domingo, 15 de dezembro de 2013


Memórias das lutas políticas clandestinas (II)

 

 

 

 

         Além de Faustino e José Bezerra Marinho que, em 86, se candidatou a deputado federal com apoio da construtora Oderbrecht, você se lembra de outros nomes de pessoas que renegaram suas idéias do passado?

         Juliano – na verdade, é o seguinte:Uma série de pessoas importantes no movimento estudantil, no golpe de 1964 e no golpe de 1968, deixaram a cena política com dignidade, tiveram que sair do Rio Grande do Norte e alguns se exilaram em outros países, como foi o caso de Maria Laly Carneiro, estudante de medicina, outros se mandaram para o Rio de Janeiro, Brasília, São Paulo, etc, como Ginani, Geniberto Campos. Essas pessoas safran com dignidade. Quer dizer, hoje continuam sendo cidadãos democráticos, patriotas. Não conheço a sua militância partidária, mas nunca tive uma informação de que tenham abdicado de suas idéias e seus princípios. Danilo Bessa e Moacir de Góis foram para o Rio de Janeiro e voltaram ao RN. São exemplos de pessoas dignas. A alguns professores da Universidade com formação muita acadêmica tinham posições avançadas e continuaram, como é o caso de José Arruda Fialho, Ivis Bezerra. Essas pessoas, mesmo afastadas do movimento revolucionário depois de 64, se mantiveram com dignidade nas suas profissões, etc.

         Quanto ao suplente de deputado José Bezerra Marinho, eu conheci bastante quando ele saiu do Colégio Marista e ingressou no Atheneu. No movimento secundarista ele não teve nenhuma grande participação. Ele foi eleito presidente do Grêmio Lítero-cultural Celestino Pimentel, em eleição direta, quando derrotou o atual jornalista Marco Aurélio de Sá. Quem decidiu a parada foi o turno da tarde. Marinho foi eleito defendendo uma proposta que não tinha nada de política: era uma proposta cômica de centro, nem de direita, nem de esquerda. O movimento secundarista passou em branco, quer dizer contra a história do movimento estudantil do Rio Grande do Norte. Ingressou no Primeiro Ano da Faculdade de Direito numa turma de  mais de 70 alunos, com 70 pessoas que votavam convictamente nas assembléias com as posições de esquerda e ele votava nessas posições também. Chegou a ser eleito vice-delegado da faculdade ao 30 Congresso Nacional da UNE, em Ibiúna-SP. O delegado titular era eu. Por tarefa do PCB, eu não pude ir ao congresso e ele foi no meu lugar. Foi preso e na prisão fez uma confissão de arrependimento, uma confissão de fé anti-comunista e recebeu um tratamento diferenciado em relação aos demais presos, como Jaime Ariston, Ivaldo Caetano, José Rocha Filho, o nosso saudoso “Kerginaldo”, Emanuel Bezerra dos Santos, Gileno Guanabara, etc.(Kerginaldo morreu vitimado por câncer. Foi uma grande liderança no movimento estudantil e ex-presidente da Casa do Estudante do RN). Mas José Bezerra Marinho retomou a posição de cômico de centro na prisão. O pessoal ficou nas celas e ele no cassino dos oficiais. Quando saiu de lá, ele desapareceu da política. Eu passei seis anos fora do Rio Grande do Norte, três a quatro anos na clandestinidade. Voltei a estudar, em 1974, e voltei atuar na política timidamente, porque era cassado, no MDB e me organizei no movimento pró-anistia. E nesse movimento nunca vi a presença de Marinho, porque ele não participou de nada. Pra mim foi uma surpresa, em 1986, quando cheguei no RN, para passar as férias, e ter descoberto que ele tenha levantado na sua campanha para a Assembléia Nacional Constituinte o passado de luta no movimento estudantil. O que aconteceu foi só o acidente de Ibiúna, onde participou no meu lugar, depois de um ano de passeatas, e assembléias estudantis, na Faculdade de Direito. Mas em todo o processo de resistência democrática e toda a sua militância no movimento secundarista foi de política de direita. Foi um dos próceres da Juventude Estudantil Católica-JEC. Era um homem de direita, anti-comunista, com visão de democracia com as que tinham os que deram o golpe militar de 64, a que ele apoiou entusiásticamente. Ele nunca teve uma tradição no movimento estudantil progressista.

