sexta-feira, 31 de janeiro de 2014

Carta Capital - Política
Qual Brasil? Qual Estado?
Defender a ortodoxia individualista, em nossos dias, é desdenhar da realidade e menosprezar a história. Por Roberto Amaral

por Roberto Amaral — publicado 07/01/2014


Morto em 1790, certamente o fundador da economia-política não teve tempo para conhecer em toda a medida as consequências da associação liberalismo-individualismo-laissez-faire/laissez passer

Escrevendo para seu tempo, ou, refletindo seu tempo, e nele realizando o projeto pessoal de combate ao mercantilismo que dominava as ideias e as políticas da Inglaterra e dos EUA, principalmente, Adam Smith (1723-1790) tornar-se-ia o mais importante teórico do liberalismo econômico, seguindo as pegadas do pensamento político de John Locke e Montesquieu.
Nestas linhas é impossível reduzir seu pensamento, senão ressaltar dois de seus pilares: (i) o individualismo exacerbado associado a um (ii) Estado silente e omisso. Para fazer-se entender, o professor escocês dizia não ser da benevolência do padeiro, do açougueiro ou do cervejeiro que saía seu jantar, mas sim do empenho de um e de outro  em promover seu auto-interesse (selft-interest), que era conquistar a freguesia, vender mais e obter mais lucro e isso (o individualismo), era muito bom para a economia e o bem-estar de todos, pois  a competição entre os diversos fornecedores, eliminando os incompetentes,  levaria não só à queda do preço das mercadorias como ao aumento dos salários, o que podemos traduzir como fortalecimento  do mercado consumidor.
Decorre daí a grande tese: a saúde das nações é o resultado direto das ações dos indivíduos em defesa de seus próprios (e egoísticos) interesses, promovendo o desenvolvimento e a inovação, com vistas a ganhar terreno na competição livre do mercado cujas forças, portanto,  deveriam agir livremente: todo empresário deve fazer o que bem quiser com seu capital, sem ter de obedecer a qualquer regulamentação governamental.
O capitalismo e a liberdade individual (verso e reverso de uma só moeda), por si sós, promoveriam  de forma ‘luminosa’ o progresso da humanidade. O Estado é que atrapalha a liberdade dos indivíduos. Portanto...
Mas sua obra seminal, A riqueza das nações (The Wealth of Nations) foi escrita em 1776, no alvorecer da Revolução industrial inglesa (1760/1840). Morto em 1790, certamente o fundador da economia-política não teve tempo para conhecer em toda a medida as consequências da associação liberalismo-individualismo-laissez-faire/laissez passer, destruindo o meio-ambiente, a qualidade de vida de todos, mas principalmente dos operários (homens, mulheres e crianças), mal pagos e desassistidos, sem qualquer nível de proteção, explorados ao limite da resistência humana, cumprindo jornadas de 12 horas de trabalho, sem direito a férias ou repouso semanal, enfim, destruindo a vida de milhões de ingleses, franceses e alemães, tragédia cujo horror inspirou a crítica social de Charles Dickens e Émile Zola, este notadamente com Germinal (1885).  E a denúncia político-social, ainda não superada, constante do Manifesto do Partido Comunista de Marx e Engels (1848). Deu nisso a desregulamentação.
Defender essa ortodoxia individualista, em nossos  dias, é desdenhar da realidade e menosprezar a história. Como falar na ação livre do mercado e em livre concorrência, como fazem os economistas mediáticos brasileiros, quando a realidade de nossa economia é a transição do oligopólio para o monopólio?
Admitamos, para facilitar, que possamos esquecer as causas da primeira guerra mundial e suas consequências; mas, como riscar da história o crash da bolsa de Nova Iorque de 1929? Como ignorar a importância do keynesianismo (e a recuperação do papel do Estado) na reconstrução europeia, a partir do final da Segunda Guerra Mundial?
Como, por outro lado, ignorar o papel da desregulamentação do mercado na construção da crise do capitalismo internacional como desdobramento da crise financeira dos EUA de 2008, que persiste em nossos dias, deprimindo o crescimento da economia em nível mundial? Crise que cobra a destruição do welfare state, a revisão dos direitos trabalhistas e previdenciários, a redução do emprego, a inibição da economia?
Há poucos dias ouvi eminente economista mediático repetindo a velha frase do reaganomics: ‘o problema é o Estado’. É a visão de Hayek, que faz do neo-liberalismo a versão radicalizada de Adam Smith (ou o retorno a Quesnay), repetida acriticamente no Brasil pelos cérebros que orientaram Collor e FHC, repetida à saciedade pelos grandes meios de comunicação, jornalões e revistonas à frente.
Digamos, de início, que não há o Estado, mas Estados, cujas características variam no tempo e no espaço, numa relação dialética.
O Estado mercantilista sobre o qual se debruçou Adam Smith, voltemos a ele, era Estado distinto daquele que defenderia em suas obras e que seria construído pela Revolução Industrial. Óbvio, não? Distintas seriam igualmente as ordens econômicas e políticas dos Estados alemães da revolução industrial, da democracia weimariana, do hitlerismo e do após-guerra.
De outra parte, não existe um papel padrão para Estados distintos, pois, hoje,  o que se pode esperar de qualquer Estado escandinavo é bem distinto do que se deve esperar e requerer do Estado brasileiro, ou do Estado chinês, ou do Estado angolano, ou sudanês, ou iraquiano, ou iraniano. A realidade histórica separa as missões dos Estados segundo o desenvolvimento da sociedade que procura organizar, seja sociedade em processo de industrialização, ou pós-industrial, ou subdesenvolvida ou emergente, e assim por diante. Não é um mesmo Estado a instituição política que governa a Europa e ao mesmo tempo aquelas sociedades quase ainda tribais da África e do Oriente. Óbvio, parece-me.
Nos regimes capitalistas, cuja dominância é a  característica dos tempos atuais, a omissão do Estado significa  a ditadura do capital sobre o trabalho, donde o esmagamento dos direitos dos assalariados em geral, a destruição  dos direitos e garantias sociais, enfim, a barbárie, posto que, mesmo afastadas considerações de ordem ético-humanista, é incompatível a existência de qualquer sorte de capitalismo com a destruição do proletariado.
Não pode haver explorador sem explorado, e a função política do Estado, visando à sobrevivência do capitalismo, é a de assegurar a exploração, mantendo-a,  todavia,  sob controle, de modo a permitir meios e limites de sobrevivência dos trabalhadores, sem o que não é possível extrair a mais-valia.
No caso brasileiro, porém, país ainda em busca de desenvolvimento e ainda  ferido por perverso atraso social, o Estado tem exercido, desde a empresa colonial, a função indeclinável e insubstituível de indutor do desenvolvimento, exercendo aquele papel de pioneirismo que teoricamente seria reservado ao capital privado, que, aqui, foge do risco e protege-se no rentismo, locupletando-se às custas do Estado via juros escorchantes.
Daí a grita permanente por juros elevados, a pretexto de segurar o consumo e controlar a inflação. Nossos grandes empresários são clientes privilegiados das carteiras dos bancos públicos, que raramente honram, como podem esclarecer nossos ruralistas.
Além de cumprir com seu dever regulamentador e fiscal dos agentes econômicos, evitando ou minimizando os conflitos e protegendo os interesses coletivos, em tese, o Estado assume os investimentos e as responsabilidades sociais às quais se nega o capital privado, e ainda ampara o empresariado, inclusive o financeiro, contra suas fraudes ou sua incompetência gerencial.
Assume o Estado aqueles investimentos que não atraem a economia privada, seja pelos altos volumes requeridos, seja pela lenta recuperação do capital, seja pela margem de lucro proporcionada; protege ainda o empresariado nacional em seus conflitos com o capital multinacional, tanto no plano interno quanto no das transações comerciais internacionais. Mesmo Adam Smith criticava a proteção estatal às empresas monopolísticas, financiadas com recursos públicos.
Outra besteira mediática é  a falsa discussão sobre tamanho do Estado. Ora, a importância e necessidade do Estado – variante de sociedade para sociedade - não se mede com fita métrica, mas perquirindo a quem beneficia, a quem ele serve, a que projeto, seja econômico, seja político, seja social se destina.
Pequeno ou grande, quais os fins do Estado? Proteger as grandes massas, promover o bem comum segundo os interesses das maiorias, defender os interesses das classes subalternas, defender o público e assim assegurar saúde pública, ensino público, segurança pública, transporte público? Induzir o desenvolvimento promotor do crescimento econômico do país, da boa qualidade de vida de sua população, da segurança nacional, da socialização das riquezas?
Ou a função do Estado, grande ou pequeno, é simplesmente garantir o lucro dos grandes grupos, a lucratividade predatória do capital, a concentração da riqueza e renda e pôr-se a serviço da sociedade de classes?
Perguntas que neste ano devem ser respondidas pelos candidatos à Presidência da República.
Lobby caríssimo – Até pouco dias passados o combate à política externa independente brasileira era ofício assalariado de diplomatas aposentados, uns magoados, outros amuados, todos  com presença ativa na chamada grande imprensa.

No novo ano, o ex-presidente FHC se incorpora, de mala e cuia, no lobby (mantenho a grafia inglesa em homenagem ao príncipe dos sociólogos brasileiros) do ‘complexo de vira-latas’, ou seja, considera idiota qualquer política externa brasileira que não seja um prolongamento dos interesses do Departamento de Estado dos EUA. Cada um serve ao Deus de sua estima. Em seu artigo desta semana, porém, o professor doutor tropeça. Está bem, faz parte do ofício, propor, por exemplo, e com grande originalidade, que o Brasil "estreite relações com os EUA", afastando-se do "bolivarianismo".
Mas não fica bem pensar que os talebans fazem parte do "mundo árabe", quando eles, como muito bem observa José Antonio Lima em seu twitter, integram os povos pashtuns, maior etnia predominante no Afeganistão (e muito presente no Paquistão) menos árabe que o professor e imortal uspiano.



