terça-feira, 12 de janeiro de 2016

Biografia não autorizada resgata Vandré: "Muitos achavam que ele tinha morrido"

Biografia não autorizada resgata Vandré: "Muitos achavam que ele tinha morrido"

A história de um dos mais enigmáticos artistas brasileiros está sendo contada em uma das primeiras biografias não autorizadas publicadas após a decisão favorável do Supremo Tribunal Federal, em junho. Durante 10 anos, o jornalista Vitor Nuzzi investigou a vida reclusa do cantor e compositor paraibano Geraldo Vandré e reuniu tudo em “Geraldo Vandré – Uma Canção Interrompida”, lançado no último mês pela Editora Kuarup.
Recluso desde os anos 1970, Geraldo Vandré tem sua história contada em uma biografia não autorizada
Reprodução
Recluso desde os anos 1970, Geraldo Vandré tem sua história contada em uma biografia não autorizada
Fã declarado, Nuzzi investigava a vida de Vandré há 30 anos, mas a ideia de fazer o livro veio só em 2005 e por um motivo nobre: reviver o artista na memória dos brasileiros.
“Pensava que ele seria esquecido aos poucos. Muitas pessoas não lembravam dele, ele não aparecia, não lançava nada”, contou o jornalista ao iG sobre a vontade de contar a história do autor de clássicos como “Pra Não Dizer Que Não Falei Das Flores” e “Disparada”, hinos entoados durante a ditadura brasileira, nos anos 1960.
Entretanto, a proposta do paulistano não agradou o músico, que não quis colaborar com o projeto. “Ele disse que não tinha interesse, que se quisesse um livro, ele mesmo escreveria”, lembrou.
Apesar da negativa, ele nunca atrapalhou o trabalho do autor. “Ele nunca tentou impedir, só disse que não tinha interesse”, deixou claro Nuzzi.
A recusa do artista fez o projeto esbarrar na questão das biografias não autorizadas. O autor começou a escrever o livro na época em queRoberto Carlos conseguiu tirar de circulação sua biografia “Roberto Carlos em Detalhes”, escrita por Paulo Cesar de Araújo. O livro sobre Vandré só foi publicado por uma editora após a decisão do STF.
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Conhecido por "Pra Não Dizer Que Não Falei das Flores", Geraldo Vandré não lança nenhum disco desde os anos 1970. Foto: Reprodução
Sem a ajuda do principal personagem, Nuzzi intensificou o trabalho. Se não tinha Vandré contando a própria história, o jornalista recorreu a mais de 100 fontes para que eles remontassem a vida do artista, desde gente consagrada como Jair Rodrigues e Caetano Veloso a membros da família, passando por quem trabalhou no Festival Internacional da Canção de 1968, o evento que fez o músico ser conhecido nacionalmente.
Mitos pós-exílio
Em seu trabalho, o escritor buscou investigar mitos sobre a vida de Geraldo Vandré. O principal deles é sobre a volta do cantor ao Brasil, em 1973, após ter sido exilado, quando lançou apenas um disco e depois desistiu da música.
Capa do disco
Divulgação
Capa do disco "Geraldo Vandré", lançado originalmente em 2964
“O que me despertou a curiosidade sobre ele foi o porquê de ele nunca ter voltado como artista”, disse Nuzzi.
Em suas investigaçãoes, o jornalista descobriu que a família negociou com os militares para que o músico voltasse — e eles ainda forjaram uma entrevista exibida pelo Jornal Nacional. “A entrevista foi feita por policiais e ele foi orientado a dar uma declaração sobre não ter pertencido a nenhum grupo político”, contou o autor.
Mas a declaração não foi totalmente falsa. Apesar da música mais famosa de Geraldo Vandré ter sido uma das mais conhecidas canções de protesto contra a ditadura, Vitor Nuzzi defende que o cantor nunca foi engajado politicamente. “Ele sempre foi muito independente e ele mesmo declarava que a arte não podia ser panfleto, tinha que ser livre”, disse o escritor. “[A música dele] Era uma crônica da realidade, não era um hino contra as forças armadas. Mas naquela época, era 8 ou 80, e ele entrou na lista [de artistas perseguidos pela ditadura]”, explicou.
Amante da liberdade
Um dos objetivos de Nuzzi em “Uma Canção Interrompida” é mostrar um outro lado de Vandré e tirar o estigma de cantor de protesto. “Hoje eu vejo o Vandré como um artista livre e libertário, ele era um cantor das liberdades. Ele ficou marcado como um cantor de protesto, mas ele estaria contra qualquer regime totalitário. Ele é um amante da liberdade”, afirmou o jornalista.
Mas, o objetivo principal é fazer o recluso Vandré voltar a ser assunto. “Ele ficou esquecido na medida em que os discos não tocam, que você não vê a pessoa se apresentando”, disse o autor. “Muita gente achava até que ele tinha morrido, já que ele não aparece. Então a tendência é o esquecimento”, continuou.
Além de elucidar a história de Vandré, o livro de Nuzzi também abre caminho para novas biografias não autorizadas no Brasil. Depois de publicar a obra de maneira independente, só com 100 exemplares, o autor finalmente conseguiu um contrato com uma editora.
“Depois do julgamento do Supremo, as editoras se animaram e perderam o receio. É importante pela história, é mais um pedaço da história. Ajuda a por um pouco de luz na história de um artista tão lembrado e tão pouco conhecido”, afirmou o jornalista.