domingo, 15 de dezembro de 2013


 

O Movimento Estudantil do RN antes e durante a ditadura militar (I)

 

 DOIS PONTOS, 07 a 13 de maio de 1988

Texto de Luiz Gonzaga Cortez

 

 

 

 

            “Em muitos movimentos da vida nacional os estudantes se converteram em verdadeiras “pontas de lança” de uma sociedade amordaçada, reprimida e oprimida, atuando no sentido de desencadear movimentos de caráter mais amplo e que desembocaram em sérias transformações políticas no país. Bastam alguns exemplos (...) para comprovar isto: na campanha pela entrada do Brasil na luta contra o nazi-fascismo, no início da década de 40; na campanha pelo estabelecimento do monopólio estatal do petróleo e a criação da Petrobrás; nos protestos contra a ditadura, nos anos 1966 a 1968; em todos, foi decisiva a participação dos estudantes, ou seja, eles, enquanto componentes de um movimento, assumiram o papel de fenômeno político de primeiro plano”. (Antonio Mendes Jr., in Movimento Estudantil no Brasil, Editora Brasiliense, São Paulo, 1981, p.08).

 

            Israel Vieira da Silva, advogado e professor, atualmente filiado ao Partido Democrático Trabalhista,  foi líder estudantil em Natal, do final da década de 50 até os primeiros anos da década de 60, quando a capital potiguar tinha um forte e organizado movimento estudantil que se rivalizava, em acirradas disputas pela sua hegemonia, entre o Colégio Estadual do Atheneu professor Israel Vieira da Silva, atualmente filiado ao Partido Democrático Norte-rio-grandense e o Colégio Santo Antônio (Marista). Os dois estabelecimentos de ensino, um público e outro particular, reuniam pouco mais de dois mil estudantes e as suas disputas  eram mais intensas nas quadras e campos de esportes e/ou nas atividades culturais da época.

No período em que Israel Vieira liderou parte do movimento estudantil, Natal era mais provinciana do que é e as reivindicações dos estudantes eram quase as mesmas das levantadas pelos jovens de hoje. Entre o movimento estudantil de hoje e o do final da década de 50 só havia uma diferença, profunda: a falta de sintonia entre os partidos políticos, de esquerda e conservadores, e entre a massa e a liderança estudantil.

Naquela época, não existia a ligação do movimento estudantil e o movimento político. O movimento era direcionado para a vida estudantil,  para as necessidades dos estudantes, cujas reivindicações eram poucas, tais como problemas de transportes coletivos, mais ônibus e preços das passagens mais baratas. Natal só existia até a fábrica Guararapes, no bairro de Lagoa Seca: não existiam a Zona Norte, os conjuntos Cidade da Esperança, Candelária, o Instituto Kennedy, que foi construído no governo de Aluizio Alves. A cidade era muito pequena e as linhas de ônibus eram curtas. Isso ocasionava um problema porque os colégios eram concentrados no centro da cidade; não havia colégios na periferia e os estudantes deslocavam-se de ônibus para o centro, onde estavam as escolas mais importantes, como o Atheneu, Marista, Imaculada Conceição, Sete de Setembro, Escola Industrial e Escola Normal (feminina). Então, as exigências dos estudantes eram poucas e não existia a complexidade do movimento, como ocorre hoje. Sua complexidade é maior, evoluiu para a participação da esquerda e da direita e se vinculou a partidos políticos.

A política era diferente da de hoje, pois era baseada nas velhas lideranças, oriundas do coronelismo e do paternalismo que dominavam o Rio Grande do Norte. Tampouco o povo participava das campanhas políticas, tradição quebrada na campanha desenvolvida por Aluizio Alves, candidato a governador, em 1960, “levando homens, mulheres, velhos e crianças para as ruas”, disse o professor Israel, um dos fundadores da “Cruzada da Esperança”, movimento que juntou pessoas de vários matizes sociais, como Walter Gomes (hoje jornalista em Brasília), José Coelho Ferreira, Luciano Veras (coronel da PM), Quinho Chaves, professor e psiquiatra, o comerciante Militão Chaves, os estudantes José Martins, Paulo Herôncio, Manoel Martins da Silva, Magnus Kelly Rocha,  etc.

