"Do ponto de
vista político, o mensalão acabou", diz o filósofo Marcos Nobre
16/11/2013 - 03h55
RICARDO MENDONÇA
DE SÃO PAULO
Para o filósofo e cientista político Marcos Nobre, pesquisador do Cebrap e
ex-colunista da Folha, o escândalo do mensalão não existe mais como fato
político. Acabou só agora, diz, porque ainda havia a equivocada ideia de que a
análise dos embargos representaria um novo julgamento.
Nobre diz que a condenação de figuras políticas de destaque é um evento
"excepcional" no Brasil e entende que as penas foram mais duras que o
convencional. Mas ele não classifica isso como algo ilegítimo. "O que vai
tornar ilegítimo é se, em casos semelhantes, no futuro, aplicarem penas
diferentes", analisa.
O pesquisador também avaliou o papel de alguns dos ministros no processo.
Joaquim Barbosa, diz, representou uma novidade "ambígua". Importante
porque "deu vazão a um sentimento social de rejeição à política", mas
não ofereceu nada como alternativa.
Para Nobre, Ricardo Lewandowski não representou contraponto ao relator, mas
sim Luiz Roberto Barroso, o ministro que, na fase final, se mostrou capaz de
"enfrentar midiaticamente a brutalidade de Barbosa". Rosa Weber
"deu votos incríveis", mas Celso de Mello, por outro lado, demonstrou
"um desequilíbrio flagrante".
Danilo Verpa/Folhapress
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Marcos Nobre, cientista político e filósofo
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Folha - Oito anos após a denúncia original, as prisões começam a sair. O
que dá para dizer desse caso agora?
Marcos Nobre - O que eu diria é que o mensalão terminou como fato
político. Ainda não acabou do ponto de vista jurídico. Mas do ponto de vista
político, acabou.
Do ponto de vista político já não estava encerrado antes?
Não. Porque a impressão era de que o exame dos embargos declaratórios e
infringentes havia reaberto o julgamento. Na repercussão, na grande mídia,
começaram a usar a expressão "novo julgamento". O que, juridicamente,
era um equívoco. Mas foi dando a impressão de que agora iria começar tudo de
novo. Então agora parece que todo mundo já entendeu que são recursos, que são
embargos, e que, de fato, acabou de ponto de vista político. Não sei se você
sentiu isso. Eu senti. Estava todo mundo preparado como se fosse começar um novo
julgamento.
Se fosse descrever de forma sintética para um estrangeiro, como definiria
esse caso?
A primeira coisa que eu diria é: aconteceu uma coisa excepcional, que foi o
julgamento de políticos no Brasil com condenação. Para um estrangeiro isso pode
parecer assustador. Vão dizer "mas isso não aconteceu no passado?". É
difícil comparar com o passado, porque o passado, no caso do Brasil, é muito
pouco democrático. A gente teve 19 anos de democracia, entre 1945 e 1964, mas
mesmo assim uma democracia mais ou menos, pois analfabeto não votava, tinha
partido na ilegalidade, e não teve uma transição de mandato entre um presidente
e outro que fosse tranquila. Então é a primeira vez, dentro de uma democracia,
que você tem julgamento e condenação de figuras políticas importantes. Isso dá
um caráter excepcional para esse julgamento.
E o que achou das penas?
Bom, o novo, como eu disse, é o julgamento e a condenação de figuras
políticas importantes. Isso explica também a dureza das penas. É muito? É
pouco? Eu diria o seguinte: se fosse um julgamento criminal comum, as penas não
teriam sido tão altas. Foi alta porque é inédito.
O Roberto Jefferson lamentou a própria prisão, mas falou que a política
pode ser melhor após o julgamento. Há alguma evidência disso?
Não. Nenhuma chance de melhorar a política por causa disso. Porque não é
assim que se melhora a política, né?
Alguns falam em exemplo de cima, fim da certeza da impunidade.
Olha, você sabe que eu passei cinco anos estudando direito, né? Depois que
entreguei meu doutorado... Eu não acredito nessas teorias do direito penal que
acham que a pena tem uma função dissuasória. Não acho que essa seja a função da
pena. Mas aí é uma discussão teórica. O que estou querendo dizer é: se fosse
comparar com um crime de formação de quadrilha comum, um crime de corrupção
comum, e não de figuras públicas destacadas, as penas não seriam tão altas.
Então foi injusto, é isso?
Não, não. A questão não é justiça ou injustiça. Justiça ou injustiça, do meu
ponto de vista, é um ponto de vista moral e político, não jurídico. Do ponto de
vista jurídico, a gente pode dizer se uma questão é legítima ou ilegítima.