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quarta-feira, 29 de janeiro de 2014

MUNDO

Snowden é indicado ao Nobel da Paz

Deputados noruegueses que sugeriram nome do delator do esquema de vigilância dos EUA dizem que ele contribuiu para ampliar o conhecimento sobre espionagem mundial. Segundo eles, mundo está mais seguro.
Edward Snowden, ex-analista da Agência de Segurança Nacional (NSA) americana, foi indicado nesta quarta-feira (29/01) ao Prêmio Nobel da Paz por dois deputados noruegueses. Eles argumentaram que a divulgação de documentos secretos transformou o mundo num lugar mais seguro.
Em carta endereçada ao comitê do prêmio, os legisladores socialistas Bard Vegar Solhjell (ex-ministro da Educação e do Meio Ambiente) e Snorre Valen destacaram que Snowden merece ser elogiado pelas revelações de natureza tecnológica e de vigilância moderna que começou a fazer em junho do ano passado.
Os políticos disseram que não precisam necessariamente apoiar ou condenar as revelações do ex-colaborador da agência americana. Porém, segundo eles, a atitude de Snowden contribuiu para o debate público sobre o estado de direito e para a ampliação do conhecimento sobre o alcance da espionagem dos cidadãos pelos seus países.
"Estamos convencidos de que o debate público e o intercâmbio [de informações] que se seguiu contribuíram para um mundo mais pacífico e estável. Suas ações levaram à reintrodução da confiança e da transparência como princípio básico da política mundial de segurança", diz o comunicado conjunto.
Snowden vive atualmente na Rússia, com visto temporário, após ter revelado segredos do governo dos EUA sobre os programas de vigilância do país. Washington acusou Snowden criminalmente depois que o ex-agente fugiu no ano passado – primeiro para Hong Kong, depois para Moscou. Ele pediu asilo a vários países, inclusive ao Brasil.
As sugestões para o Prêmio Nobel da Paz podem ser entregues até o dia 1° de fevereiro. Parlamentares, ministros, juízes de tribunais internacionais, estudiosos de determinadas áreas, antigos premiados e ex-membros do Comitê Nobel têm direito a indicação. Eles não precisam revelá-las, mas às vezes, como no caso de Snowden, o fazem. Em 2013, houve 259 candidaturas. O prêmio foi entregue à Organização para a Proibição de Armas Químicas (Opaq) por seus esforços para eliminar o arsenal tóxico da Síria.
RK/afp/rtr/lusa

DW.DE

segunda-feira, 27 de janeiro de 2014

MUNDO

Snowden afirma que NSA espiona por motivos comerciais

Na primeira entrevista à TV desde a sua fuga para a Rússia, delator do megaesquema do espionagem dos EUA afirma haver estreita colaboração entre os serviços secretos americano e alemão e diz temer pela própria vida.
A espionagem comercial por parte da Agência de Segurança Nacional (NSA) já havia sido denunciada, mas agora, em entrevista concedida à emissora alemã NDR, o delator do esquema de monitoramento de dados da NSA, Edward Snowden, deu um exemplo concreto na Alemanha.
Na entrevista transmitida neste domingo (26/01) – a primeira à TV desde que chegou à Rússia –, Snowden afirmou que, quando há informações sobre a Siemens, por exemplo, que sejam de interesse dos Estados Unidos, embora não tenham nada a ver com a segurança nacional, essas informações são coletadas mesmo assim.
Em entrevista exclusiva ao repórter Hubert Seipel, Snowden afirmou ainda temer pela própria vida. "Representantes do governo querem me matar", disse o ex-consultor da NSA, referindo-se a um artigo divulgado pelo site Buzzfeed, em que membros do Departamento de Defesa e da NSA declaram que gostariam de matar Snowden.
Espionagem na Alemanha
Snowden deu também a entender que, na Alemanha, a chanceler federal Angela Merkel não foi o único membro do governo a ter o telefone grampeado pela NSA. "O que posso dizer é que sabemos que Angela Merkel foi monitorada pela Agência de Segurança Nacional. A questão é até que ponto seria lógico supor que ela foi o único membro do governo a ser espionado. Qual a possibilidade de que ela tenha sido a única pessoa alemã conhecida com quem a NSA tenha se ocupado?"
Dando continuidade à sua argumentação, Snowden disse: "Eu diria que é muito pouco provável que alguém que se preocupe com as intenções do governo alemão tenha espionado somente Merkel, mas não seus assessores, nenhum outro membro do governo, nenhum ministro ou até mesmo administrações municipais."
Compartilhamento de informações
Afirmando que "os serviços alemão e americano de inteligência dormem juntos", Snowden disse que a NSA e o Departamento Federal de Informações da Alemanha (BND, na sigla em alemão) cooperam de forma bem próxima. "Eu digo isso porque eles não trocam somente informações, mas também compartilham instrumentos e infraestrutura. Eles trabalham em conjunto contra determinadas pessoas, e aí está um grande perigo."
Snowden aludiu ao programa da NSA X Key Score, uma tecnologia com a qual se podem vasculhar todos os dados armazenados diariamente pela NSA de todo o mundo. Segundo o técnico, a partir do momento que se possui o endereço de e-mail de alguém, é possível ler qualquer e-mail desta pessoa.
O programa possibilita ao usuário perseguir e vigiar qualquer pessoa. "E qualquer um que seja autorizado a usar esse instrumento ou compartilhar com a NSA seus softwares poderá fazer o mesmo. A Alemanha é um dos países que possuem acesso ao X Key Score", disse o ex-técnico da NSA.
Futuro incerto
Os Estados Unidos acusam Snowden de traição. Por esse motivo, caso volte a seu país, paira sobre ele a ameaça de um processo judicial. O secretário de Justiça Eric Holder disse ao jornal Washington Postque uma anistia para Snowden estaria fora de cogitação. Sem anistia, no entanto, Snowden expressou em recente entrevista o temor de um processo injusto. Por esse motivo, ele considera impossível a sua volta para os Estados Unidos.
Apesar disso, Snowden ainda tem esperanças de um acordo com as autoridades de seu país. Ele afirmou à NDR que não passaria o tempo todo sentado ao telefone, esperando uma ligação, mas que saudaria a possibilidade de conversar sobre como finalizar a questão de forma satisfatória para todas as partes. Ele disse também depositar poucas esperanças no presidente Barack Obama. "É significativo que o presidente diga que eu tenho que responder em tribunal, mesmo ele sabendo que esse julgamento seria uma farsa."
Snowden não quis fazer comentários precisos sobre a difícil situação em que se encontra. A Rússia lhe garantiu um ano de asilo, mas sob a condição de que ele não provocasse mais danos aos Estados Unidos. Seu futuro, no entanto, ainda continua incerto. De acordo com a emissora de notícias CNN, Moscou poderia vir a prorrogar a autorização de residência de Snowden. A decisão final cabe ao presidente Vladimir Putin, afirmou a CNN.
A primeira entrevista de TV que Edward Snowden concedeu após a sua fuga para a Rússia, em meados de 2013, foi realizada pela emissora alemã NDR na quarta-feira passada, num hotel de Moscou, e transmitida na noite deste domingo em rede nacional na Alemanha.
CA/dpa/rtr/afp

DW.DE

domingo, 26 de janeiro de 2014

Remédio amargo nem sempre cura
Tomislav R. Femenick – Mestre em economia e contador

            A política do Estado mínimo e o laissez-faire criaram as condições para o surgimento dos monopólios e oligopólios, do capitalismo selvagem e do imperialismo político-econômico. Assim, no século XIX, as antigas colônias e os novos protetorados se transformaram em fornecedores de matérias-primas e consumidoras de produtos fabricados na Europa e nos Estados Unidos. Essa situação criou duas contradições, uma externa outro e interna: a) os países centrais desenvolviam suas economias em ritmo nunca visto, enquanto que nas colônias e nos países periféricos esse fenômeno se dava em escala ínfima, quando não negativa, pois recebiam muito pouco pelas matérias-primas; b) nos países polos do desenvolvimento industrial havia os que se beneficiavam do crescimento econômico e os que eram explorados ao extremo para que esse crescimento pudesse haver, pois as relações de trabalho eram de exploração sem controle.
            Esse cenário gerou as condições ideias para o surgimento de teorias que se contrapuseram ao Estado mínimo e o laissez-faire; as teorias socialistas. Seus primeiros formuladores foram os franceses Saint-Simon, Charles Fourier e Louis Blanc e o galês Robert Owen, que propugnavam por um socialismo ideal, sem indicar como alcançá-lo. Por isso suas ideias são chamadas de “socialismo utópico”. Depois, essas teorias foram aprimoradas por Pierre-Joseph Proudhon e Karl Eugen Dühring, que exigem uma igualdade real para todos, porém também sem dizer como consegui-la. No conjunto, o socialismo utópico ia da boa vontade filantrópica ao reformismo do capitalismo.
            A outra corrente que surgiu foi a do “socialista científico”, defendida por Marx e Engels, cujas bases foram suas análises criticas do próprio capitalismo. Marx sempre foi a personagem central e Engels apenas um figurante. A ideia central do pensamento marxista era de que as contradições endógenas, que se originam no interior do modo de produção capitalista fariam com que o sistema desmoronasse (em função da luta de classes) e em seu lugar apareceria o socialismo e logo depois o comunismo. No Manifesto Comunista eles fazem algumas poucas propostas do que seria o socialismo científico: centralizar todos os instrumentos de produção nas mãos do Estado, expropriação da propriedade da terra, abolição do direito de herança, confiscação da propriedade de todos os emigrados, centralização nas mãos do Estado do sistema bancário e dos meios de transporte. Foi uma visão antecipada do “Estado máximo”. Heilbroner (1997), diz que Marx, na verdade, escreveu quase nada sobre como a nova sociedade deveria ser [...]. É preciso ter claro que Marx não foi o arquiteto do atual socialismo. Esta gigantesca tarefa caberia a Lênin”, que dirigiu o modelo de centralização do controle econômico, político e social da União Soviética, sob a égide da ditadura do proletariado; amarga, porém seria necessária. Segundo Stalin, “A ditadura do proletariado surge [...] da expropriação dos latifundiários e dos capitalistas, no curso da socialização dos meios e dos instrumentos essenciais de produção”.
            O problema foi que o socialismo científico não se mostrou tão científico assim. A ditadura, que era para ser do proletariado, passou a ser a ditadura da nomenclatura (a elite) do Partido Comunista. Por outro lado, a tarefa de, ao mesmo tempo, legislar, normatizar, planejar, executar e distribuir a produção se mostrou tremendamente ineficiente. A centralização econômica foi a causa do desmoronamento dos países ditos socialistas. Caíram sem um tiro de estilingue.
Tribuna do Norte. Natal, 25 jan 2014.
O Mossoroense. Mossoró, 23 jan 2014.

sexta-feira, 24 de janeiro de 2014

Comunista opina que o governo petista vai reprimir manifestações em 2014.