Numa época em que estudante não participava da política, tradicionalmente conservadora, a Cruzada da Esperança promoveu um comício no Grande Ponto  ( logradouro no centro de Natal) historicamente marcado pelo lançamento da candidatura do então deputado federal Aluizio Alves a Governador contra as forças mais reacionárias do Estado. Um ano depois os estudantes da Cruzada estavam subindo as escadas do Palácio Potengi com o seu novo líder.

AS LIDERANÇAS – Para  Israel Vieira as lideranças estudantis eram  Francisco Sales da Cunha, presidente do Diretório Estudantil “Celestino Pimentel”, do Atheneu, “muito atuante e, mais tarde, eleito vereador por conta dessa liderança política”; Jurandir Tahim, Waldir Freitas, ex-gerente das Casas Pernambucanas em Natal; Érico de Souza Hackradt, “um grande líder”. “Essas as principais lideranças, na minha opinião, do meu tempo, que atuaram no Centro Estudantal Potiguar - CEP e Associação Potiguar de Estudantes  - APE, recorda Israel.

Ele informa que não havia distinção entre esquerda e direita no movimento estudantil, mas havia “grupos avançados e grupos menos avançados”. E exemplifica: “Havia grupos que defendiam os interesses dos patrões, dos donos de colégios e empresas de ônibus e dos estudantes. De um lado estava a liderança do Atheneu e do outro, a do Marista, que representava a escola particular e o Atheneu, a escola pública, cujos líderes defendiam mais verbas para o ensino público e gratuito em detrimento do ensino privado. A campanha do “Petróleo é nosso” também foi outra grande bandeira de luta. “Quem era da direita, defendia os interesses da escola particular. Quem era mais avançado , defendia o ensino público”, completou o advogado e professor Israel Vieira, hoje um brizolista juramentado.

Ele se lembra de alguns líderes estudantis secundaristas do seu tempo que assumiam posições conservadoras: José Augusto Othon, seu concorrente na eleição para a presidência da APE e Luiz Antonio Porpino, que foi gerente do Hotel Ducal, ambos alunos do Colégio Santo Antonio (Marista).

O Colégio Estadual do Athneu Norte-rio-grandense era o que tinha o maior número de alunos e, por isso, liderava o movimento estudantil de Natal e era o único instituto de segundo grau, público, com três turnos, só para homens, onde se estudava o “científico” e o “clássico”, após cursar o ginasial. Como o movimento era polarizado entre o Atheneu e o Marista, o Diretório Estudantil “Celestino Pimentel” comandava os estudantes das camadas pobres. Foi nesse grêmio estudantil que Sales da Cunha firmou a sua liderança e militância políticas, somente superada por outro líder famoso: Pecado, alcunha de Manoel Filgueira Filho. “O aluno ingressava no ginasial após o exame de admissão, um verdadeiro vestibular. Havia o “batismo” dos calouros e Pecado era o encarregado dessa festa, mas nunca passou da segunda série ginasial. Foi um estudante profissional, nasceu em Mossoró, morou em Natal muitos anos e terminou funcionário do Atheneu. Pecado não era de direita nem comunista, não era nada; foi um simples estudante profissional, um boa vida que só queria desfrutar das “benesses” do movimento estudantil, das mordomias, pois os estudantes gozavam de descontos de 50% nas passagens de ônibus,nos cinemas, liderava competições desportivas e todo mundo respeitava. E assim foi levando a vida, sem idéias comunistas”, conta Israel Vieira.

 

CIA financiou estudantes e padre em 1961 (II)

Dois Pontos, 14 a 20 de maio de 1988.

