras
Ordem de destruição dada por Bignone parece não ter sido cumprida à risca
O material estava armazenado em dois cofres, dois armários e diversas prateleiras. Nos cadernos, pastas e arquivos estão atas de reuniões regulares da junta militar; a opinião dos generais sobre vários eventos políticos ou planos do regime; instruções de como lidar com críticas da comunidade internacional, especialmente em relação ao desaparecimento de opositores; e "listas negras", nas quais artistas e intelectuais eram classificados em níveis de "periculosidade" – entre eles o escritor Julio Cortázar, a popular cantora Mercedes Sosa e o jornalista Osvaldo Bayer.
Os documentos revelam ainda a proibição de canções de estrelas internacionais dos anos 1970 e 1980, como John Lennon, Pink Floyd e Rod Stewart. Além de um plano detalhado de como os militares queriam garantir seu domínio político até o ano de 2000.
Para o ministro da Defesa, Agustín Rossi, os arquivos são de um enorme valor histórico. "É a primeira vez que temos acesso a uma documentação que abrange todo o período da ditadura, com a vantagem de que está ordenada cronologicamente e com um índice temático", disse Rossi.
Os documentos serão analisados, nos próximos seis meses, por especialistas, que deverão não apenas observar seu valor histórico, mas também decidir se esse material pode ser usado como prova em processos, ainda em curso, de violações de direitos humanos durante a ditadura.
Embate com a imprensa
A advogada Graciela Peñafort, que trabalha para o governo argentino, diz que o valor jurídico é grande. "Estamos falando de documentos originais. Eles podem ser utilizados em processos que tratam da política econômica da ditadura e podem provar que havia um plano econômico baseado na violação sistemática da Constituição e dos direitos humanos de empresários e acionistas", afirma.
A advogada se refere especialmente ao conjunto de documentos que trata da venda da única fábrica de papel jornal da Argentina, a Papel Prensa. A família do então proprietário foi presa e torturada pelos militares, e a empresa teria sido vendida bem abaixo do seu valor para duas empresas de mídia existentes até hoje, os jornais Clarín La Nación.
A denúncia não é nova, mas o governo espera que os documentos agora encontrados provem que a venda foi feita com o conhecimento e o apoio dos militares. "Descobrimos 13 registros de reuniões da junta militar que mostram que o regime lidou intensamente com a questão", assegurou Rossi. "Para a junta militar, a detenção da família Graiver [então proprietária] estava diretamente relacionada à venda da Papel Prensa."
Os dois periódicos adotam um linha crítica em relação ao governo da presidente Cristina Kirchner, o que dá à revelação da descoberta dos documentos secretos um significado adicional. O Grupo Clarín é combatido com todos os meios pelo governo. A nova lei de imprensa do país, que o governo diz que vai democratizar o setor e acabar com monopólios, visa claramente enfraquecer a empresa, que até há poucos anos estava ao lado do governo Kirchner.
Esperança de novas descobertas
Ao que tudo indica, os documentos podem mesmo ter um enorme valor para os processos que tratam das violações de direitos humanos durante a ditadura. Desde que as leis de anistia foram abolidas, em 2006, 370 pessoas já foram condenadas por crimes cometidos durante a ditadura.
Rossi disser ter instruído todos os chefes das Forças Armadas a continuar procurando em "lugares incomuns" por mais documentos históricos. "Esperamos que mais arquivos apareçam", declarou. Até a atual descoberta, os militares sempre haviam afirmado que não havia mais documentos do período da ditadura.

DW.DE

  • Data 05.11.2013
  • Autoria Marc Koch, Buenos Aires (mas)
  • Edição Alexandre Schossler
  • Fonte: dw.de