90 anos depois: Lênin e a herança da luta revolucionária

Ricardo Costa, membro do Comitê Central do PCB

Neste 21 de janeiro de 2014, completam-se 90 anos da morte de Vladimir Ilyitch Ulianov, codinome Lênin, sem dúvida a maior figura histórica do século XX, por ter sido a principal liderança da Revolução Socialista de 1917 na Rússia, o acontecimento histórico de maior importância do século passado. A Revolução Bolchevique abalou as estruturas da sociedade capitalista, ao inaugurar a primeira grande experiência socialista da história e passar a assombrar as mentes burguesas como um fantasma, lembrando sempre que a vitória dos trabalhadores contra o Estado capitalista havia se transformado numa realidade num país e numa possibilidade ameaçadora no resto do mundo. Era o exemplo que faltava aos trabalhadores de todos os países, para animar as lutas contra a exploração capitalista e em favor da alternativa socialista. Se, no processo de construção do Estado soviético, foram vivenciadas inúmeras dificuldades, muitos erros foram cometidos e, devido à conjunção de variados fatores, esta experiência acabou derrotada ao final do século XX, fica para a História a herança dos muitos acertos na tentativa de edificação de um poder genuinamente operário e, acima de tudo, fica a herança do pensamento e das ações de Lênin, cuja obra teórica e política tem muito a nos dizer nos dias atuais.

Um dos grandes legados de Lênin foi sua férrea batalha contra o reformismo, o economicismo e o oportunismo de direita e de esquerda no movimento operário. Resgatou o pensamento revolucionário de Marx e Engels, numa época em que predominava, no interior do movimento socialista internacional, a perspectiva reformista de Bernstein e outros revisionistas do marxismo, que criticavam a característica “partidária e tendenciosa” dos fundadores do materialismo histórico e buscavam transformar o socialismo científico numa ciência imparcial e neutra, a querer comprovar que a evolução humana,  submetida a “leis estabelecidas e confirmadas pela ciência social positiva”, levaria invariavelmente ao socialismo, fase “natural e espontânea, portanto inevitável e irrevogável” do desenvolvimento social[1].

Na II Internacional, fazia-se uma leitura positivista de Marx e Engels, na verdade uma domesticação política de suas ideias, pois toda a teoria da luta de classes e da necessidade da revolução para ultrapassar o capitalismo fora esquecida. As teses de Bernstein contaminavam os círculos socialistas com a análise de que o avanço do capitalismo, na virada do século XIX para o século XX, trazia como características a capacidade do sistema de resistir às crises periódicas, o crescimento das camadas médias (na contraposição à tendência de pauperização da sociedade, apontada por Marx) e as transformações políticas no sentido da democratização, com a conquista do sufrágio universal. Tais mudanças desmentiriam as teses clássicas de luta pelo poder centradas na insurreição e na revolução violenta. A transição para o socialismo viria do próprio desenvolvimento econômico e social capitalista, com seus reflexos na ampliação dos espaços políticos (eleições e parlamento), desde que os socialistas soubessem utilizar de forma inteligente estes espaços.

A trajetória política de Lênin é a de uma precoce identificação com a visão revolucionária de mundo, impulsionada pelas violentas contradições da sociedade russa de seu tempo de juventude. Logo cedo (aos 17 anos, em 1887), entrou em contato com as obras de Marx e Engels. Antes disso, já participava das lutas contra a autocracia czarista na Rússia, desde o enforcamento de seu irmão mais velho, Alexandre Ulianov, por conspiração em um atentado terrorista contra o Czar, mesmo período em que tomou conhecimento das obras do marxista russo Plekhanov. Em 1892, traduziu o Manifesto do Partido Comunista para o russo. Três anos depois, em São Petersburgo, ajudava a criar a Liga da Luta pela Emancipação da Classe Operária e, depois, foi preso e exilado na Sibéria.

Ao final do exílio, foi viver em Munique (1900-1902), onde, ao lado de Martov, fundou o jornal Iskra, publicação do Partido Operário Social Democrata Russo (POSDR), na qual passou a usar o pseudônimo de Lênin para assinar seus artigos. Morando em Londres (1902-1903), participou do 2º Congresso do POSDR, no qual liderou a ala bolchevique ("maioria" em russo) contra os mencheviques ("minoria"), antecipando a ruptura entre revolucionários e reformistas que ocorreria nos partidos socialdemocratas no momento de eclosão da Grande Guerra de 1914. Neste período produziu o livro Que Fazer? A organização como sujeito político, texto publicado inicialmente no Iskra para o combate militante às posições reformistas e revisionistas dominantes na II Internacional, debate este que mobilizou outros revolucionários na época, como Rosa Luxemburgo, autora do célebre Reforma ou Revolução? O livro de Lênin também cumpriu o objetivo de responder ao desafio colocado aos comunistas russos de como construir o instrumento político (o partido) necessário para realizar o projeto revolucionário no país dos czares.

Nesta obra, Lênin atacou o culto às ações espontâneas, asseverando que “a consciência socialista não brota espontaneamente das lutas do proletariado”. Somente uma organização revolucionária, formada por militantes profissionais e quadros de vanguarda forjados nas lutas operárias, poderia promover a ação consequente contra o regime do Czar e a ordem capitalista. O partido revolucionário devia assumir o papel de propagandista, agitador e organizador da luta proletária, assim como de educador, expondo a todos os trabalhadores e demais camadas populares os objetivos gerais do programa socialista. Criticou os métodos artesanais, a improvisação e a desorganização que grassavam entre os oposicionistas russos e, partindo do pressuposto segundo o qual a luta política, pelo seu grau de amplitude e complexidade, requer um trabalho diferenciado da luta sindical e das batalhas voltadas às reivindicações econômicas, defendeu uma organização formada por “homens cuja profissão é a ação revolucionária”. Em função das condições extremamente adversas para a luta política na Rússia daqueles anos, que impunha aos revolucionários a clandestinidade, era necessário um alto grau de centralização organizativa, com o cuidado de que os militantes não se afastassem das massas, nem que se abandonassem os princípios democráticos na condução dos debates internos. Por fim, Lênin postulava que, no Partido revolucionário, deveria desaparecer por completo toda distinção entre operários e intelectuais.

Após estadia em Genebra (1903-1905), Lênin retornou à Rússia para participar da Revolução de 1905. Foi um ano fértil na produção de textos que aprofundavam a vertente revolucionária e o combate ao reformismo, como Duas Táticas da Socialdemocracia na Revolução Democrática. No prólogo deste documento, Lênin apontava para a necessidade de fazer com que o “trabalho habitual, regular, corrente de todas as organizações e grupos do nosso partido, o trabalho de propaganda, agitação e organização” estivesse orientado no sentido de “fortalecer e ampliar a ligação com as massas”. O sucesso da revolução dependia, para além da correta avaliação do momento político e da correlação de forças no país, que fossem “justas as palavras de ordem táticas” – a fim de que se apoiassem na força real das massas – e que se desenvolvesse todo um esforço para “educar e organizar a classe operária”. Neste livro, Lênin travou intenso debate político com os mencheviques, para quem a hegemonia do processo deveria ficar com a burguesia liberal e não com a vanguarda proletária, pois a “direção e a participação hegemônica do proletariado” afastariam os representantes burgueses da luta contra o Czar, diminuindo a “amplitude da revolução”.

Contrapondo-se a esta visão reformista, Lênin afirmava que somente o proletariado tinha condições de atrair o apoio da massa camponesa e, assim, esmagar pela força a resistência da autocracia, ao mesmo tempo em que paralisaria a instabilidade da burguesia, marcada pela postura inconsequente no combate ao regime czarista. O ataque frontal à autocracia russa somente seria vitorioso, portanto, caso o proletariado assumisse o papel de dirigente da revolução popular e não de força auxiliar da burguesia no interior da revolução democrática. Mesmo reconhecendo que a derrubada do poder autocrático representaria, em última instância, o fortalecimento da dominação burguesa, Lênin entendia a importância da conquista da república democrática para que o proletariado e as organizações de vanguarda pudessem agir com um mínimo de liberdade e, com isso, iniciar a luta pela transição socialista. O movimento seguinte seria “levar a cabo a revolução socialista, atraindo a si a massa dos elementos semiproletários da população, a fim de quebrar pela força a resistência da burguesia e paralisar a instabilidade do campesinato e da pequena burguesia”[2].

Mas a classe operária não conquistou a hegemonia do processo de lutas e a correlação de forças em 1905 ainda era extremamente desfavorável às massas populares, apesar de ter representado uma rica experiência de lutas e das quais o maior saldo, para a organização dos trabalhadores, foi a criação dos Sovietes, os quais desempenhariam papel preponderante na Revolução de 1917. Após a derrota da revolução democrática, Lênin foi eleito presidente do POSDR, em 1906, mas foi novamente obrigado a se exilar por conta do massacre e da perseguição desenfreada aos militantes e organizações que se opunham ao governo do Czar. Somente em 1917 Lênin voltaria à Rússia.

Durante esse longo exílio, fez o balanço da Revolução de 1905 em artigos como As Lições da Insurreição de Moscou (agosto de 1906), no qual retrucava a posição de Plekhánov (que responsabilizara a radicalização do movimento pela derrota, afirmando que “não se devia ter pegado em armas”) com a avaliação de que uma das grandes conquistas da revolta popular – à custa de enormes sacrifícios – havia sido a passagem da greve política geral à insurreição, elevando o movimento a um nível superior de consciência. No momento de refluxo do movimento operário russo, o texto No Caminho (janeiro de 1909) reforçava a necessidade de um “trabalho prolongado de preparação de massas mais amplas”, com a criação de células do partido “em todas as esferas de atividade”, de comitês operários bolcheviques em cada empresa industrial, buscando sempre “um estreito contato com as massas”. Cada medida de organização deveria contribuir para a coesão da classe e para que o partido conquistasse, com a sua “influência ideológica”, o papel dirigente nas organizações proletárias.

