sábado, 13 de agosto de 2016

Mundo

Opinião: Realidades paralelas no aniversário de Fidel

O governo cubano celebra os 90 anos de Fidel Castro como outra conquista da Revolução. Mas nem o exacerbado culto à personalidade consegue esconder a desilusão do povo cubano, opina Amir Valle.
Décadas atrás, Eugenio Selman, o médico pessoal de Fidel Castro, fundou o "Clube dos 140 Anos", e vários líderes históricos cubanos e dos "países amigos" do Terceiro Mundo aceitaram o desafio que se lançava: demonstrar que, com uma alimentação adequada, vida metódica para evitar o estresse e, sobretudo, cuidados e tratamentos médicos especiais, seria possível alcançar e até superar a longevidade dos líderes do povo hebreu. Os quais, segundo a Bíblia, haviam sido eleitos por Deus para guiar o povo de Israel até a Terra Prometida.
Todos os membros desse clube exclusivo, inclusive seu fundador, estão mortos, exceto o líder cubano.
As evidências históricas indicam que Fidel incorporou o mito de que ele seria o Messias de que Cuba precisava para se salvar de um sistema que excluía os pobres. Contudo ele completa 90 anos sem cumprir a promessa que fez em 1953, após a condenação pelo assalto ao Quartel de Moncada, em seu famoso discurso "A história me absolverá". Promessas que foram integradas ao programa da Revolução Cubana, após a vitória desta em 1959.
Mas nem esse programa, nem as fabulosas reformas com as quais o irmão Raúl Castro, décadas mais tarde, pretendeu evitar o ocaso econômico e social da ilha, atingem seu alvo. Elas só existem no reino de uma demagogia populista que, apesar de suas óbvias falhas, continua conseguindo lograr o mundo. Mas não os cubanos.
Ninguém sabe como ou quando essas "reformas" vão dar em algo. Uma coisa, no entanto, é clara: o poder será transferido para os herdeiros, para os neocastristas. E, vergonhosamente, essa transferência transcorre com a cumplicidade de nações democráticas.
Por debaixo dos panos do politicamente correto, elas negociam com Cuba sobre os próprios interesses econômicos e estratégicos, tornando-se, assim cúmplices de um governo cuja inflexibilidade elas bem conhecem. É um governo que condena os cubanos a viver em mundos paralelos.
Por um lado, há as concessões feitas pelo presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, com a intenção de que a abertura econômica cubana seja um primeiro passo no sentido de uma transformação da sociedade. E há as continuadas investidas da Rússia para recuperar sua posição estratégica na região, tendo Cuba como base. E há a avalanche de propostas de cooperação econômica partindo da União Europeia, Tudo consequência da reaproximação entre Washington e Havana.
Do outro lado, porém, continua havendo o desespero do povo com a protelação das reformas econômicas verdadeiras, tão urgentemente necessárias. E há o medo social de uma nova crise de abastecimento, como nos anos 1990; há o endurecimento da tributação e das exigências burocráticas que impedem o sucesso das pequenas empresas.
Há a repressão redobrada da oposição crescente, que já levou mais de uma dezena de dissidentes à greve de fome, para dar fim à brutalidade contra manifestantes pacíficos. A desilusão se reflete na triplicação do número de cidadãos que fogem da realidade de sua ilha.
Muitos cubanos continuam sem entender em que país vivem. Porém eles entendem menos ainda a atitude da Europa perante o governo deles. O fato de uma firma francesa obter a concessão para operar o aeroporto da capital, enquanto a Alemanha não pode fundar lá um Instituto Goethe, é uma contradição para eles. Como é possível aceitarem que Cuba condicione a presença cultural e educacional da UE a uma maior e mais efetiva presença econômica europeia?
A insatisfação dos cubanos fica demonstrada em diversos blogs independentes e artigos de uma nova geração de jornalistas independentes, que não veem no aniversário de Fidel nenhum pretexto para custosas festividades.
Mas, naturalmente, também há o grupo de músicos populares que compôs uma balada para o ditador mais idoso do mundo. Como um hino, essa canção é tocada sem parar em todas as rádios, TVs e e alto-falantes. Numa ilha que crê cada vez menos na existência de um Messias.
* Nascido em 1967 em Guantánamo, Amir Valle é escritor, jornalista e crítico literário. Vive desde 2006 no exílio na Alemanha.