         Essa confissão de arrependimento está em algum documento oficial?

 

         Juliano – Eu tive oportunidade de ler essa confissão de arrependimento porque fui preso por volta de 1970 (Cópia da confissão? Claro que não tenho, não tive acesso a esse direito) e tive que assinar um documento que me condenava a um ano de prisão por atividades no movimento estudantil no Rio Grande do Norte. Era um documento volumoso, com mais de mil páginas. (A coisa que mais desejava era papel pra ler; lia até anúncios classificados). Então, resolvi dar uma lida no processo todo, como leu Gileno Guanabara, Emanoel Bezerra, Jaime Ariston, José Rocha Filho, Nurembergue Rocha Brito, Ivaldo Caetano. Nesse processo também estavam presente pessoas dignas, que foram absolvidas, como foi o caso de JoãoGualberto de Aguiar, que era vice-presidente do Diretório Acadêmico de Sociologia, da Faculdade da Fundação José Augusto, que não tenho nada contra ele, absolutamente. Estava Sezildo Câmara, que foi condenado. E lá, eu li os depoimentos dos presos e das testemunhas. Foi um preso que prestou depoimento, como ocorreu no meu caso particular, valeu como testemunha de acusação. Com relação a ele mesmo, disse que se arrependia de tudo aquilo, de ter sido iludido, de acordo com as suas palavras, “pelo canto da sereia dos comunistas”. Alguns elementos da direita do movimento estudantil, na Faculdade de Direito, como Francisco Barbosa, funcionaram como testemunhas de acusação. Inclusive cometeram erros grosseiros: Francisco Barbosa, por exemplo, disse que eu era comunista de linha chinesa, coisa que eu nunca fui. Mas o que interessava para a Auditoria Militar era qualquer tipo de depoimento que me condenasse. Houve pessoas dignas que foram capazes de testemunhar favoravelmente aos presos, inclusive o diretor da Faculdade de Direito, Professor Otto Guerra. Ele testemunhou a favor dos alunos presos da faculdade, no caso eu, Gileno Guanabara. Mesmo que o Professor Otto de Brito Guerra, anos depois, tenha recusado a participar do Comitê Pró-anistia, achando que o movimento era uma aventura e não ia ter resultado, foi e é uma pessoa digna. O tempo provou que ele estava equivocado. Mas nos processos ele teve um comportamento completamente digno, até porque tinha sido diretamente atingido pelo golpe militar na figura de seu filho, Marcos, que teve que se exilar do país.

         Depois de 1964, a Ação Popular-AP teve influência no movimento estudantil em Natal? Foi a AP quem iniciou o Movimento contra a Ditadura-MCD?

