sábado, 10 de setembro de 2016



Na verdade os heróis eram sacripantas
Tomislav R. Femenick – Mestre em economia e historiador

Um ano antes da célebre canção de Dorival Caymmi, em 1944 eu, meu pai e  minha mãe pegamos um Ita no Nordeste e fomos morar no Rio Janeiro. Eu tinha cinco anos de idade, porém me lembro de alguns aspectos da viagem, inclusive do desembarque no cais da Praça Mauá, na então capital federal. Nessa mesma praça, um ano depois, em julho de 1945, assisti o desembarque das pracinhas brasileiros que tinham lutado na Europa contra o nazismo e o fascismo, sistemas totalitários com os quais o Estado Novo getulista chegou a flertar. Passados três meses, Getúlio Vargas deixou a Presidência, pondo fim à ditadura mais ambígua e cruel da história nacional.
Seis anos depois, Getúlio voltou a ocupar a presidência da República, dessa vez eleito pelo voto popular. Foi presidente por três anos, seis meses e 24 dias. Seu novo governo foi marcado por escândalos de todo ordem: corrupção, crises econômicas, enfrentamento com militares, atentados de morte contra opositores etc. Escolheu o suicídio como forma de entrar para a história, legando ao país uma grave crise institucional. Essa a herança que recebeu o seu vice, nosso conterrâneo Café Filho, que tentou dar novo rumo ao governo, adotando uma política econômica liberal. Em novembro de 1955, Café deixou a presidência por motivos de saúde. Carlos Luz, o presidente da Câmara dos deputados, assumiu o cargo de primeiro mandatário e tudo fez para impedir que Juscelino Kubitschek tomasse posse como presidente; cargo para o qual tinha sido eleito.
Em 31 de janeiro de 1961, o extravagante Jânio Quadros foi empossado como presidente. Fez uma administração histriônica; misto de opera bufa e teatro burlesco e grotesco. Deu no que deu: durante um dos seus delírios renunciou à presidência. Dizem que queria ser ditador. Nas idas e vindas de acordos, em seu lugar assumiu o vice João Goulart, primeiro como presidente em um regime parlamentarista, depois como chefe de governo presidencialista; até que foi deposto pelo golpe militar de 1964. O histórico tudo mundo sabe: 21 anos de obscuridade, com Atos Institucionais, cassações de mandatos, fechamento do Congresso, censura à impressa e o escambau.
No início da década de 1990, Fernando Collor de Mello foi eleito presidente intitulando-se o “caçador de marajás”, porém seu primeiro ato foi caçar a poupança das pessoas. Seu governo foi repleto de escândalos, tendo como operador a taciturna figura de P. C. Farias. Collor renunciou o mandato, mas mesmo assim sofreu impeachment pelo Senado e perdeu os direitos políticos.
E chegou o ano de 2003. Pela primeira vez o chão da fábrica bateu às portas do paraíso.  Luiz Inácio Lula da Silva, um nordestino que foi para o sul maravilha nos duros bancos de um caminhão “pau de arara”, recebe a faixa presidencial do sociólogo Fernando Henrique Cardoso. A esperança de milhões de brasileiros enfim seria realizada pelas mãos do Lulinha paz e amor. No começo, tudo bem; seguindo a política econômica de FHC e com o mercado internacional favorável, conseguiu estabilidade e fez distribuição de renda. Nesse cenário cooptou políticos de outros partidos e grandes empresários. O problema veio depois quando explodiu o mensalão. Mesmo assim reelegeu-se e depois elegeu Dilma. Mais ai veio o petrolão, os financiamentos não ortodoxo do BNDES, os prejuízos dos fundos de pensões, amante mantida à custa do governo, prisão de ministros de Lula e Dilma, triplex em Guarujá e sítio em Atibaia, pedaladas fiscais e outras violações às disposições legais, à moral e aos bons costumes. Resultado: Dilma também sofreu impeachment.
Triste e melancólico fim de uma utopia que desabou sobre si mesma.

Tribuna do Norte. Natal, 10 set. 2016