Vamos lá: Uma determinada decisão judicial é legal ou ilegal; legítima ou
ilegítima. Então uma decisão pode ser legal, porém ilegítima. Uma decisão
ilegal acontece, por exemplo, durante uma ditadura. Você pode decidir ao
arrepio da lei comum, como aconteceu na Alemanha nazista. Eles mantiveram a
Constituição de Weimar e decidiam materialmente contra. A questão [do mensalão]
é a da legitimidade. Essa se dá no âmbito de uma discussão pública e política
mais ampla. Não é uma pessoa que declara uma decisão legítima ou ilegítima. Eu posso
achar, mas é só uma opinião. Agora, pode haver uma reação pública de tal ordem
que faça com que uma decisão legal fique ilegítima. Tem um bordão na política
brasileira que é "decisão judicial não se discute, se cumpre". Isso é
o maior absurdo que eu já ouvi. É o contrário. Não existe nenhuma contradição
entre cumprir uma decisão judicial e discuti-la. Então você tem uma discussão
de uma determinada sentença que pode vir a aparecer para a sociedade como
ilegítima dependendo do debate em torno dela e das forças políticas. Hoje, no
jogo político atual, com a correlação de forças atual, ela [a sentença do
mensalão] está parecendo como uma sentença legítima. Mas poderia não ser.
Dependendo da movimentação do debate público e da sociedade.
Se é assim, o tempo pode eventualmente deslegitimar essas sentenças?
Pode. Esse é o ponto importante. Quando eu digo que as penas são superiores
do que devia se esperar, que é inédito, então daqui para frente pode ser que as
penas aplicadas [em novos casos] não sejam tão graves. Ou, ao contrário, pode
ser que seja esse o padrão para o futuro. Então, dependendo de como esse padrão
vai ser interpretado daqui para frente, você também tem a questão da
legitimidade ou ilegitimidade dessa decisão. Se tiver condenações posteriores [mais
brandas], vão dizer "olha, isso prova que a sentença do mensalão foi dura
demais". E quando dizem "foi dura demais", estarão querendo
dizer "ela não foi totalmente legítima". Então a questão da
legalidade ou ilegalidade você pode resolver. Já a legitimidade vem da luta
política que vem depois. É por isso que é importante fazer as duas coisas:
cumprir a decisão e discutir. Eu tenho a impressão de que as penas foram duras
demais quando comparadas ao julgamento habitual desses crimes com outras
figuras. Mas não necessariamente torna isso ilegítimo. O que vai tornar
ilegítimo é se, em casos semelhantes, no futuro, aplicarem penas diferentes.
E qual é o seu palpite?
A dureza das penas foi inédita. Isso vai criar jurisprudência e a partir de
agora todos os políticos serão julgados a partir dessa métrica? Eu acho que,
por um bom tempo, sim. Acho que vai durar. É a questão da legitimação do poder
Judiciário. Já que estabeleceu a barra nesta altura, nesta altura ela ficará
por um bom tempo. Até que seja alguma coisa comum e normal condenar políticos.
Todas as penas foram calculadas no caso mensalão para dar prisão para
determinados indivíduos. Elas foram calculadas dessa maneira. Se foram
calculadas assim, é porque você estava pensando na dureza da pena, não no
sistema Judiciário. Nesse caso, falou-se assim: "não vou pensar no
Judiciário como um todo, vou penar apenas neste caso". Então acho que vai
manter-se por um bom tempo. Mensalão mineiro? A dureza vai ser igual.
Mas voltando à fala do Jefferson. Na sua opinião, não vai melhorar a
política. O que a melhoraria?
Acredito que é importante que isso tudo tenha acontecido para o poder
Judiciário. E para legitimidade e legitimação do poder Judiciário. Bom, o
Judiciário faz parte do sistema político. É importante que ele seja entendido
como parte do sistema político, embora tenha linguagem e códigos específicos.
Então, nesse sentido, você tem de fato um Judiciário que cumpre o seu papel.
Sem querer discutir o mérito da sentença.
E que lição fica para o Supremo?
A outra coisa é o seguinte: é um absurdo o STF (Supremo Tribunal Federal)
ser, ao mesmo tempo, a última instância do Judiciário e uma corte
constitucional. Não é possível. Esse julgamento demonstra, de maneira cabal,
que a Constituição deveria ser cumprida e que deveria ser criada uma corte
constitucional separada, só constitucional. O Supremo não pode ter essa dupla
função. É impossível a corte conseguir dar conta disso tudo.