         Juliano – Não. Em 1966, nós já tínhamos reestruturado o PCB, com uma direção, um núcleo relativamente forte no movimento estudantil e tínhamos inclusive conquistado o Diretório Central dos Estudantes-DCE da Universidade, obviamente que na clandestinidade. A AP não tinha nenhuma posição importante no movimento estudantil; tinha quadros, Jarbas Martins, Arlindo Freire, pessoas respeitáveis, mas não tinham poder de acumulação que tinham os comunistas. Nós éramos a grande força no movimento universitário e, no movimento secundarista, a partir de um trabalho realizado por mim, Luciano de Almeida e com o ingresso de novos quadros, como Maurício Anísio, Silvério Gomes da Mota e com a aproximação e aliança com pessoas como Sezildo, etc, nós conseguimos fazer que o grande movimento de massas entre os secundaristas fosse dirigido pelos comunistas. A AP, por um voto de diferença, fazer o presidente da APES, numa eleição em que fiquei como vice-presidente. Luiz Freire foi eleito presidente. Por sinal, hoje ele é um militante do PCB em São Paulo. Mas logo depois de eleito presidente da APES Luiz Freire, por motivos de ordem pessoal, se afastou e assumi a presidência da entidade. Então, fui presidente da APES no período mais difícil de sua clandestinidade e passei a APES a um sucessor ligado ao partido também. Isso foi em 1967, quando passei para a Universidade. Então, Luciano de Almeida ficou controlando aquele trabalho que já não tem para o PCB, pois já estávamos na dissidência, no PCBR, partindo para a luta armada, mas esse negócio de dizer que foi a AP que começou a luta contra a ditadura no Rio Grande do Norte não é verdade. A AP era porta-voz das posições mais à esquerda, daqueles que rejeitavam a participação no processo eleitoral. Nós sempre tivemos uma posição para entrar no MDB, apoiar uma candidatura a deputado federal e estadual, principalmente no caso do deputado Roberto Furtado. Mas não foi a Ação Popular que teve esse papel de vanguarda. Esse papel era do PCB, até porque era a organização que tinha mais história no Estado, que existia além de Natal (Em municípios como Macau, Areia Branca, Ceará-Mirim, Canguaretama), nós participamos do trabalho de reestruturação do partido. Nós fazíamos circular clandestinidade no Rio Grande do Norte o Jornal “Voz Operária”, órgão central do PCB. Tínhamos aqui, ajudando na reorganização do partido,o camarada Pereira – hoje eu posso dizer o nome dele – Francisco Pereirra, cujo nome de guerra era “Renato”, uma figura importante para reconstruir o PCB no RN. Ele é dirigente do partido no Ceará e integrante do Comitê Central. Nesse período, por sinal muito rico, em que o partido teve um afluxo de novas pessoas ligadas ao movimento cultural ao Cine Clube Tirol e que estavam retomando a organização do movimento secundarista e universitário. Foi a época em que Hermano Paiva, Jackson Martins, William, Gileno Guanabara, voltando ao partido, eu ingressei no partido, Emanoel Bezerra, que depois foi assassinado em Recife pelo DOI-CODI, o Luciano de Almeida, José Rocha Filho, “Kerginaldo”, Ivaldo Caetano, Manoel Duarte, o Manú (líder do movimento comunitário em Natal). Nos tínhamos as principais lideranças do movimento estudantil, inclusive companheiros da maior importância, como o Laerte Rocha, de engenharia, que morreu de forma trágica e prematura.

         E a influência no DCE era fundamentalmente nossa. (A entrevista de Juliano Siqueira continuará na próxima edição. Os leitores que se preparem, pois virão muitas novidades por aí). Matéria publicada no extinto semanário DOIS PONTOS, de Natal/RN.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Entrevistas
Em 1992, publiquei uma entrevista com o falecido militante do PC do B, Glênio Sá, natural de Caraúbas/RN, no jornal Tribuna do Norte, mas a reportagem foi escrita em 1986, na redação do mesmo jornal. Abaixo, a matéria original, na base do pingue-pongue, isto é, perguntas e respostas.

 

 

 
R – O PC do B vai apoiar o candidato Geraldo Melo, do PMDB, ao governo do Estado?

 

Glênio – Neste final de semana tivemos uma reunião do partido sobre o assunto, mas ainda não houve o fecho geral. Segunda-feira, dia 5, conversamos com Geraldo Melo e a coisa evoluiu para uma coligação, essa é a tendência natural pela análise política que fizemos. A decisão vai ser soberana, a partir das informações que trago dos companheiros.

 

R - Você defende o direito a voto para o jovem de 16 anos. Por que?

 

Glênio– Achamos que a juventude está mais consciente de suas necessidades específicas, que os jovens sentem e só eles podem batalhar. Então, é uma forma de assegurar sua participação efetiva na política. O grau de insubordinação da criança de hoje já é um indicativo do desenvolvimento que está existindo.

 

R – E as conversações com outras forças de esquerda?

 

 

Glênio- Estamos encontrando dificuldades em discutir com determinadas forças de esquerda, do ponto de vista político. Para nós, só se forja a verdadeira união do povo com lutas pela base. As propostas sectárias, fechadas que não ajudam a ampla união do povo e dificultam o entendimento. Nós combatemos todas as manifestações de oportunismo de esquerda e de direita.

 

 

R – Está havendo abuso do poder econômico na campanha?

 

 

Glênio – Isso já era previsível. Dentre os candidatos á constituinte, o nome de Flávio Rocha é o que está mais na boca do povo.

 

 

R – Como o PC do B vê a questão do homossexualismo? Os homossexuais podem ingressar  no PC do B?