 

Ainda Pecado – No final dos anos 50, muitas passeatas foram comandadas por Pecado, uma figura que ficou folclórica em Natal, e eram realizadas no trecho compreendido entre o Atheneu, no bairro de Petrópolis, e o “Grande Ponto”, no meio da rua João Pessoa, na Cidade Alta. As causas das passeatas: precariedade e preços das viagens nos transportes coletivos.  Os ônibus eram escassos, velhos e caros. “Houve algumas tentativas de queimar ônibus, no Grande Ponto, mas nunca se concretizaram devido a presença da polícia”, disse o professor Israel Vieira da Silva, ex-presidente da Associação Potiguar de Estudantes-APE.

Com saudades, Israel relembra que as datas nacionais eram comemoradas todos os anos no âmbito dos estabelecimentos de ensino de primeiro e segundo graus (21 de abril, 7 de setembro, 15 de novembro, etc), além do dia 11 de agosto, Dia do Estudante, com concentrações de estudantes, reuniões, conferências, numa verdadeira simbiose escolar. As datas eram lembradas nas escolas, promovidas pelos grêmios ou diretórios estudantis, “sem grandes mobilizações de massa nas ruas”.

Ele não se lembra de que haja ocorrido qualquer repressão violenta ao movimento estudantil secundarista em Natal, na década de 50, mas recorda-se que os universitários, alunos da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte, criada pelo governador Dinarte Mariz, eram mais atuantes, principalmente os estudantes da Faculdade de Direito, na praça Augusto Severo, Ribeira, no prédio onde hoje funciona a Secretaria da Segurança Pública.

“No governo de Aluizio Alves houve muita repressão. O secretário de segurança, coronel Manoel Leão Filho, mandava “baixar o cacete” nos estudantes. Nessa época, os líderes eram Hélio Vasconcelos, Danilo Bessa, gente de esquerda. A repressão era maior nos trotes, tendo em vista que nos trotes, os estudantes criticavam  com os seus cartazes a autoridade estabelecida e a administração de Aluizio, que foi muito duro nessa questão”, disse Israel.

Entre 1961/1965, Israel Vieira escreveu na “Tribuna do Norte”, onde tinha coluna dirigida aos estudantes, “Vida Estudantil”, na qual atirava flores à administração de Aluizio, de quem foi fiel correligionário e fundador da “Cruzada da Esperança”. Perdeu um ano do curso de direito para se dedicar à campanha de Aluizio Alves, tornando-se, mais tarde, chefe de gabinete de Duarte Filho, secretário da Saúde Pública. Ele lembra que Aluizio atraiu muitos estudantes para a sua campanha, pois foi o primeiro político a levar a juventude potiguar a acreditar em mudanças. “Até o hino da campanha era um hino de promessas. Por essa razão, eu e parte da estudantada participamos da campanha dele, pois acreditávamos que estávamos trabalhando para a transformação do nosso Estado”, conta Israel, que trabalhou com Aristófanes Fernandes e, após 1965, desencantado, abandonou a política. Somente retornou à política em 1985, com a candidatura de Waldson Pinheiro, do PDT, à Prefeitura de Natal.

ANUIDADES – Tal como hoje, as anuidades escolares já eram um problema grave para a estudantada, segundo informa Israel Vieira. O problema era mais agudo porque o número de escolas e de vagas era reduzido. Para se conseguir uma vaga numa escola pública ou privada era necessário um cartão de um político, “senão não se matriculava”. No Atheneu, o único colégio público, só se matriculava com um cartão de político, se o aluno fosse do interior.

As divergências eram também importantes entre as entidades estudantis da época, principalmente entre o Centro Estudantal Potiguar-CEP e a Associação Potiguar de Estudantes-APE. No Centro Estudantal houve uma direção muito criticada, a de Jurandir Tahim, que sempre se reelegia, “pois era uma espécie de clube fechado”.