Mundo

Deutsche Welle - 13.08.2016

Fidel Castro: o grande ausente faz 90 anos

O líder revolucionário cubano festeja o 90º aniversário. Sem ser a figura forte e onipresente de décadas atrás, seu legado ainda reverbera na política da ilha e no coração de parte do povo. Mas os jovens querem mudança.
É preciso procurar bastante na capital Havana para encontrar referências ao aniversário do líder revolucionário Fidel Castro, que completa 90 anos neste sábado (13/08). Em alguns muros foram pintados votos de parabéns, aqui e ali veem-se cartazes, e nas vitrines de certas lojas estatais afixaram-se mensagens de congratulações. Na vida quotidiana dos cubanos, Fidel praticamente não é mais presente.
Pouco mais de dez anos atrás, a coisa era bem diferente. Na noite de 31 de julho de 2006 os cidadãos da república comunista foram confrontados com o inconcebível: em horário nobre e com expressão séria, Carlos Valenciaga, secretário particular de Fidel Castro, anunciava o retiro temporário do "Comandante".
Depois de 47 anos à frente da nação, seu abalado estado de saúde – na época ainda um segredo de Estado – obrigava Fidel a entregar todos os postos importantes ao irmão Raúl, cinco anos mais novo.
Assim Fidel abandonava o palco da grande política, que ele adentrara em 1953, com o assalto ao Quartel de Moncada, em Santiago de Cuba, acompanhada do famoso discurso "A história me absolverá". E, o mais tardar, com o triunfo da Revolução Cubana em 1959. Em 2008, a despedida provisória tornou-se permanente.
"Quando eu morrer mesmo, ninguém vai acreditar"
Sob o irmão Raúl, tido como mais pragmático, nos últimos anos o Estado insular mudou. Agora é permitida a compra e venda de automóveis e imóveis, foram abolidas as restrições às viagens e ampliado o acesso à internet para a população. Além disso, Raúl Castro abriu a economia aos investidores estrangeiros, reduziu o setor estatal, permitindo mais iniciativas privadas.
Fidel com Hollande no ano passado Fidel com Hollande no ano passado
Desde então, centenas de milhares de cubanos se tornaram trabalhadores autônomos. No entanto, a maior façanha política de Raúl Castro é, possivelmente, a apenas iniciada aproximação aos Estados Unidos. Uma iniciativa quanto a qual Fidel se mostra cético.
Após a histórica visita do presidente Barack Obama a Cuba, o ex-líder esbravejou em sua coluna de opinião publicada a intervalos irregulares no jornal do Partido Comunista de Cuba (PCC), o Granma: "Não precisamos de presentes do Império" – para, num pós-escrito, recordar dos anos de sanções, atentados e os mortos das agressões americanas.
Um ex-chefe do serviço secreto cubano assegura que contra o próprio Fidel teriam sido realizadas 638 tentativas de atentado pelos serviços secretos dos EUA e por cubanos exilados. Em anos recentes, o "Comandante" foi várias vezes dado como morto. Seu comentário: "Minha morte foi inventada tantas vezes, que no dia em que eu morrer mesmo, ninguém vai acreditar."
Despedida longamente anunciada
Aparentemente Fidel superou a grave enfermidade intestinal que o obrigou a se retirar, porém à custa da antiga onipresença: ocasionalmente ele recebe visitantes estrangeiros para conversas privadas, como o papa Francisco e o presidente francês, François Hollande.
As imagens divulgadas pela mídia estatal mostram um homem grisalho, visivelmente envelhecido, magro, de voz trêmula e roupa esportiva. Contudo, mesmo sem poder político real, Fidel Castro permanece sendo uma figura de peso para a ala ortodoxa do PCC, aquele para quem a virada promovida por Raúl está indo longe demais.
"Os conservadores, que não querem nenhuma mudança, se aferram a Fidel, disso não há a menor dúvida", declarou o ex-diplomata cubano Carlos Alzugaray à agência de notícias AP.
No entanto trata-se também da herança de Fidel. "A hora de cada um de nós chega, mas as ideias da Revolução Comunista vão perdurar"; afirmou em abril, na sessão de encerramento do Congresso do PCC, realizado a cada cinco anos. Essa seria "talvez uma das últimas vezes que falo neste salão", disse o veterano. Entre os cerca de mil delegados presentes, não eram poucos os que tinham lágrimas nos olhos.
Em 2009, com estudantes venezuelanos: aparições em públicos estão cada vez menos frequentes Em 2009, com estudantes venezuelanos: aparições em públicos estão cada vez menos frequentes
Eterno jovem barbudo de uniforme revolucionário
Apesar de tudo, o país se preparou para a festa de aniversário de seu antigo líder. A TV passa entrevistas da época do governo Fidel, e são muitos os programas especiais para a ocasião.
Em Birán, no leste da ilha, onde ele nasceu em 1926, esperam-se centenas de visitantes para as festividades deste sábado (13/08), e serão plantadas árvores em sua homenagem. No entanto não está prevista nenhuma cerimônia pública com a presença do aniversariante. Seu contato com o povo deve se restringir à coluna que publicou neste sábado, no portal Cubadebate, pedindo paz no mundo.
Pelas ruas de Havana, a importância do revolucionário é venerada. "Sou fã de Fidel, isso eu digo abertamente", ostenta a professora sexagenária Mirta Hernández. "Como ele, não há outro. Tomara que ele fique conosco ainda por muitos anos."
Em contrapartida, Alejandro afirma: "Não ligo para política nem para Fidel." Ele trabalha "por conta própria" e nasceu depois da Revolução, assim como a maior parte de população. "Até Fidel e o Raúl dele irem embora, nada vai mudar neste país", reforça.
Já o informático Fahd Perreira acha que "Fidel vai ser sempre uma personalidade extraordinária, não só em Cuba, mas principalmente em Cuba. Mas agora é hora de a juventude assumir e de as coisas andarem adiante."
Quer absolvido pela história ou não, certo está: hoje Fidel Castro tem lugar cativo na memória coletiva como aquele jovem barbudo de uniforme verde-oliva, que liderou a revolta armada e depois resistiu aos Estados Unidos durante décadas.