domingo, 5 de maio de 2013

Os livros do meu tio, cheios de boa vontade.


Por João Bosco de Araújo
Jornalista  boscoaraujo@assessorn.com  
 
Estava eu inclinado a ler a obra de Jacques Maritain? Não por acaso, mas pelas circunstâncias daquela ocasião. O certo é que nem sabia de quem se tratava. Na casa de minha avó Luzia uma pilha de livros encostada em um canto da “Oficina Velha” adornava aquele ambiente, sempre às portas fechadas, com outros objetos de que dias outrora foram vividos, intensamente. Pequenos instrumentos de percussão, roupas de fantasias, latinhas vazias de lança-perfume, além de folhinhas de santos, cordão de crucifixo, etc. etc. Olha que o local não era tão pequeno e serviu, anteriormente, de ponto de trabalho do meu avô Severino Tavares, na fabricação de chapéu de couro.

Então! Lá estava eu, minuciosamente, com um exemplar do filósofo francês debaixo do braço e a ler, atenciosamente, sem pretensão de alcançar altos conhecimentos da matéria. Apenas pura curiosidade! O maior interessado - e dono daquela coleção de livros - estava longe dali e de seu objetivo principal, o meu Tio Antenor Tavares de Araújo, que fora morar em Sampa nos idos de 1960. “Titenor” abandonara há tempos àquela leitura no Colégio Nóbrega, em Recife, onde fora seminarista no tradicional Mosteiro de São Bento, em Olinda. Reprovado em matemática - e na vocação -, foge  alegando que não aprendera a matéria ensinada no Ginásio, em Caicó, depois de um ano confinado na rigorosa Ordem Beneditina, em Pernambucano. Certamente que Deus o perdoou, sua vocação era outra.
 
De volta ao Seminário caicoense, ficou também pouco tempo, fugindo numa noite de Carnaval para um baile que acontecia em um clube da cidade. Padre João Agripino foi quem não o perdoou. Professor de matemática no então Ginásio Diocesano Seridoense (GDS), soube depois de seu insucesso nos estudos e de sua defesa infeliz. Ao se encontrarem, deu-lhe um carão, reclamando do jovem ex-seminarista por ter lhe dedurado em Olinda pelo mal-ensino da matéria. O padre Agripino não merecia!
 
Estou eu, novamente, a retratar aqueles livros deixados para trás por meu tio. Comigo também não fora diferente. Deixei-os antes mesmo de tomar qualquer decisão que fosse àquela de Titenor, embora nunca tenha passado pela vontade de seguir a vocação seminarista. Ao menos me deixara o interesse pela leitura. Confesso não ser uma vocação, mais por uma necessidade e capricho de aprendizagem. Um esforço que, obrigatoriamente, me dá prazer.
 
Limitado ao meu conhecimento, ainda por cima o filosófico, estava eu a retirar da leitura afinca de um livro de Jacques Maritain (1882-1973), de tantos outros de sua intensa obra publicada praticamente por toda a primeira metade do século 20, uma frase que me levou a copiar nos rodapés dos manuscritos escolares: “É a vontade e não a inteligência, por mais perfeita que seja, que torna o homem bom e direito”.
 
Não recebi qualquer ensinamento acadêmico-escolar desse teórico tomista. Apenas uma frase, que deixei gravar no meu subconsciente com a vontade de não mais esquecer.
 
Não sei onde estão, hoje, os livros de Maritain do meu Tio. Sei que fadado à mediocridade, sempre estive, com a vontade de superar as adversidades. Vontade que me encoraja a enfrentar as dificuldades. Também sei que de uma legião de boas vontades o mundo está cheio. Faltam vontades de praticá-las. São muitos os que as praticam para o mau.
 
Um cérebro medíocre, sim. Mas com uma vontade danada de um coração bondoso!


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Postado por AssessoRN - Jornalista Bosco Araújo no AssessoRN.com em 5/05/2013 12:15:00 PM