“No Centro Estudantal só se filiava quem fosse de acordo com Jurandir Tahim; quem não fosse, ele não filiava. Jurandir era uma espécie de “coronel” do CEP. Então, se criticou a sua administração, se denunciou que ele não prestava contas, que ninguém sabia para onde ia o dinheiro que a entidade recebia, etc. E a entidade não atuava políticamente, ao contrário da APE, liderada por Érico Hackradt, antes de mim. A APE  era mais viva, mais atuante, mais aberta. Então, nesse ângulo houve uma grande rivalidade entre a APE e o Centro. Na minha gestão, levamos a eleição para o interior, pois antes só era realizada em Natal e de forma indireta. Fizemos a primeira eleição  direita, envolvendo todos os alunos das escolas de Natal, inclusive a Escola Doméstica, Colégio Agrícola de Jundiaí, escolas de Mossoró, Caicó, Assú, Macaíba e Parnamirim. Após a eleição e posse da diretoria, fizemos reuniões em Natal com as lideranças do interior e editamos um jornal impresso na Imprensa Oficial do Estado. Além disso, conseguimos um grande tento: legalizar a carteira de estudante. Até então, o estudante conduzia a carteirinha para identificação, mas com a Lei Érico Hackradt, em 1958, instituiu-se o abatimento de 50% nos cinemas e ônibus. Antes o abatimento só existia nos cinemas, o único grande meio de diversão para os estudantes”, disse Israel.

BALA EM ESTUDANTE – Como episódio quase trágico na sua vida de política estudantil, Israel lembra um comício que estava sendo realizado em frente ao Atheneu, durante a campanha de Aluizio Alves, em 1960. “Os estudantes discursavam na frente da casa do então deputado João Aureliano, o Coleguinha, que, achando-se incomodado com a “zoada”, sacou um revólver e apertou o gatilho várias vezes, no meio da concentração, mas atirando pra cima. Então, correu todo mundo e acabou-se o comício”, conta o ex-presidente da APE (ele foi sucedido  na APE por Edmilson Felipe, Paulo Ney de Lacerda (advogado em Brasília) e Pio Cavalcanti.

Segundo Israel, as bandeiras de lutas dos estudantes sempre foram nacionalistas, tais como a campanha pela defesa do petróleo brasileiro, das reservas minerais, etc. Mas houve um acontecimento que mexeu com os nacionalistas, comunistas e direitistas de Natal: o Congresso Latino-Americano de Estudantes - CLAE. “Estávamos em 1961, mas a presença da representação cubana foi quem ouriçou, pois Cuba estava no auge da sua revolução, graças a repressão dos Estados Unidos a Fidel Castro. A questão levantada foi por causa da chegada de representações da maioria dos países convidados: essa maioria era subvencionada pela CIA, pelo Departamento de Estado norte-americano. A confusão foi grande quando uma delegação do Panamá ou da Guatemala descobriu um telegrama da CIA dando orientações para os estudantes se conduzirem no congresso. Coube a um estudante de Cuba ou do Chile, não tenho certeza qual sua nacionalidade, ler o telegrama. Quando o estudante chileno ou cubano estava dizendo que ali havia representações pagas pelos americanos, então, o tiroteio começou no recinto. Foi bala pra burro , depois de luta corporal entre o estudante que estava com o telegrama e os que queriam arrebatar o telegrama. Então, alguém puxou o revólver e meteu bala, derivando-se em tiroteio que foi fotografado pelos repórteres e jornalistas,  o que levou alguns estudantes a quebrar as máquinas fotográficas. A bagunça foi grande e o congresso foi encerrado no segundo dia”, conta Israel Vieira.

O Congresso da CLAE foi realizado nas dependências da atual Escola Estadual Professor Anísio Teixeira, na praça Cívica Pedro Velho. Sabe-se, por outras fontes, que um padre indiano, Campos, comandou um grupo de estudantes da direita para atacar o Congresso e realizou reuniões nas dependências do Serviço de Assistência Rural-SAR, que contou com a presença de Ney Lopes de Souza, Adilson de Castro Miranda, João Maria Cortez Gomes (este ficou encarregado de panfletar e provocar os cubanos) e outros jovens da Juventude Estudantil Católica-JEC. Realizaram as tarefas, foram cobaias do padre Campos, mas muitos fugiram nas primeiras refregas.

O telegrama do Departamento de Estado, que dava orientações à representação do país, cujas despesas de viagens, diárias, alimentação e hotel eram pagas pelos americanos, teria sido interceptado na portaria do “Grande Hotel”, na Ribeira. “Não sei como conseguiram o telegrama. Sei que o telegrama dava orientações sobre o que fazer no congresso , como atacar Cuba, como defender tal e tal país, etc. Só sei que a Polícia interviu e acabou-se o congresso”, afirma Israel.