No período, outros trabalhos de relevo foram publicados: Materialismo e Empiriocriticismo (1909), crítica a uma variante de idealismo, e Imperialismo, Fase Superior do Capitalismo (escrito em 1916), obra fundamental para a conceituação do capitalismo em sua fase monopolista e de domínio do capital financeiro, marcada pela exportação de capitais e pela partilha do planeta entre as nações de capitalismo avançado. Assim, era possível caracterizar a Primeira Guerra Mundial como expressão das disputas interimperialistas e como uma ação totalmente reacionária, contra a qual era preciso se posicionar firmemente, do ponto de vista do internacionalismo proletário e da revolução. Da análise acerca do caráter internacional da guerra imperialista era ainda possível deduzir que o capitalismo mundial havia alcançado o nível de amadurecimento necessário para a revolução socialista, ou seja, as condições objetivas estavam dadas. Era preciso fazer avançar as condições subjetivas.

A participação da Rússia na Grande Guerra provocou o acirramento das contradições no interior da sociedade, trazendo à tona novamente o movimento operário e camponês, com maior protagonismo dos Sovietes. Em fevereiro de 1917, as manifestações populares promoveram a queda do czar Nicolau II e tinha início o período do Governo Provisório, dirigido pela burguesia liberal, com apoio dos mencheviques e socialistas revolucionários (SRs ou “esseristas”), correntes reformistas que hegemonizavam os sovietes. Lênin consegue voltar à Rússia e anuncia que, derrubada a autocracia czarista e conquistada a revolução democrática burguesa, estava aberta a fase da luta pela conquista do Estado proletário, através da revolução socialista. Em Sobre as tarefas do proletariado na presente revolução (Teses de Abril), texto publicado no Pravda em 07 de abril de 1917, Lênin percebeu a oportunidade histórica de deflagração da revolução proletária a partir da mobilização popular em curso, mas provocou a reação de incredulidade de parte dos militantes socialistas russos, quando afirmou que a peculiaridade daquele momento consistia na transição da primeira etapa da revolução – “que deu poder à burguesia por faltar ao proletariado o grau necessário de consciência e organização” – para a segunda etapa, que deveria colocar o poder nas mãos do proletariado e das camadas pobres do campesinato. Lênin partia da avaliação de que, na maior parte dos sovietes, os bolcheviques estavam em minoria, o que exigia um paciente e firme trabalho de crítica ao governo e de esclarecimento junto às massas acerca da necessidade de que o poder passasse às mãos dos sovietes.

Nos meses anteriores à Revolução de Outubro, Lênin travou uma dura batalha ideológica contra os oportunistas e reformistas russos, representados centralmente pelos mencheviques e socialistas revolucionários, que recusavam a opção da revolução socialista e contentavam-se em ocupar cargos e ministérios no governo provisório dominado pela burguesia, latifundiários e imperialistas. Lênin, principalmente no mês de setembro, produziu textos de combate às vacilações e traições dos reformistas, mas também dirigidos a convencer parte do Partido Bolchevique, não totalmente crente das possibilidades objetivas da vitória revolucionária do proletariado. Nos textos publicados no período, tais como Uma das Questões Fundamentais da Revolução, Os Bolcheviques devem tomar o poder e Marxismo e Insurreição[3], Lênin deixava claro que o poder soviético significaria uma mudança radical no exercício do poder de Estado. Não bastava tomar o poder de assalto, algo que de fato foi facilitado pela degradação do Estado burguês em 1917, desgastado política e socialmente ao manter o país na guerra a qualquer preço, preferindo atender às necessidades dos imperialistas ingleses e franceses a fazer valer a vontade popular. O poder dos sovietes representaria a destruição de todo o velho aparato de Estado, com a sua consequente substituição por um aparelho novo e popular, verdadeiramente democrático, a ser controlado pela maioria organizada e armada do povo, dos operários, soldados e camponeses.

Entre maio e setembro de 1917, os acontecimentos e as lutas na Rússia haviam revertido o momento anterior de inferioridade bolchevique no interior dos sovietes das capitais, os quais passavam a pender para o lado dos revolucionários. Baseando-se ainda em escrito de Engels sobre a “arte da insurreição” (Revolução e Contrarrevolução na Alemanha, que, assinado por Marx, foi publicado no New York Daily Tribune em 1851 e 1852), Lênin afirmava categoricamente que a revolução estava na ordem do dia, pois, a partir dos eventos de julho e agosto de 1917, estavam dadas as condições objetivas e subjetivas para o sucesso da empreitada revolucionária. Lênin referia-se às jornadas de julho e à “kornilovada”. As manifestações de julho foram desencadeadas por um movimento de soldados, marinheiros e operários, enfurecidos contra o governo provisório e suas ordens militares, notoriamente infrutíferas e irresponsáveis. As demonstrações de massa ocorreram em Petrogrado, e os manifestantes gritaram as palavras de ordem dos bolcheviques, como “todo o poder aos Sovietes”, exigindo que a direção máxima dos Sovietes assumisse o poder, o que foi negado pelo Comitê Executivo Central, dominado por socialistas revolucionários e mencheviques. O movimento foi massacrado pelo governo provisório, que atacou o Partido Bolchevique, empastelando seus jornais e gráficas e mandando prender as lideranças operárias. No episódio da ação contrarrevolucionária liderada pelo general czarista Kornilov, em agosto de 1917, o governo provisório, sob comando de Kerenski, adotou postura ambígua, ao insuflar inicialmente a revolta, para se ver livre dos bolcheviques. Mas foram estes que enfrentaram decisivamente a tentativa de golpe de Kornilov e continuaram a denunciar o governo provisório e seus cúmplices socialistas revolucionários e mencheviques. A kornilovada foi liquidada pelos operários e camponeses liderados pelo Partido Bolchevique.

Lênin, então, percebia que, após estes dois grandes acontecimentos históricos, as massas haviam vivenciado experiências decisivas no enfrentamento aos seus inimigos de classe, e era cada vez mais evidente o desmascaramento dos reformistas e oportunistas, que, ocupando ministérios no governo provisório, assumiam na prática a defesa dos interesses burgueses. Lênin enfatizava que, por tudo isso, a batalha pela hegemonia no interior dos Sovietes estava sendo ganha pelos bolcheviques. E dizia que, naquele exato momento histórico, existiam as condições objetivas e subjetivas para a tomada do poder, pois “temos a nosso favor a maioria da classe que é a vanguarda da revolução, a vanguarda do povo, capaz de arrastar as massas”. Não há dúvidas de que, por meio da leitura desses textos, podemos concluir que, para Lênin, uma das questões centrais na luta e conquista do poder na Rússia foi a batalha ideológica travada no interior do Sovietes, para tirar da influência nefasta de mencheviques e esseristas as mais valorosas lideranças operárias e camponesas, as quais, sob a firme direção dos bolcheviques, comandaram a Revolução de Outubro. Portanto, a questão da hegemonia foi um aspecto central da vitória bolchevique em 1917, fato que, com certeza, se verificaria também nas demais revoluções socialistas do século XX.

Também é dessa fase imediatamente anterior à Revolução de Outubro o livro O Estado e a Revolução, escrito em agosto e setembro de 1917. Com base nos textos de Marx sobre as lutas de classes na França do século XIX e, em especial, sobre a Comuna de Paris, Lênin sistematizou as ideias do fundadores do materialismo histórico acerca do Estado capitalista e da ditadura do proletariado, reafirmando o caráter de classe do Estado e desmistificando o pensamento burguês segundo o qual a democracia política seria inerente à ordem fundada pelos liberais. Buscou atualizar os princípios teóricos marxistas sobre a questão do poder para aplicá-los na luta política em tempos de capitalismo monopolista e de imperialismo. Segundo seus prognósticos à época, estavam colocadas as condições para a revolução socialista mundial, pois o imperialismo, identificado por ele como “capitalismo parasitário ou em estado de decomposição”, um “capitalismo agonizante”, teria aberto a “era das revoluções proletárias”. A consolidação do capitalismo monopolista e do imperialismo havia representado, ainda, um retrocesso nas práticas democráticas conquistadas em vários países graças às intensas lutas operárias travadas ao longo do século XIX. Na perspectiva do líder bolchevique, o Estado convertia-se, então, num instrumento direto a serviço do grande capital, conforme aponta José Paulo Netto no texto Lênin e a instrumentalidade do Estado[4], análise esta que antecipava a apreensão sobre a tendência – hoje muito evidente – da completa incompatibilidade entre a ordem capitalista e a democracia política.

Esse tema seria revisitado quando da polêmica com Kautsky em 1918, em resposta a uma brochura do socialista austríaco intitulada Ditadura do Proletariado. Em A Revolução Proletária e o Renegado Kautsky, Lênin atacou frontalmente as ideias revisionistas daquele que, desde o período da Grande Guerra, havia migrado para posições reformistas, deturpando vários princípios teóricos do marxismo e tentando transformar Marx num “vulgar liberal”. Lênin refutava a mistificação de Kautsky em torno da democracia burguesa, ao falar de “democracia pura” na sociedade marcada pelo antagonismo de classe. Lembrando que mesmo a democracia burguesa mais avançada jamais deixará de lançar mão de seu aparato repressivo quando a burguesia se sente ameaçada pela mobilização dos trabalhadores, escrevia:

Não há Estado, nem mesmo o mais democrático, onde não haja escapatórias ou reservas nas constituições que assegurem à burguesia a possibilidade de lançar as tropas contra os operários, declarar o estado de guerra, etc, «em caso de violação da ordem», de fato em caso de «violação» pela classe explorada da sua situação de escrava e de tentativas de não se comportar como escrava. Kautsky embeleza desavergonhadamente a democracia burguesa, nada dizendo, por exemplo, daquilo que fazem os burgueses mais democráticos e republicanos na América ou na Suíça contra os operários em greve.[5]

Concluída a revolução socialista em outubro de 1917, Lênin liderou o governo bolchevique no enfrentamento à guerra civil incensada pelas forças reacionárias russas, apoiadas pelas nações imperialistas, até 1921. Em março de 1919 em Moscou, esteve à frente da fundação da Internacional Comunista, criada na perspectiva de se tornar uma “União Mundial das Repúblicas Socialistas Soviéticas” e de promover em todo o mundo a luta pela afirmação da ditadura do proletariado no lugar da democracia burguesa. Ultrapassado o período que ficou conhecido como “comunismo de guerra”, com a vitória das forças proletárias, Lênin comandou a recuperação econômica da Rússia, implantando a NEP (Nova Política Econômica), através da qual medidas capitalistas foram utilizadas para suplantar o enorme atraso estrutural em que se encontrava o país e para estabelecer as bases necessárias à construção da nova sociedade socialista.