 

 

Glênio – Rapaz, essa é uma questão em debate. No meu tempo de formação de partido, não considerávamos os homossexuais como pessoas normais, do ponto de vista genético, e de desvio sexual. Isso com todo respeito que mantemos com as pessoas em si, do seu caráter, como também condenamos a forma de tratamento que dá a sociedade, que simplesmente marginaliza essas pessoas e outros setores. O processo seria simplesmente fechado. Muitos setores do partido estão debatendo a questão, se entra ou não entra. Achamos que nas fileiras partidárias hoje, com o partido na legalidade, eu estava falando da época repressiva, quando a repressão procurava todos os dados para explorar, nas torturas, no sentido de denegrir essas pessoas, que se sentem psicologicamente marginalizadas e inferiorizadas e aí poderiam ser utilizadas pela repressão. Então, a gente era mais exigente nesse ponto, hoje é uma questão em debate. Eu creio que não é uma questão concluída, mas consideramos que predomina uma visão científica,que isso é um desvio natural.

 

 

R - E a participação da mulher?

 

 

Glênio – A mulher sempre teve muita força e espaço dentro do partido. Na última reunião nacional, tivemos representações de todos os Estados e territórios e a questão da mulher foi muito debatida. Nós jogamos dentro das entidades de massas uma política voltada para o fortalecimento de uma proposta que não veja a questão participativa da mulher em si, mas a participação da ideologia da classe operária. Nós fazemos uma diferenciação de determinados movimentos que não fazem nenhuma distinção entre uma mulher burguesa exploradora e a mulher proletária, que é a grande maioria das mulheres brasileiras.

 

 

R – como você ingressou no partido?

 

 

Glênio– Ingressei em 1968, quando participava ativamente do movimento secundarista em Fortaleza – Ceará. Fui uma das lideranças do Centro dos Estudantes Secundários do Ceará e entrei em contato com materiais e lideranças do PC do B. foi a primeira experiência marcante e hoje é de muita honra, pois ajudou-se bastante a ter mais produtividade no trabalho organizado e de encaminhamentos coletivos, a ver que era a melhor maneira de defender os interessados nacionais e a classe operária.

 

 

R – O PCB chegou a convidá-lo a ingressar no partido?

 

 

Glênio– Não, mas tive contatos com algumas pessoas. Naquela época, o movimento estudantil estava no auge. Tínhamos tido um grande golpe, com a experiência de 64, quando o PCB perdeu muito espaço devido a sua teoria meio ôba-ôba, pois antes do golpe militar dizia que já estava no poder João Goulart. O PCB não preparou seus militantes e depois do golpe de 64 jogou um despreparo total. O golpe, que estava em preparação, pois foi alertado, pegou o partido sem forças suficientes, com poucos membros. Essa experiência negativa fez com que refletíssemos na ascenção do movimento estudantil de 68, com muito pouca adesão e simpatia para o PCB.  Naquela época, o PCB tinha pouca influência. Talvez devido a isso e às minhas posições, nunca fui convidado a entrar no PCB, além do fato de eu já ter uma posição bem definida.

 

 

R – Como foi a sua experiência no PC do B, no Ceará e a sua participação na guerrilha do Araguaia?

 

 

Glênio - A minha vivência partidária, antes de participar da guerrilha, foi no movimento estudantil. O meu destaque maior foi ser líder secundarista, em 68, 69 e inicio de 1970.

 

 

 

R – Após o AI-5?

 

 

Glênio – Inclusive após o AI-5, fomos a única força organizada em Fortaleza, que chegou a ir às ruas contra o aumento das passagens dos ônibus. Quando foram cortados os restos de liberdade no país, conseguimos realizar exitosamente uma manifestação pública, com falações e tudo, na praça do Ferreira, centro de Fortaleza, mas também com muita repressão e eu quase levava cacetadas da polícia.

         Fui preso, por conta do meu trabalho em Crato, onde estava em contato com entidades secundaristas, em nome do CESC. Apesar de não terem conseguido nenhuma acusação e prova, passei dois meses preso, só porque tinha falado contra o governo numa reunião com os membros do Centro Estudantil do Crato.

 

 

R – Em abril de 1972 você foi para o Pará participar da guerrilha promovida pelo PC do B?