Ele assegura que a Igreja não colaborou para o fracasso do Congresso da CLAE, patrocinada pela União Nacional dos Estudantes-UNE, apesar de reconhecer que naquele tempo a Igreja Católica estava ligada aos poderosos.  “E havia grupos de direita dentro da Igreja: a Juventude Estudantil Católica- JEC e a Juventude Universitária Católica-JUC. Eram grupos muito fortes, além da Juventude Operária Católica-JOC, integradas e lideradas por estudantes que começavam  a se destacar no movimento estudantil. Eu fui participante da JUC, assim como João Faustino e a maioria dos líderes estudantis. Na Universidade, em 1961, já tinha gente de esquerda; na JUC, JEC, JOC, JIC, não.  No meio universitário, conhecíamos  como de esquerda Luiz Maranhão Filho, Hélio Vasconcelos, Danilo Bessa e outros. Eram pessoas que a cidade dizia ser de esquerda, mas como estudantes não discutiam ideologia. Eram envolvidos na luta nacionalista contra o truste estrangeiro”, comenta Israel.

DIREITA – Segundo o pedetista Israel Vieira, a Igreja apregoava que o comunismo acabava com a família, que matava as criancinhas. “Então, os líderes estudantis de direita lançavam  a palavra de ordem que o comunismo era a peste. A Igreja era profundamente reacionária, cujo discurso era que o Estado acabava com a família, que cada um era dono dos seus filhos, etc. Eles pregavam isso. Então, todo mundo movimento de direito tinha a família como alvo dos debates, com o objetivo de encostar os comunistas. O bom mesmo era ser de direita, pois era mais bem-visto, cortejado. Entre outros nomes que assumiam posições de direita posso adiantar José Augusto Othon, Pio Cavalcanti e padre Celestino Galvão, de Currais Novos. Esse era um padre que atuava mesmo no movimento estudantil. Ele morava em Caicó, mas se envolvia com os estudantes de Natal, Caicó, Currais Novos, Ceará-Mirim, Parelhas. Onde houvesse movimento, ele estava  metido, sempre como um padre conservador. O padre Galvão tinha uma liderança muito forte entre os jovens, principalmente em fundações e reuniões de grêmios, congressos, etc. Dom Eugênio Sales foi um líder na Igreja e sempre teve muita influência na juventude, mas não era um homem de se expor, de aparecer, ir lá. Por debaixo dos panos, ele sabia manipular e já era considerado um bispo conservador. Já os padres Agnelo Dantas Barreto, Oto Santana e Antonio Soares Costa atuavam na coordenação da JEC, JUC, JIC e JOC ”.

 

DEPUTADOS ENVERGONHARAM OS ESTUDANTES  (III)

Dois Pontos, de 21 a 25 de maio de 1988

 

Ö estudante aqui, como em muitos outros países da América Latina, é movido por algo mais do que o simples espírito anarquista que caracteriza o jovem moderno na Europa ou nos Estados Unidos. Esse algo mais, que torna o estudante brasileiro muito mais maduro, políticamente, do que o seu colega europeu ou norte-americano, refere-se a uma profunda decepção quanto à maneira como o Brasil foi conduzido no passado, de uma violenta revolta contra o modo pelo qual ele é dirigido no presente e de uma entusiástica disposição de governá-lo de outra forma no futuro. Devido a essa perspectiva de poder – que muitas pessoas imediatistas e carentes de imaginação, podem considerar utópica, mas que é, afinal, uma consequência inevitável das leis naturais – o estudante brasileiro é oposicionista nato”. (Arthur José Poerner, O Poder Jovem, história da participação política dos estudantes. Rio de Janeiro,. Civilização Brasileira, 1969, p.26).