O Supremo fez alguns movimentos para reduzir os processos.
Fez. A história da repercussão geral. A súmula vinculante, que não vincula
ninguém. Mas nenhum resultado estrondoso. Não resolveu. Mas, voltando, o
julgamento foi muito importante para incluir o Supremo no sistema político.
Ficou claro que, embora tenha um código específico, é um membro integrante do
sistema político.
Explique isso.
Se você for olhar do ponto de vista da transição brasileira, o primeiro
órgão que apareceu como membro do sistema político, por excelência, foi o Poder
Legislativo, que foi por onde entraram as primeiras forças de oposição etc. O
Executivo veio depois. Faltava o Judiciário. Neste momento então completa-se
essa ampliação do sistema político. O Judiciário passa a visto como um órgão do
sistema político onde a sociedade tem de tentar influir também. Claro, tentar
influir usando o código que é próprio do direito. Mas não dizer "o
Judiciário julga e pronto", como se fosse simplesmente uma máquina em que
você põe lá as moedas e a saem as sentenças por baixo. Então isso foi
importante. Ao mesmo tempo, mostrou que a cultura jurídica pública no país é
baixíssima. Por que isso seria importante? Porque em toda democracia que se
aprofunda, aprofunda-se também uma certa cultura jurídica pública.
Como dá para perceber isso?
Um exemplo: basta você olhar a importância que tem as séries de TV sobre o
Judiciário em países democráticos. De uma certa maneira, você aprende até com a
TV como funciona o Judiciário, aprende que aquilo tem uma certa lógica, uma
lógica democrática, que tem problemas também. No Brasil não tem séries sobre o
Judiciário, certo? O que você viu [no caso do mensalão]? Viu uma cobertura da
grande mídia importantíssima, mas também uma dificuldade enorme das pessoas de
entender aquela linguagem totalmente obtusa. Ok, entraram alguns elementos que
não entravam antes, embargo isso, embargo aquilo, as pessoas aprenderam algum
vocabulário. Isso mostra que o Judiciário finalmente entrou no sistema
político, mas continua encastelado na sua linguagem, no seu jargão. E
valendo-se disso para legitimar sua autoridade. Todas as tentativas de
comentários, análises e divulgação foram importantes. Mas mostrou também que a
academia brasileira no direito não está conseguindo traduzir os conceitos para
a esfera pública de maneira adequada. E aprofundar a democracia é aprofundar a
cultura jurídica geral.
Não temos essas séries, mas uma parte do Judiciário aparece na TV, sim,
com Datena, Marcelo Rezende. A delegacia e o "prendo e arrebento"
aparecem.
É tudo penal. Essa é a medida do baixo teor democrático da democracia brasileira.
Porque o único ramo do direito que é realmente universal é o penal. Esse sim
atinge todo mundo. Agora, direito social, direito civil, direitos trabalhistas,
esses não atingem todo mundo. Isso é importante notar: você teve [no julgamento
do mensalão] televisionamento direto, ao vivo, e uma incompreensão radical do
outro lado sobre o que estavam falando. O televisionamento direto dá a
impressão de uma função democratizante, mas o que faz mesmo é mostrar o abismo
entre o bacharelismo do Judiciário e a baixa cultura jurídica do país. E não é
tornando os cidadãos bacharéis que nós vamos melhorar isso. Os bacharéis é que
precisam falar língua de gente. Por que você consegue isso nos EUA, na França,
na Alemanha? Por que lá as pessoas entendem mais [do assunto] e as séries têm
excelente audiência?
Por que o escândalo do mensalão nunca gerou o impacto eleitoral desejado
pelos opositores do PT?
A resposta é o pemedebismo (¹). Do ponto de vista da sociedade, todo mundo
faz, o sistema político inteiro faz. Então a questão é a seguinte: Dado que
todo mundo faz, por que eu iria punir exatamente o Lula? Punir aqueles que se
apresentavam como representantes por excelência da ética na política passa a
ser algo que é suficiente. Então não é necessário mais. Por que punir aquele
que não se tem provas objetivas suficientes de que tenha sido o responsável? E
de fato ali [naquela época] já estava começando a aparecer políticas sociais
importantes para uma enorme parte da população. Já em 2004 tem um crescimento
[da economia]. Então, veja, o sistema político é visto como uma pasta homogênea
em que todo mundo vale a mesma coisa. Se é assim, por que eu vou punir o
sujeito que está diminuindo a desigualdade? Fora o seguinte: você sabe que o PT
tem uma base de 30% nesse país que não desce e não sobe. Apoio mesmo. Tem um
núcleo duro, um núcleo que segurou o Lula mesmo. São essas as razões. As
pessoas não são cínicas, não são hipócritas. Elas pensam: "eu vou punir um
cara que está fazendo uma política correta porque eu acho que ele é corrupto
igual aos outros?" Claro que se um desses diretamente acusados fosse
candidato a presidente, a governador, aí sim seria punido. Mas não é o caso.