No III Congresso da IC, realizado em 1921, com base em seu texto Esquerdismo, doença infantil do comunismo, Lênin passava a reconhecer que a onda revolucionária havia regredido, centralmente na Europa, daí a necessidade de um trabalho dos comunistas no interior dos sindicatos dominados por direções reacionárias, além da participação nas eleições instituídas pelo calendário político democrático-burguês, tendo em vista a conquista de cadeiras, pelo movimento operário, nos parlamentos dos países capitalistas. Lênin percebia que os partidos comunistas fora da Rússia Soviética tinham pequena inserção junto às massas e insistiam em adotar táticas revolucionárias calcadas na experiência dos bolcheviques, as quais não demonstravam ser adequadas à realidade social, econômica e política do ocidente capitalista. Lembrava Lênin que os bolcheviques necessitaram de quinze anos para se preparar como uma força política organizada para a conquista do poder na Rússia, afirmando que a vitória sobre a burguesia seria impossível sem uma “guerra prolongada, tenaz, desesperada, de vida ou de morte; uma guerra que exige tenacidade, disciplina, firmeza, inflexibilidade e unidade de vontade”. Afinal, tratava-se de enfrentar um poder que não residia apenas na força do capital e na solidez das suas relações internacionais, mas igualmente na “força do costume, na força da pequena produção[6]. O dirigente bolchevique indicava a necessidade de uma revolução que fosse também capaz de promover transformações de ordem moral e cultural para vencer a ideologia do capitalismo.

Morto aos 53 anos, em 21 de janeiro de 1924, após acidentes vasculares decorrentes de uma saúde debilitada por vários anos de intensa dedicação ao trabalho revolucionário, Lênin deixou um legado político que provocou a reação raivosa da burguesia e da socialdemocracia, que sempre buscaram demonizá-lo e tudo o que ele representa. Em contrapartida, para os revolucionários e trabalhadores conscientes da necessidade de substituir a ordem capitalista e pelo socialismo, há a certeza de que seu pensamento mantém-se como um guia indispensável para a ação transformadora. Nos dias de hoje, em que ficam cada vez mais evidentes a incompatibilidade do capitalismo com a democracia (fato particularmente visível no Brasil de janeiro de 2014, quando o governo democrático petista acaba de baixar uma portaria em defesa da Lei e da Ordem, pela qual deixa claro que o aparato repressivo do Estado será usado contra as manifestações populares) e a impossibilidade de realizar qualquer reforma no interior do sistema que não seja em favor da própria burguesia, os trabalhadores continuarão encontrando no marxismo revolucionário de Lênin o indicativo preciso da união da teoria com a prática, para a organização das lutas de resistência e enfrentamento aos imperativos do capital, com vistas à construção da alternativa socialista, no rumo do comunismo.




[1] Conferir o texto de Michael Löwy “Marxismo e Positivismo no pensamento da Segunda Internacional” em As Aventuras de Karl Marx contra o Barão de Münchhausen: marxismo e positivismo na sociologia do conhecimento, Cortez Editora, 6ª edição, p. 117.
[2] V. I. Lênin – Duas Táticas da Socialdemocracia na Revolução Democrática, Lisboa, Editorial Avante!, 1978, p. 98.
[3] Estes textos foram reunidos por Slavoj Zizek no livro Às Portas da Revolução: escritos de Lênin de 1917, São Paulo, Boitempo Editorial, 2005. Também encontram-se disponíveis na página da Fundação Dinarco Reis (http://pcb.org.br/fdr), em Biblioteca Comunista.
[4] Ver Netto, José Paulo – Marxismo Impenitente: contribuição à história das ideias marxistas, São Paulo, Cortez Editora, 2004, pp. 109-138.
[5] Lênin – A Revolução Proletária e o Renegado Kautsky em http://www.marxists.org/portugues/lenin/1918/renegado/cap02.htm.
[6] ____ - Esquerdismo, Doença Infantil do Comunismo em http://www.marxists.org/portugues/lenin/1920/esquerdismo/index.htm.





terça-feira, 21 de janeiro de 2014

O golpe de Estado contra João Goulart.

     A reunião em que Kennedy decidiu o golpe militar contra Goulart

 

21 de janeiro de 2014


Neste 22 de janeiro de 2014, ano que marca o primeiro cinquentenário do Golpe de 64 e data em que Leonel Brizola completaria 92 anos de idade, cabe uma reflexão sobre o papel exato que teve o presidente John Kennedy em recorrer aos militares para depor o presidente João Goulart.
Está tudo documentado e postado na internet, pelo Miller Center of Public Affairs, da Universidade de Virgínia. creio que há mais de 10 anos. No meu livro El Caudillo Leonel Brizola, editado pela Aquariana, em 2008, eu traduzo a transcrição que peguei pelo site do Miller, daquela reunião determinante. ocorrida na Casa Branca, em 30 de agosto de 1963 e também postada em meu blog cafenapolitica.com.br, em 15 de dezembro daquele ano.
Dessa reunião participaram além de Kennedy e do embaixador no Brasil Lincoln Gordon, o subsecretário de Estado para Assuntos Interamericanos, Richard Goodwin e o assessor especial para Assuntos de Segurança Nacional, McGeorge Bundy
Brizola, considerado o grande empecilho na aproximação com Goulart, é citado oito vezes nos diálogos.
Não sei por que tanto frenesi em torno da primazia desta informação, desatado com a publicidade do relançamento da quadrilogia do jornalista Élio Gáspari sobre a ditadura. Talvez porque a matéria respectiva da Folha afirme que "a informação é uma das novidades da reedição de "A Ditadura Envergonhada", primeiro volume da série de Gaspari". O economista Luiz Gonzaga Belluzzo rebateu, no artigo "Que revelação é essa?", a suposta na novidade, na Carta Capital, no que foi respaldado pelo editor Mino Carta, num vídeo postado no site da revista.
O que importa, porém, é o fato de o presidente americano ter comandado pessoalmente, na sede daquilo que é projetado como a maior democracia do mundo, uma reunião golpista e subversiva, sob todos os pontos de vista, para depor pela força bruta o presidente constitucional do Brasil. Nesta reunião, foi traçado um esboço de plano do golpe, que começaria com a mudança do adido militar, cargo para o qual foi logo designado o então coronel Vernon (Dick) Walters, adido na Itália. Sua principal credencial: falava português e era amigo do general Castello Branco (primeiro presidente da ditadura de 64), quem tinha conhecido em plena II Guerra Mundial, nos campos italianos.
Vejamos só este trecho da reunião, para termos uma dimensão da conspirata:

Presidente Kennedy: O que temos de fazer para chegar aos militares…
Goodwin: Acho que temos de fortalecer nossas relações com os militares, precisamos deixar isso bem claro para eles. Talvez McNamara (Secretário de Defesa) tenha de rever o pessoal que tem lá e vê se ele pode (ininteligível).
Lincoln Gordon: Bom, nós precisamos e precisamos mesmo de um novo adido militar.
Goodwin: Então, o que mais…
Gordon: O Exército é muito… é … a mais importante das três forças. Este é o homem-chave no nosso relacionamento.
Presidente Kennedy: E nosso homem lá (o adido), ele é bom?
Gordon: Nosso homem atual… ele é legal, mas é muito burro. Eu falei com o general (ininteligível) sobre isso…
(...)
Presidente Kennedy – Há alguém que já tenha estado lá antes, que tenha boas relações e pode ser mandado de volta?
Goodwin: Que tal este (cara) do Eisenhower (ininteligível)?
Gordon: Dick Walters?
Goodwin: Sim.
Gordon: Ele está em Roma.
Presidente Kennedy: E ele sabe alguma coisa de português?
Goodwin: Ele fala português fluentemente.
Gordon: Ele fala português fluentemente. É excelente e ainda tem um grande feeling político.
Goodwin: Ele era o intérprete de Eisenhower (durante a guerra) lá, não era?
Gordon: Sim. Ele seria maravilhoso. Ele era…
Presidente Kennedy: Então, o que vamos fazer ? Eu digo, quem vamos escolher? Nós temos que mandar para lá alguém que possa estabelecer ligações muito rápidas… e tem de falar em português.
Goodwin: Por que não falamos com o Ros Gilpatric2 ou alguém…
Presidente Kennedy: Ótimo, mas isto tem de ser feito hoje.
ÍNTEGRA

Daí a importância de reproduzir o trecho de El Caudillo, na página 187, Na verdade, esta é a primeira das gravações que o Presidente John Kennedy mandava fazer das conversas e despachos que tinha com seus interlocutores, no chamado Oval Office:

"Naquela conversa, ocorrida entre 11h55m e 12h20m, de 30 de julho de 1962, na presença do subsecretário de Estado para Assuntos Interamericanos, Richard Goodwin e do assessor especial para Assuntos de Segurança Nacional, McGeorge Bundy, travou-se o seguinte diálogo entre o embaixador americano no Brasil, Lincoln Gordon, que tinha vindo a Washington relatar a conversa pessoal que havia tido com o presidente João Goulart, no último dia 23 de julho, em Brasília:
Reunião sobre o Brasil
Kennedy começou a gravar quando o embaixador Gordon descrevia sua reunião de 23 de julho com o Presidente Goulart.
Lincoln Gordon – …(ininteligível) nós ainda estamos muito bem, em termos pessoais, o que é muito bom. E ele me parece muito franco. Tivemos uma conversa na segunda-feira sobre seu partido (o PTB). Eu disse que teria de explicar a várias pessoas, inclusive ao senhor (Kennedy), como é que o novo ministro de Relações Exteriores diz que a Aliança pra o Progresso é uma coisa maravilhosa, enquanto a estratégia política do partido, vem sendo conduzida pelo seu cunhado (Leonel), um cara jovem da extrema esquerda do Partido Trabalhista; e (Francisco) San Tiago Dantas, que se bandeou para a extrema esquerda desde que o senhor o viu (na viagem de Goulart aos EU, em abril de 1962), com uma posição marcadamente antiamericana e anti-Aliança para o Progresso, em sua plataforma.
Presidente Kennedy – Eles se declaram como anti ou (isso é entendido) de uma forma indireta?
Lincoln Gordon – As falas de Brizola, na essência, são muito ruins. Uma atrás da outra na televisão… muito dinheiro. Quando começou, combatia apenas as empresas americanas. Agora, se voltou contra o governo dos Estados Unidos, dizendo que o senhor está no bolso dessas empresas. Eu ainda não fui atacado, pessoalmente, mas espero que isso ocorra nestes dias. Mas é certo. (Ele diz coisas como) Os Estados Unidos estão sugando o país, as empresas americanas estão drenando o país. Nós somos os responsáveis pelo atraso no desenvolvimento brasileiro. Eles são uma colônia dos Estados Unidos . Nós somos responsáveis pela mortalidade infantil e tudo o que é de ruim que ocorre debaixo do sol. Tudo… muito irracional e altamente emocional. (ininteligível)
Agora, a resposta de Goulart para isso é que a esquerda representa apenas 30% do Partido Trabalhista: “Eu realmente simpatizo é com os 70% , que são muito mais moderados. Esta é minha posição pessoal. Mas, no momento, estou entre essas duas correntes porque os conservadores do país são todos contra mim e eu preciso da esquerda como minha tropa de choque contra a maioria parlamentar.
Esta é a posição de Goulart até à eleição (de 1962). Não sei que diabo ele vai fazer se obtiver mais poderes. Ele quer desesperadamente ter mais poderes. Nesta conversa de uma hora e meia, ele parecia um disco de vitrola: ia e voltava 20 vezes para dizer que o Parlamentarismo não é bom.
Presidente Kennedy – Acho que isso seja verdade, não? Ele não tem nada a fazer com (um) partido.
Gordon – Ele tem uma influência tremenda.
Presidente Kenendy – Sim.
Gordon – Se ele quisesse trabalhar com o gabinete (o ministério), poderia funcionar. Mas ele não quer trabalhar dessa maneira. Isto está claro, está nítido.
Presidente Kennedy – Você acha que ele mesmo sabe o que quer? Ou é apenas uma questão de ele navegar nas ondas? Ou ele tem algum objetivo, um objetivo de longo alcance?
Gordon – Não acho que ele tenha qualquer objetivo de grande alcance. Não, acho que ele quer é mais poderes.
Presdiente Kennedy – Salles (Walter Moreira Salles, ex-embaixador em Washington e considerado pro-americano), ele é o (novo) ministro da fazenda?
Gordon – Ele aceitou. Aceitou
.
Presidente Kennedy – Ele vem aqui para nos ver.
Gordon – Não sei.
Presidente Kennedy – Temos algum novo acordo financeiro que devemos..
Gordon – Temos discutido isto nos últimos dois dias. Eu vi o Salles no domingo, enquanto ele estava se decidindo.
Presidente Kennedy – Você lhe disse todas essas coisas que me disse?
Gordon – Oh, claro, sim. Não tem nenhum problema onde ele se posicione..
Presidente Kennedy – Sim, mas quer dizer o fato de que nós não podermos – você sabe, mandar estes caras para nos ver, eles são razoáveis e é claro que nos entendemos, mas depois eles caem…
Gordon – Bom, ele perguntou…
Presidente Kennedy – …
Gordon – Bom, ele disse que estava impondo umas condições para aceitar (o cargo de ministro da Fazenda),um programa anti-inflacionário bem vigoroso. E ele disse: “Se eu realmente realizar isso (o programa), e minhas condições forem aceitas, você acha que haverá alguma chance de os americanos apoiá-lo? E eu respondi: “Em face do que ocorreu nos últimos dois meses, eu acho que ele (o Presidente Kennedy) iria gostar, mas desta vez tem de haver algum resultado. E ele disse: “Uma promessa é só… não vai convencer a alguém?
Meu feeling diz que devemos prosseguir na assistência à estabilização, evitando que seja suspensa. Mas para para impulsionar certos projetos, que poderiam ser divulgados, que poderiam tornar-se em manifestações concretas da Aliança para o Progresso.
O único problema com a estabilização financeira é que, você sabe, (é) que nós não conseguimos nenhum crédito para ele…
Presidente Kennedy – Correto.
Gordon – …exceto com um punhado de banqueiros e economistas…
Presidente Kennedy – Correto, eu acho que devemos esquecer isso.
Gordon – .. e …
Presidente Kennedy – Temos alguma assistência de estabilização para encaminhar?
Gordon – Restam cerca de 90 bilhões do pacote aqui negociado.
Presidente Kennedy – E quanto nós lhes demos nos últimos 12 meses?
Gordon – Bom, nós liberamos – o total foi de 328. Então nós liberamos… qual a diferença disso?
Presidente Kennedy – Duzentos milhões. Simplesmente desapareceu?
Gordon – Exato. Exatamente. E neste momento, tanto o suporte para o balanço de pagamento como o suporte orçamentário é como água no ralo. Quer dizer, eles têm mais ou menos…
Presidente Kennedy – (Ininteligível) Nós o congelamos? Quer dizer,não vamos entregá-lo agora? Devemos tomar alguma medida para impedir algum outro?
Gordon – Sim, claro. Pouco antes que o presidente (Goulart) veio em abril, liberamos 30 milhões mais ou menos, dependendo do desempenho ou dos desempenhos das fábricas. Têm sido altamente negativo.
Um dos projetos, (no) nordeste, por exemplo, acho que devemos ajudar. Há alguns governadores, como o do Rio Grande do Norte. Não sei se ele viu o senhor. Aluísio Alves, mas ele encontrou-se com to mundo aqui. Ele estava por aqui há cerca de três semanas. É um grande cara.
Presidente Kennedy – Esse é o Vicento – isto nã oé o Rio, é?
Gordon – É um pequeno estado do nordeste.
Presidente Kennedy – Entendo. Não,não o vi.
Gordon – Este é um pequeno estado do nordeste. Ele é um rapaz de 40 anos, cheio de energia, não é demagogo, honesto. Ele é…
Presidente Kennedy – Qual é a força dos comunistas lá?
Gordon – como partido, é fraco.
Presidente Kennedy – MAS ELES ESTÃO SE APROVEITANDO…
Gordon – (Ininteligível) Nós como…
Presidente Kennedy – Mas agora eles acabam de assumir grande parte da esquerda?
Gordon – Eles assumiram muita coisa na esquerda. E estão em alguns postos-chave e têmorganizado…
Presidente Kennedy – O Goulart lhes dá amparo?
Gordon – Ele os abriga tantono governo comonos sindicatos.
Richard Goodwin – E eles não…
Gordon – (Ininteligível) nos sindicatos sob disfarce, mas talvez ainda mais.
Goodwin – E eles estão aliados aos nacionalistas numa porção de áreas importantes, que não são comunistas propriamente ditas mas que têm objetivos mútuos nesta altura.
Presidente Kennedy – Acabei de ler alguma coisa sobre isso no Washington Post agora de manhã, alguns estudantes em visit…
Gordon – Sei.
Presidente Kennedy – … sobre… o motivo era… em outras palavras…
Goron – Bem, há…(resmungos).
Presidente Kennedy – O que?
Gordon – Tem um grupo de estudantes em visita aqui.
Goodwin – É isto mesmo.
Gordon – É este mesmo? Não vi a reportagem do Post. Eles estão fazendo uma tour na Casa Branca amanhãpela manhã, entre 09:15 e 09:50 hs.E eu gostaria muito que o senhor lhes desse uns cinco minutos, apenas para um aperto (de mãos)..
Presidente Kennedy – Quem são eles?
Gordon – São 70 estudantes de quatro diferentes Estados. Eles foram recrutados por uma senhoramuito ativa, Mildred Sage, uma bostoniana, que foi casada com um homem de negócios americano. Ela levantou 90 por cento do dinheir,em grande parte entre comunidade americana de negócios de lá, os outros 10 por cento vieram do Departamento de Estado. Eles estiveram em Harvard duranet duas semanas.Formam um grupo de tendências variadas, desde uma formação fortemente democrática, pró-americana até outra quase comunista, altamente nacionalista, mas anti-americano. Sage os reuniu todos.
Estive com eles no sábado,na hora do almoço, falando sobre (ininteligível), por uma hora e meia,perguntando-lhes como tinha sido sua passagem por Harvard. Eles responderam: Muito bem. Aprendemosmuito, e não fomos propagandizados.
Acho que é bom. Acho que fizemos algum progresso com eles. Eles vão se encontrar com Ted (moscoso) esta tarde, durante uma hora e meia ecomum pessoal de apoio regional.Eles estão reunidos com o HEW agora de manhã e vão estar com o Departamento de Estado amanhã à tarde. Então decidiram que nós (ininteligível) às daus da tarde. Mas acho que o senor poderia sair e rebê-los no Jardim Rosado.
Presidente Kennedy – Tudo bem, se você puder providenciar isso. Diga-me qual é sua reclamação contra os negócios americanos. Há alguma reclamaçãolegítima?