 

 

 

Para Hélio Vasconcelos, ex-secretário de Educação do Estado do RN e atualmente exercendo as funções de Procurador da Assembléia Legislativa, a mais antiga entidade estudantil de Natal foi o Centro Estudantal Potiguar, criada em 1935, por um grupo de alunos do Atheneu Norte-rio-grandense que representou uma espécie de “pré-universidade do Rio Grande do Norte”. De lá, também  saíram as grandes lutas, como a do “O petróleo é nosso” e outras reivindicações.

--Desse grupo, entre outros nomes, relembro as figuras de Luiz Maranhão Filho, Alvamar Furtado, José Cândido, Vivaldo Ramos de Vasconcelos. Destes, estão vivos o professor Alvamar Furtado e José Cândido. Luiz Maranhão foi morto pelo golpe de 64 e Vivaldo Vasconcelos também. Depois de alguns anos, nos idos de 47/48, surge uma cisão no movimento estudantil secundarista, que eu vejo como um marco: a Associação Potiguar de Estudantes, formada por alunos da Escola Técnica de Comércio, Escola Industrial de Natal, Colégio Imaculada Conceição, Colégio das Neves, com a liderança de Érico Hackradt, o grande líder estudantil desta época, Moacir de Góis, João Ururahy Nunes do Nascimento, Omar Pimenta e um estudante chamado Hitler Miranda. Na época não se falava em reacionário, conservador, progressista, direita, esquerda, nada disso. Esta cisão teria sido em decorrência de uma eleição que este pessoal da APE acusava de ter sido uma eleição viciada. Eles haviam perdido e me faz lembrar as campanhas políticas da época, pois quando a UDN perdia uma eleição, queria ganhar no tapetão. Nesta época, surge a APE e isso abalou muito a força do movimento secundarista, porque se dividiu entre esses estudantes, com Érico Hackradt à frente, e o Centro Estudantal, do qual fui presidente em 1955/56”, historia o professor Hélio Vasconcelos.

O Centro Estudantal Potiguar tinha sede, funcionários, prestava contas de suas atividades ao seu quadro social. Era uma entidade estudantil burocratizada para poder distribuir as carteirinhas estudantis. Nos tempos da liderança de Hélio Vasconcelos, o CEP funcionou em duas sedes: uma na avenida Rio Branco e, depois, na rua Princesa Isabel, onde hoje é o Café São Luiz.

O CEP se mantinha de uma subvenção do Estado e da renda dos sócios que pagavam as mensalidades. Como órgão de classe, lutava por abatimentos dos estudantes nos ônibus e cinemas e realizava algumas atividades sociais e recreativas (festas dançantes), jogos desportivos, mantinha uma biblioteca que era muito consultada pelos estudantes e havia até um grêmio literário na própria estrutura do Centro Estudantal.

A APE tinha também muita movimentação, conta Hélio Vasconcelos, relembrando a época em que lutou pela integração das entidades com vistas ao fortalecimento do movimento estudantil. “O movimento já era fraco e dividido se tornava mais fraco ainda. Mas isso nunca foi conseguido porque aí já se tinha um divisor mais ou menos claro: o Centro Estudantal, por ter sido criado em 1935, tinha a pecha de ser entidade ligada aos comunistas. Lembro-me bem que em duas vezes em que assumi a presidência, houve um congresso de estudantes em Natal e o Centro Estudantal teve muita dificuldade em participar desse congresso porque era um congresso feito por estudantes católicos. Eu tive que falar com o Arcebispo, Dom Marcolino Esmeraldo de Souza Dantas, e ele, uma pessoa generosissíma, disse “para mim isto não tem maior valor, acho que vocês todos são estudantes, vocês não têm nenhuma definição de conteúdo ideológico”. Ele pensava assim, na primeira visita que eu fiz. Mas a maioria tinha prevenção contra o Centro Estudantal Potiguar.

O Centro participou do congresso e aí houve a cisão na APE. Alguns líderes saíram da APE, como Geraldo Lago de Oliveira, hoje juiz de direito, era grande orador estudantil; Francisco das Chagas Rocha saiu e foi para o Centro e Arnaldo Arsênio de Azevedo, entre outros. Nesse pouco de história, dava para sentir o início de uma certa maturidade, um pouco das coisas que devia realizar”, disse Hélio Vasconcelos.