Eles [os acusados] se retiraram. Alguns ainda foram eleitos deputados, mas para
cargo majoritário jamais seriam.
Na defesa política dos acusados, consolidou-se o discurso de que tudo
isso é culpa do sistema eleitoral e do modelo de financiamento de campanha,
cada ano pior. Isso sensibiliza o senhor?
Não é que os temas não sejam importantes. Mas, que fique claro, que isso
[que foi proposto] não é uma reforma política, é uma reforma eleitoral. E
restrita. Uma reforma política teria que ter uma reforma profunda do
Judiciário, que não enfrentou ainda o problema da corrupção no seu interior,
teria que discutir cargo comissionado, esses 22 mil cargos. O que é isso? Não
se sabe nem ao certo quantos são. Outra coisa: por que precisa ter uma
centralização orçamentária, um poder do governo federal, dessa maneira? São
exemplos. Isso tudo seria uma reforma radical da cultura política. Dito isso, é
importante discutir reforma eleitoral? É importante. Vai acontecer? Não vai.
Não vai acontecer nada relevante. Só tem sentido uma reforma eleitoral no bojo
de uma reforma política, no contexto de uma reforma mais ampla.
Mas existe sentido nas propostas de reforma eleitoral? Voto distrital ou
em lista, financiamento público?
Existe sentido. O grande sentido é: você vai ou não vai restringir o número
de partidos? No fundo, é isso que está em discussão. O pemedebismo tem
funcionado assim: há uma ampliação cada vez maior de partidos. Quando abre
demais, fecha. Quando fecha demais, abre. Então tem uma lógica de fragmentação
e fragmentária. Existe lógica [na reforma eleitoral]. Mas só isso não vai
resolver os problemas reais. Seria uma forma muito limitada de resolver.
Voltando ao mensalão, o que achou do comportamento do ministro Joaquim
Barbosa, o protagonista do julgamento? Como personagem, ele é uma novidade?
Joaquim Barbosa... Difícil formular sobre esse cara... Ele foi um canal de
expressão de uma rejeição difusa do sistema político tal qual ele funciona.
Então ele é uma novidade, sim. Um sentimento difuso de rejeição, que não tem
conteúdo, não tem conteúdo nenhum, é pouco politizado. No sentido ruim da
expressão mesmo. Ao mesmo tempo, ele expressa uma raiva social muito
interessante. Uma raiva social contra o sistema político, contra a
discriminação histórica da sociedade brasileira. Fico tentando entender como
ele virou esse fenômeno de massa... Ao mesmo tempo, essa rejeição difusa da
política enquanto tal, porque no fundo é isso, uma rejeição da política, ela se
expressa de maneira brutal e grosseira. É mesmo muito interessante. Porque isso
introduz um elemento no Judiciário que é novo, pois o Judiciário gosta de se entender,
de uma maneira bem machista, num clube de cavalheiros. Coisa que está longe de
ser. E não deve ser mesmo numa democracia. Ele rompe com isso. Então o Joaquim
Barbosa consegue expressar um sentimento social difuso pela sua brutalidade. E
uma brutalidade calculada. Ele sabe exatamente o que está fazendo a cada
momento.
Diria que é um avanço?
Do ponto de vista do avanço democrático, isso é ambíguo. De um lado é
importantíssimo dar vazão a um sentimento social de rejeição à política tal
qual ela é feita. De outro lado, essa expressão bárbara, bruta, não ajuda a
construir uma linguagem alternativa ao bacharelismo. Então você tem ou o
bacharelismo ou a brutalidade. Em algum lugar entre essas duas coisas a gente
tem de encontrar uma cultura jurídica que possa ser partilhada por mais
pessoas, a compreensão de que o direito faz parte da democracia, a ideia de que
o STF não é o "big brother", certo? O Joaquim Barbosa introduziu o
"big brother" no Supremo Tribunal. O lado bom é que [Barbosa]
desorganiza a coisa tradicional, rançosa. O lado regressivo é que não constrói
uma coisa nova. E foi uma figura que não enfrentou um contraponto. O [ministro
Ricardo] Lewandowski é um juiz de carreira. E, note, era um [ex-]promotor
[Barbosa] contra um juiz de carreira. O promotor tem um cálculo muito grande do
efeito midiático, retórico de sua ação. Então não tinha o contraponto. Ficou o
bacharelismo do Lewandowski e a brutalidade do Barbosa, sem nada no meio.