 

 

Glênio – Em 1968 o partido lançou o documento “Guerra Popular-Caminho da luta armada no Brasil”, elaborado pelo Comitê Central. Esse documento, a nível teórico, combatia os desvios de esquerda, os grupos armados que atuavam nos grandes centros urbanos, o foquismo e as idéias de Regis Debray, Che Guevara, as interpretações errôneas da revolução cubana. Nós fizemos um combate cerrado contra esses desvios, teorias liquidacionistas que não mostravam o trabalho organizado como de importância e sim os grupos armados na condução da luta revolucionária. O partido travou essa luta e apontou a necessidade de intensificar o trabalho com a massa camponesa. As revoluções da 6 Conferência, em 1966, nos orientavam para o trabalho de auto-defesa. Após o AI-5 e a intensificação do fascismo, intensificamos esse trabalho no campo e fui para o Araguaia, como conseqüência de uma pessoa que exigia do partido a prática daquelas decisões.

 

 

R – Por que escolheram a região do Araguaia?

 

 

Glênio – Em junho de 1970 fui realizar um trabalho com os posseiros e vi que a região seria importante para abarcar e acolher os nossos militantes mais perseguidos nos movimentos urbanos de São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Salvador e capitais do Nordeste. No sul do Pará, essas pessoas não teriam uma repressão direta de regime militar. A importância militar daquelas regiões era grande porque ofereciam uma retaguarda segura para a direção do partido e havia ausência da Polícia Militar.  A repressão era mínima, insignificante nas áreas de posses do Pará. Devido ao abandono geral dessas regiões e a possibilidade do governo considerar “área pioneira de colonização”, o projeto da transamazônica, e, a gente sabia que ali seria muito habitado. O próprio Jarbas Passarinho reconheceu a importância militar, pois a regiões era de difícil repressão por parte das forças armadas do Brasil, tanto de gastos de deslocamentos de tropas como a questão de nossa preparação do local, onde a gente tinha o  domínio, toda a retaguarda de selva, numa extensão de mais de seis mil e quinhentos quilômetros quadrados.

 

 

R – Você esteve em São João do Araguaia?

 

 

Glênio – Sim. Fui um dos primeiros a chegar, em junho de 70, na região do Gameleira, onde nós começamos a plantar, construir casas e se entrosar com os moradores. Fomos os desbravadores de lá, plantando arroz e milho. Enquanto nos auto-sustentavámos, íamos preparando o terreno, em seis localidades. Formou-se o “Destacamento B”, ao qual pertenci durante o processo de luta.No Gameleira, tínhamos três roças que preparamos para os companheiros que chegariam. Era uma região que tinha gente de todo canto, principalmente nordestinos, acossados pelo latifúndio, falta de terras, de água, disso e daquilo. Era uma região de muitos aventureiros, de pessoas de muito desprendimento. No primeiro instante, tivemos a humildade de aprender com a massa para dominar a região. Através da caça e dos processos de sobrevivência na selva amazônica. Tudo isso foi a massa que nos ensinou, os posseiro e moradores.

 

 

R – Qual era a população da região?

 

 

Glênio – Vinte e mil pessoas.

 

 

R – A guerrilha do Araguaia dá um livro. Fale resumidamente sobre o seu batismo de fogo.

 

 

Glênio – O nosso destacamento foi um dos que evitaram mais o contato direto com a repressão. A minha experiência militar que você coloca aí foram algumas ações de fustigamentos, esparsas, que não deram para saber os resultados. Diria até que não deixa de ter o seu significado diga-se de passagem que isso não foi um movimento de iniciativa nossa, foi uma coisa abortada, certo?  - mas entramos num processo de auto-defesa, fomos reprimidos, apesar do trabalho ser o mais camuflado e clandestino possível com os componentes da área. Aí....

 

 

R – O Exército descobriu e foi lá...

 

 

Glênio – Exatamente. Não foi de iniciativa nossa. A gente não ia de livre espontânea vontade entregar-se. Com o grau de organização que tínhamos, a condições de conduzir e tínhamos outras áreas de trabalho que não funcionaram (a gente não trabalhou somente no Araguaia, mas no Maranhão, Goiás e Mato Grosso, áreas que poderiam se integrar ao processo de luta). Infelizmente, não funcionaram. No geral, a experiência do Araguaia, apesar de todas as debilidades e da repressão que se abateu sobre os centros urbanos, em especial sobre o nosso partido e os grupos radicais de luta armada, mostrou que éramos os mais preparados para enfrentar a repressão. Pelos dados oficiais das forças armadas, o processo de luta durou três anos. Enfrentamos mais de 20 mil homens armados, uma força equivalente á Força Expedicionária Brasileira na Segunda Guerra Mundial, com especialistas em guerrilhas de Portugal, de americanos que lutaram na Guerra do Vietnam, equipamentos sofisticados ------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------