Gordon – Não, nenhuma significativa.O mito que tomou corpo é que a remessa de lucros está drenando a economia brasileira. Isso é mito puro. Há uma docmuentação brasileira e nossa também (e torno disso).
Presidente Kennedy – Quanto a gente tira por ano?
Gordon – Nós tiramos, oficialmente, algo em torno de 40 milhões de dólares e deve haver alguns lucros disfarçados, alcançando um máximo de outros 20. O total de 60 não é só nosso, americano, mas de todos os investidores estrangeiros. Temos talvez 60% disso.
Presidente Kennedy – Bom, em outros palavras,nós estamos tendo uma retirada de 30 milhões de dólares por ano?
Gordon – (Ininteligível) Não, na verdade…
Presidente Kennedy – Na verdade,nós estamos investindo…
Gordon – Na verdade isso é ninharia,o senhor vê…
Goodwin – Mesmo os investimentos privados estão investindo nesse nível?
Gordon – Agora, eles têm… alguém me entregou esses dados,hoje de manhã.
Presidente Kennedy – Bom, o que acontece quando esses são enfatizados? Ninguémos enfatiza?
Gordon – Sim, a gente os enfatiza…
Presidente Kennedy – Você quer dizer que os investidores privados estão investindo quase este montante:além disso nós investimos em ajuda e todas essas coisas, e ainda compramos o café deles.
Gordon – Muitas dessas pessoas ou não acreditam nestes dados ou ele s não são enfatizados de maneira suficiente e eficaz.Isto é algo que vamos ter de cuidar nos briefings (comunicados) durante esta semana – para tratar disto (ininteligível)
Presidente Kennedy – Com quem – comunicar a quem?
Gordon – Bem, issto estaria com a AID e o Estado (Departamento de Estado).
Presidente Kennedy – Mas eu me refiro, não podemos contar com todos?
Gordon – A estes estudantes, quer dizer, estes estudantes…
Presidente Kennedy – Sim, mas eles são apenas..
Gordon – Eu sei…
Presidente Kennedy – Eles são apenas uma fração.Mas eu pergunto, há alguém lá que vá se incomodar empropagar esses dados?
Gordon – Bom…
Presidente Kennedy – O que os Estados Unidos deram em ajuda nos últimos dois anos; os lucros que foram auferidos são tão grandes; o total de compras feitas pelos Estados Unidos…
Gordon – Isto foi feito de formamuito eficaz pelo relatório à Comissão Conjunta do Senado e da Câmara brasileiros sobre esse projeto remessas de lucros, mas eles (ininteligível. Mas esses caras vão dizer: “Bom, você sabe, ele é instrumento dos truts (multinacionais). Ele é um reacionário. Ele é..Tem um senador do Rio Grande do Sul… Brizola e…
Presidente Kennedy – Qual é o cargo de Brizola agora?
Gordon – Ele é aina governador. Vai ser governador até janeiro. E está concorredo à Câmara pela Guanabara…
Presidente Kennedy – Bom, nós temosdito quese eles quiserem comprar (as companhias americanas de serviço público)… Que percentagem do investimento americano (local) há (no) (uma observação ininteligível de Gordon).
Gordon – Não que (ininteligível).
de serviço público)Eles não têm feito nada para comprar essas companhias, não?
Gorodon – Não, eu falei comeles sobre o assunto semana passada quando o govero começou as reuniões (ininteligível) com o grupo American Foreign Power Company, (ininteligível), omaior, que temuma nova proposta (ininteligível) para discutir.
Goulart acha que tem um compromisso pessoal como senhor a este respeito.
E ele diz que vai se esforçar para isso. E acho que há uma chance de que ele possa conseguir.Tudo o que fizeram foi criar essa comissão, que deve negociar o tratadoe fetivo, mas, na verdade, eles nunca dão prosseguimento. Tem havido muito pouca açãoem torno disso, pelo menos desde (ininteligível) as conversas de abril. Isto é …
Presdiente Kennedy – Há muito desestímulo no Brasil entrre osmdoerados?
Gordon, Ah eles não estão desestimulados ao ponto de desistirem. Eles estãomuito insatisfeitos. A forma com que esta crise política foi administarada foi extremaente ruim.
Agora, um cara como Aluízio Alves quer organizar um centro forte, umcentro ligeiramente de centro esquerda. E acho que a gente tem de dar todo apoio a esta iniciativa.
(Seis minutos cortados como informação classificada)
Gordon – Nós examinamos bem isso antes deminha viagem. Achoque ele ficou mais importante. Houve um curto período quando éramos um tanto complacentes. Já passamos disso. Não podemos mais nos dar ao luxo de sermos complacentes. Acho que temos de fazer mais e acho que devemos fazer mais com um pouco menos de preocupação com possíveis desgastes ou controle.Os rapazes têm um pouco da filosofia do GAO (General Accounting Office). O senhor sabe que eles querem saber se seu dinheiro está sendo gasto devidamente. Bom, istoé um bom preconceito para ter, mas só temos dois meses na frente. Temos esta organização chamada IPES, por exemplo,que é progressista (ininteligível) e precisa alguma ajuda financeira; tem (ininteligível) apoio e achoque temos de ajudá-los. Não poderemos conseguir uma prestação de contas detalhada das retiradas e como cada retirada, em particular, será gasta. Eu sóacho que nós não podemos correr riscos.
Voz não identificada (Unidentified) – Eu concordo com a substância…
Gordon – Nós temos…
Goodwin – Acho que a eleição vai ser mesmo o grande momento.o Linc a está comparando às eleições da Itália, em 1948 (quando uma operação americana impediu que o Partido Comunista assumisse o poder naquele país).
Presidente Kennedy – Eu sei. Bom, quanto vamos ter que colocar nisso?
Gordon – Ah isso é coisa de uns poucos milhões de dólares, digamos.
(sete segundos cortados como informação classificada)
Presidente Kennedy – Isto é muito dinheiro. Porque, você sabe, afinal,para uma campanha presidencial aqui você gasta cerca de 12. E nossos custos – pelos menos acho – que 8 milhões de dólares seria uma enorme quantidade de dinheiro para uma eleição.
Gordon – Correto.
Presidente Kennedy – (Ininteligível)
Gordon – É um cenário político incrivelmente complicado….
Presidente Kennedy – Bom, agora, isto está sendo mesmo dispendido, agora? Você vai em frente com isso?
(39 segundos cortados como informação classificada)
Presidente Kennedy – Bom, acho que agora não posso fazer nada com Goulart ali. Não tem nada…
Gordon – Bom, acho que tem. Este é o ponto importante da estratégia, em geral. Uma coisa que quero alertar é a possibilidade de uma ação militar. Esta é, esta é uma grande possibilidade nas cartas.
Presidente Kennedy – Agora, deixe-me perguntar – nós temos sido muito críticos da açãomilitar no Peru…
Gordon – (Ininteligível)
Presidente Kennedy – … o que é inteiramente diferente. Não podemos ser exatamente.. Os militares fizeram um excelente trabalho um ano atrás. Tudo depende das circunstâncias de uma ação militar.
Gordon – Eu acho,eu acho…
Presidente Kennedy – Em outras palavras, nós éramos contra ação militar na República Dominicana. Tínhamos nossas reservas em relação aos militares depois que eles prenderam Prado. Mas vamos recuar e reconhecê-los na próxima semana, ou esta semana; mas a questão é mesmo de como… qual nossa atitude emdireção ao que seria.
Goodwin – Bem, acho que o que deveríamos fazer… Este é um negócio muito difícil e temos que nos proteger muito cuidadosamente. Não acho que que queiramos estimular um golpe.
O que realmente queremos fazer com Goulart, acho, são duas coisas: queremos fazer uso do fato de que ele tem uma grande consideração com o senhor. E ele está muito orgulhoso que esta relação com os Estados Unidos (ininteligível) foi estabelecida. E há algumas coisas… Acho que nós conseguiremos em breve e finalmente (resolver) este caso da IT&T (observação ininteligível do Presidente Kenedy). Nós temos sua carta para Goulart. Faleicomele novamente na segunda-feira. Acho que vamos resolver aquilo. Espero que evitemos outras expropriações desta vez. Acho que podemos fazer algum progresso nesta cosia das companhias de serviço público. Istoémuito negativo,mas acho que devemos trabalhar o mais que pudermos.
A principal coisa é ao mesmo tempo, organizar as forças que são tanto políticas como militares para, ou reduzir o seu poder…num caso extremo afastá-lo, se for preciso. Isto dependeria de uma ação aberta de sua parte. Ele está jogando que está bem preparado (ininteligível).
Goodwin – Ele mudou muitos comandantes,comandantes militares nas guarnições?
Gordon – Ele mudou um certo número e está ameaçando mudar outros. Até que ponto ele vai nessas mudanças vai depender um pouco da resistência dos militares.
Acho que um das nossas tarefas importantes é de fortalecer a espinha dosmilitares. Para falar claro, discretamente, que não somos necessariamente hostis a qualquer tipo demilitar ou coisa que o valha se ficar claro que o motivopara a açãomilitar for…
Presidente Kennedy – Contra a esquerda?
Gordon – … Ele está entregando o maldito país para …
Presidente Kennedy – Os comunistas.
Gordon – Exatamente. E há muitas provas de que Goulart, querendo ou não querendo, tem sido (ininteligível) isso.
Há algumas semanas logo depois da derrota de Dantas (San Thiago Dantas para primeiro ministro) no Congresso,ele (Goulart) tinha um plano específico, que contou ao Kubitsheck. Kubitsheck me disse em primeira mão. Um plano para nomear um gabinete (ministério) só seu sem (ouvir) o primeiro ministro. Ele disse ao Congresso que esperaria que o Congresso ratificasdse (isso), mas esperava que o Congresso,que vai ser eleito em outubro, o faria .E convocar um plebiscito agora para fazer retornar o regime presidencial em outubro.
O Kubitsheck levou esta (informação) a 30 altos oficiais militares e eles lhe disseram, unanimemente, que isto seria inconstitucional e se Goulart tentar, eles se oporiam a ele. Ele perguntou se poderia dizer aquilo a Goulart. Eles todos responderam sim e alguns disseram: “Bom, seria melhor assinar nossos nomes num manifesto”. E ele voltou a Goulart e Goulart desistiu.