Quem poderia ser esse contraponto ao ministro Barbosa?
Quem de fato fez o contraponto ao Joaquim Barbosa foi o [Luiz Roberto]
Barroso, que entrou depois. O Barroso é claramente contraponto ao Joaquim
Barbosa porque, primeiro, é advogado. Segundo: de fato, ele tem uma noção de
como articular o pensamento e enfrentar midiaticamente a brutalidade do
Barbosa, coisa que o Lewandowski não tinha. E ele consegue falar a língua de
gente, não é a língua dos seus pares apenas. Ele é uma enorme novidade.
Quem mais te impressionou positivamente?
A Rosa Weber. Acho que ela deu votos incríveis. Pode representar aquilo que
possa ser uma nova cultura jurídica, que possa falar para os outros tirando as
tecnicalidades. Uma juíza muito impressionante. Mas ela tem de dar o passo da
comunicação.
E quem foi o oposto, a decepção?
Teve o desequilíbrio do decano. Celso de Mello foi um dos votos mais
lamentáveis que já se deu. Por quê? Celso de Mello, julgando crimes de
corrupção, julgando crimes de lavagem de dinheiro, julgando crimes de formação
de quadrilha, fundamentou sua decisão com a expressão "atentado à
democracia". Isso é de um desequilíbrio flagrante. É algo que considero
inadmissível para um ministro do Supremo. Não só ele usou isso. Mas ele foi o
grande exemplo de uso do "atentado à democracia". Ora, se existe um
atentado à democracia, existe um atentado à Constituição. Então ele estava
chamando as pessoas que estavam sendo julgadas de terroristas. Isso é muito
grave. Quer fundamentar a sua sentença e se quer dizer algo realmente inovador?
Diga qual é o sentido social da pena. Agora, confundir crime de corrupção,
lavagem de dinheiro e formação de quadrilha com atentado à democracia é algo
inaceitável. O que me espanta é que o decano tenha dado o voto mais inaceitável
de todos. Achei lamentável. Quem está sendo julgado são indivíduos. Não é o
sistema político que está sendo julgado, não são partidos e não é o crime de
terrorismo que está sendo julgado. Atentado à democracia? Como a gente
interpreta isso? É contra a Constituição: terrorismo. Então as pessoas
cometeram mais crimes do que aqueles que elas estavam sendo julgadas? Absurdo
flagrante.
E os ministros que são muito identificados com os presidentes que os
indicaram, especialmente Gilmar Mendes, indicado por Fernando Henrique, e Dias
Tóffoli, por Lula?
Ah, sobre eles eu gostaria agora que todas aquelas pessoas que disseram que
o sistema de indicação de ministros para o STF era um sistema que favorecia
quem estava no poder, que venham a público agora para dizer que erraram. Todas
essas pessoas desapareceram. [O julgamento] mostrou que não existe uma relação
direta entre a indicação e o voto. Bom, nesses dois casos, Gilmar e Tóffoli,
existe. Essa é a identificação do ponto de vista da opinião pública. Então, de
qualquer maneira, são 2 de 11. E o ministro Gilmar que, notoriamente, tem
bate-boca público com o Joaquim Barbosa, o acompanhou em todos os votos. Então,
na hora do jogo não é bem assim. Mas não só. O Gilmar Mendes foi "low
profile" porque o Joaquim Barbosa tomou todo o espaço. Quem conseguiu
ficar num espaço entre o Joaquim Barbosa e o Lewandowski foi o Marco Aurélio
[Mello], que ficou jogando entre os dois. Tanto é que, quando Barroso se
pronuncia, quem vai contra ele é justamente o Marco Aurélio, como se estivesse
falando "olha, esse lugar aqui é meu". Já o Dias Tóffoli, veja o
último voto dele. Indicado pelo Lula, tudo isso, agora dá um voto contra [os
acusados]. Então prova que não tem relação.
(1) A expressão "pemedebismo" foi desenvolvida pelo próprio Marcos
Nobre para descrever um certo comportamento político conservador que, na sua
interpretação, tornou-se dominante a partir dos anos 80 e, a partir do PMDB,
teria alastrado-se para quase todos os partidos. Diz respeito ao adesismo a
qualquer governo, à falta de enfrentamentos diretos, a forma dissimulada de sabotar
iniciativas de transformação social, entre outras coisas.