Estava tão despreparada assim, tínhamos armamento arcaico, comprados na região, com o nosso suor, na base de espingardas 44, revólveres 38. Eu tinha um armamento calibre 16, de cartucho, para enfrentar fuzis FAL, metralhadoras modernas, helicóptereos, napalm. Chegaram a matar quebradores de cocos, confundidos com a gente. Eu diria que foi uma experiência do partido e não baixo a cabeça frente ao processo repressivo da reação.  Elogiamos a capacidade da repressão do regime, em não ter subestimado o movimento, de ter cortado todo a comunicação com a região, de ter silenciado todos os jornais do país. A repressão achava que qualquer notícia a respeito a guerrilha poderia ter um efeito desbravador. Apesar de todo esse alcance, nós vimos que as nossas conquistas foram grandes. A guerrilha foi a única chama acesa em defesa da liberdade no país, quando parecia que tudo estava extinto.

 

 

R – Durante a guerrilha morreu muita gente, não é verdade? Contam que morreram 1.500 militares e 2 mil civis, inclusive o pessoal do PC do B.

 

 

Glênio – Esses dados me parecem exagerados. Os dados que eu tenho é de 59 mortos e desaparecidos do partido e mais 20 ou 30 da massa, pois não tivemos controle direto sobre essas mortes e desaparecimentos.

 

 

R – Você não falou em bombardeios aéreos, com bombas de Napalm?

 

 

Glênio – Aí é onde está. Eu não tenho a extensão, mas vamos dizer que tivemos 70 ou 80 mortos, por exemplo, do nosso lado e da população, certo? E que tenha havido mais uns 20 ou 30  ou mesmo 50 da parte da população, que a gente não tenha tomado conhecimento. Assim mesmo, acho bastante exagerado chegar a um cálculo de 1.500 pessoas mortas, pois nós e a população era uma coisa só, as coisas estavam entrelaçadas. Da parte do Exército, a gente não tem um controle muito grande, mas acho que não passa disso, em termos de mortes. Primeiro, porque a gente não teve essa ofensividade toda, não teve a quantidade de emboscadas com a finalidade de dizimar o Exército. Aconteceram choques entre a Polícia Militar e o Exército, entre o Exército e a Aeronáutica. Houve mortes na população civil, que não estavam em nenhum lado, como o caso dos quebradores de cocos, que foram bombardeados com napalm, de forma irres------ram em lagoas cobertas com vegetação, pensando que era terreno firme e morreram afogados. Chegaram a jogar bombas bem pertinho da gente.

 

 

R – Quais as principais divergências ideológicas do PC do B com o PCB? É verdade que vocês não se falam?

 

 

Glênio – Não. Eu não diria que não conversamos. Pessoalmente, como dirigente do PC do B tenho conversado com vários dirigentes deles, dirigentes declarados do partido e dirigentes sindicais, nas frentes estudantis e comunitárias. No meio desse trabalho, a gente conversa de pessoa para pessoa. Agora de partido para partido, nós temos uma demarcação muito grande e aí realmente travamos uma luta muito grande, não só contra o PCB, mas contra as forças e formas oportunistas né? Que atuam no movimento operário e popular. As nossas divergências não são de hoje. O Pc do B travou nas suas fileiras uma luta ideológica de grande porte, entre 58 e 61, quando as  divergências principais, a aceitação das teses revisionistas do Partido Comunista da União Soviética, a introdução do Kruchovismo, as teses de era possível a construção do socialismo lá,  denominado só em palavras, como “Partido de todo o Povo”. “Estando de todo o Povo” , etc, acabando com o espírito socialista do inter- nacionalismo proletário e que se refletiu, particularmente, em 61, com a criação do Partido comunista Brasileiro, que não foi uma simples mudança de nome. Foi tirado dos seus estatutos a condução marxista-leninista desse partido, desprezando o internacionalismo proletário. Os verdadeiros marxistas-leninistas, como João Amazonas, Mauricio Grabois, Pedro Pomar, José Duarte e Elza Monerate, entre outros, aglutinaram o que puderam, apesar do boicote de Prestes, reorganizarem e definiram os estatutos do partido a altura das tradições revolucionárias.

Nenhum comentário:

Postar um comentário