O senhor vê o tipo de coisa. Isto é… ele estápensando ativamente num tipo de golpe branco, como eles dizem. E se os militares estão temerosos… se eles sentirem que não há nenhum apoio emalgum lugar, dentro ou fora, especialmente fora – o que significa nós – se eles agirem, então eles.. Eles estavam,medisseram.. Infelizmente, eu estava doente de cama na semana anterior e só agora gradativamente voltando à forma.
Presidente Kennedy – Sim.
Gordon – … esta semana antes de eu vir para cá na quarta-feira, consegui ver Goulart eo novo ministro do exterior e o primeiro ministro na terça-feira e Walter Moreira Salles no domingo.
(11 segundos cortados como informação classificada)
Gordon – Os militares, eu vejo que eles nos são muito simpáticos; muito anti-comunistas, muito desconfiados de Goulart. E eles expressaram grande surpresa quanto à nossa posição no Peru.
Bom, posso explicar a eles o que são as circunstâncias políticas. Acho que é importante que deixemos claro a esta gente amiga, aqueles que nós realmente sabemos que sãoamigos…
Presidente Kennedy – Mas pelo…
Gordon – Aquele caso do Peru não é necessário…
Presidente Kennedy – Sim,mas nesta semana eu vou voltar atrás e reconhecer o governo peruano.
Goodwin – Bom, acho que… contanto que eles entendam que a açãomilitar é para salvar a legalidade…
Presidente Kennedy – (grunidos)
Goodwin- … está bem. Então,acho que esta é a razão pela qual não poderemos realizar a reunião da OEA pois isto iria desencorajar os militares. Se você começar a reunir todos esses países juntos e..
Presidente Kennedy – Sim.
Godwin – … aprovando resoluções contra…
Presidente Kennedy – Isto é o que quero dizer hoje a esta (ininteligível).
Goodwin – Porque nós podemosmuito bemquerer que eles (os militares brasileiros) que assumar até o fim do ano, se eles puderem.
Gordon – Nós temos aquela frente militar. E acho que sua função é primeiramente manter Goulart nos eixos..
Presidente Kennedy – Que tipo de ligação nós temos com temos com osmilitares>
Gordon – Bem, é muito boa.
Os militares não estão unidos, o que faz complicar as coisas. Há uns poucos oficiais que são francamente de esquerda, incluindo uns poucos em altas posições: o comandante do I Exército, que fica no Rio de Janeiro… um cara muito perigoso. Goulart brincou com a idéia de fazê-lo ministro da Guerra mas depois desisitiu porque houve muita (ininteligível).
Presidente Kennedy – Você acha que se Goulart tivesse poderes…
Você sabe, você pode ter essas brigas com o Congresso e usa qualquer coisa para seguir em frente. Você acha que se ele tivesse poderes, agiria? Ou isto é apenas uma tática?
Gordon – Acho que… tenho dúvidas de que seja, não acredito que o homem seja um comunista. Acho que ele provavelmente faria algo como… mais como (o antigo ditador Juan) Perón. Um tipo assim…
Presidente Kennedy – Ditador pessoal.
Gordon- … um tipo de ditador pessoal e populista.
Presidente Kennedy – Sim.
Goodwin – Eu, não … Acho que a gente tem de se lembrar que ele pode não ter um objetivo, mas Dantas tem um objetivo. E Brizola tem um objetivo e este objetivo não é peronista, no final pode ser nasserista ou titoista.E acho que a presença deles, que eles (têm), e a dominação intelectual que eles podem ter poderia sensibilizá-lo. Porque não tem.. se você for desempenhar um papel na cena mundial, você sabe, hoje em dia você não pode ser um Perón. Você tem de ir além e é isso o que eles querem.
Presidente Kennedy – Sim.
Goodwin – Não tenho dúvida..
Gordon – Eles querem isso. O Goulart não dá a mínima para política externa. Na verdade, ele está ….
Goodwin – Bom …
Gordon – … ele está interessado em (ininteligível)
Presidente Kennedy – Vaidade.
Goodwin – … bem, você sabe, ele é um homem grande vaidade e de desejopelo poder…
Presidente Kennedy – (Ininteligível)
Goodwin – Não, acho que há 80 por cento de chances que ele force para a esquerda com aqueles dois caras.
Gordon – Bom, eu não acredito que (ininteligível).
Goodwin – Ele não seria um ditador local, não ficaria satisfeito com (ininteligível)
Gordon – Há muitas chances de que eles o derrubem.
Presidente Kennedy – Dantas?
Gordon – Não, que eles tentariam derrubar Goulart em certas circunstâncias.
Presidente Kennedy – Sim, mas o Dantas é… Agora, o que devemos fazer? Acho que temos este problema de quanto podemos fazer contra Goulart e quanto tentaremos fazer com ele.
Gordon – Acho quenós temos de tentar…
Presidente Kennedy: O que temos de fazer para chegar aos militares…
Goodwin: Acho que temos de fortalecer nossas relações com os militares, precisamos deixar isso bem claro para eles. Talvez McNamara (Secretário de Defesa) tenha de rever o pessoal que tem lá e vê se ele pode (ininteligível).
Gordon: Bom, nós precisamos e precisamos mesmo de um novo adido militar.
Goodwin: Então, o que mais…
Gordon: O Exército é muito… é … a mais importante das três forças. Este é o homem-chave no nosso relacionamento.
Presidente Kennedy: E nosso homem lá (o adido), ele é bom?
Gordon: Nosso homem atual… ele é legal, mas é muito burro1. Eu falei com o general (ininteligível) sobre isso…
Presidente Kennedy – Mas é claro que não temos muitos caras que saibam falar português, não é?
Gordon: Bom, nós temos alguns por aí, não muitos. Mas acho que o McNamara…
Presidente Kennedy: Tudo bem. Agora vamos ao … Quando você está voltando para lá?
Dez segundos (da gravação) suprimidos por razões de segurança nacional
Gordon: Sim
Presidente Kennedy: Quando examinarmos isso antes de nós… então sabemos para onde vamos?
Gordon: Bom, o senhor tem a última…
Presidente Kennedy: Sobre este (adido) militar… Com quem é que você vai falar sobre a mudança do adido militar?
Gordon: Eu falei com o general (ininteligível)
Presidente Kennedy: Bom, adianta alguma coisa mudar um cara (o adido) se em três meses (provavelmente das eleições) você poderá… terá de.. ele poderá estabelecer essas ligações em três meses?
Gordon: Ah, sim…
Presidente Kennedy – Há alguém que já tenha estado lá antes, que tenha boas relações e pode ser mandado de volta?
Goodwin: Que tal este (cara) do Eisenhower (ininteligível)?
Gordon: Dick Walters?
Goodwin: Sim.
Gordon: Ele está em Roma.
Presidente Kennedy: E ele sabe alguma coisa de português?
Goodwin: Ele fala português fluentemente.
Gordon: Ele fala português fluentemente. É excelente e ainda tem um grande feeling político.
Goodwin: Ele era o intérprete de Eisenhower (durante a guerra) lá, não era?
Gordon: Sim. Ele seria maravilhoso. Ele era…
Presidente Kennedy: Então, o que vamos fazer ? Eu digo, quem vamos escolher? Nós temos que mandar para lá alguém que possa estabelecer ligações muito rápidas… e tem de falar em português.
Goodwin: Por que não falamos com o Ros Gilpatric2 ou alguém…
Presidente Kennedy: Ótimo, mas isto tem de ser feito hoje.
(Quinze segundos suprimidos como documento classificado).
Presidente Kennedy – Você diz que não é preciso que eu escreva ao Goulart novamente, para pedir-lhe alguma coisa?
Gordon – Não,não.
Goodwin – O senhor sabe, seu irmão esteve na reunião inicial que organizou este programa político. Foi basicamente a partir deste impulso que ele conseguiu avançar.
Presidente Kennedy: Bom, adianta alguma coisa mudar um cara (o adido) se em três meses (provavelmente das eleições) você poderá… terá de.. ele poderá estabelecer essas ligações em três meses?
Gordon: Ah, sim…
Presidente Kennedy – Há alguém que já tenha estado lá antes, que tenha boas relações e pode ser mandado de volta?
Goodwin: Que tal este (cara) do Eisenhower (ininteligível)?
Gordon: Dick Walters?
Goodwin: Sim.
Gordon: Ele está em Roma.
Presidente Kennedy: E ele sabe alguma coisa de português?
Goodwin: Ele fala português fluentemente.
Gordon: Ele fala português fluentemente. É excelente e ainda tem um grande feeling político.
Goodwin: Ele era o intérprete de Eisenhower (durante a guerra) lá, não era?
Gordon: Sim. Ele seria maravilhoso. Ele era…
Presidente Kennedy: Então, o que vamos fazer ? Eu digo, quem vamos escolher? Nós temos que mandar para lá alguém que possa estabelecer ligações muito rápidas… e tem de falar em português.
Goodwin: Por que não falamos com o Ros Gilpatric3 ou alguém…
Presidente Kennedy: Ótimo, mas isto tem de ser feito hoje.
Quinze segundos suprimidos como documento classificado.Sei.
Gordon – Agora.
Presidente Kennedy – Ele vai estar na reunião amanhã?
Goodwin – Pode ser uma boa idéia.
Presidente Kennedy – Você o avisaria?
Gordon – Tem um… tem dois outros pequenos problemas que eu tenho de resolver. O Kubitsheck escreveu ao senhor uma carta que tenho aqui.
Presidente Kennedy – Bom, ele está apoiando o Goulart?
Gordon – Não,não.
Presidente Kennedy – Ele está preocupado?
Gordon – Ele apoia… ele estápreocuado como diabo. Ele apóia o Goulart só quanto ao retorno dos poderes presidencaiis (ininteligível). Ele quer 1965. Ele gostaria de fazer alguma coisa para flexibilizar a Aliança para o Progresso.em termos de América Latina. Acho que devíamos estimulá-lo.
Esta carta diz muito pouco. (uma folha de papel é dobrada). Aqui está a tradução.O que definimos com Ed Martin é que ele vai falar com o Lleras Restrepo em Bogotá e vamos ver o Kubitsheck no rio… uma idéia para tentar pegar esta iniciativa. Foi escrita pelo Schmidt, claro, que sempre escreve essas cartas.
Goodwin – Sei.
Gordon – Ela não diz praticaente nada a não que isto não pode ser um programa técnico, precisa ter uma ênfase política e ele tem razão. Mas não diz como fazê-lo,
Acho que nós poderíamos aproveitar o Kubitsheck…
Goodwin – O senhor sabe… com a comissão de Ação Monnet.
Gordon – Sei.
...