Na sua opinião o marco central de todo o movimento estudantil partiu do Colégio Estadual do Atheneu Norte-rio-grandense, que era o maior estabelecimento e que se equiparava “aos melhores colégios da capital”, tendo em vista que o seu ensino era sério. Hélio e Varela Barca foram alunos do Atheneu, assim como milhares de estudantes de diversas gerações. Como Secretário de Educação , no governo de José Agripino Maia (1982-1986), o professor Hélio Vasconcelos teve oportunidade de dialogar com estudantes do Atheneu, que faziam reivindicações, ocasião em que tentou renascer o movimento estudantil, mas sem obter êxito, conforme revelou ao repórter.

--No meu tempo de estudante o Atheneu era o grande foco de reivindicações”, relembra, acrescentando que a participação política dos seus alunos era intensa, enquanto os colégios particulares eram mais fechados, políticamente, por serem mais elitistas”, conta Hélio. Ele adianta que os estudantes das escolas privadas também fizeram alguns movimentos de rua, mas não deixavam de ser elitistas, por culpa da própria cúpula dirigente das escolas.

No início do governo de Dinarte Mariz, em 1956, tiraram o professor Celestino Pimentel da direção do Atheneu e nomearam o padre-professor João da Mata Paiva. Os estudantes se rebelaram e contaram com o apoio do Centro Estudantal, segundo informa Hélio Vasconcelos, considerando o ato estudantil como uma verdadeira “insurreição” do Atheneu.

“O governo, que estava começando, não recuou, manteve a nomeação do monsenhor Mata, que permaneceu diretor do Atheneu. Mas, Celestino Pimentel conseguiu sair com todas as glórias e honras e ser uma espécie de diretor dos estudantes. Ele consagrou-se, ao meu ver, como o diretor da preferência dos alunos. O monsenhor Mata assumiu e teve problemas difíceis na fase inicial, mas depois conseguiu superá-los. Foi o primeiro embate do governo com os estudantes, pois houve muitas passeatas, atos públicos e comícios, sem repressão policial. No governo de Dinarte Mariz não houve repressão policial aos estudantes. Num desses atos, em frente ao Atheneu, falava-se muito do governo, por mais que a gente quisesse conter um pouco os ânimos dos mais exaltados, ninguém conseguia conter. Falavam muito mal do governo, muitos desaforos, muitas críticas”, conta Hélio Vasconcelos, registrando que Manoel Filgueira Filho, vulgo Pecado, já estava começando a agitar massa estudantil de Natal.

Presidiu o Centro Estudantal Potiguar o estudante Serquiz Farkatt, grande figura humana e que procurou dar ao Centro a importância da mais antiga entidade secundarista do Rio Grande do Norte. Realizou concursos literários, incentivou a prática dos esportes e foi um excelente administrador, relembra o professor e advogado Hélio Vasconcelos.  Serquiz tornou-se jornalista e foi um dos editores do jornal “Correio do Povo”, localizado na praça padre João Maia, Centro, de propriedade de Dinarte de Medeiros Mariz.

NÃO HOUVE TIROTEIO – Em virtude de falta técnica no gravador, a transcrição da entrevista com o professor Israel Vieira da Silva, publicada em duas edições anteriores, provocou um equívoco sobre o Congresso Latino-Americano de Estudantes – CLAE, realizado em Natal, em 1961. Na verdade, não houve intenso tiroteio no segundo dia ( e último) do congresso. Os congressistas sacaram revólveres, sem dispará-los. O que houve foi muito quebra-quebra e barulho.

O professor Israel destacou que Hélio Vasconcelos foi o maior líder estudantil universitário, enquanto Manuel Filgueira Filho, vulgo, Pecado, teve atuação destacada entre os secundaristas. Após o golpe de abril de 1964, Pecado foi acusado de denunciar diversos companheiros e, por isso, foi recompensado com um emprego na secretaria do Atheneu. Depois de Hélio, a grande liderança estudantil foi Francisco Sales da Cunha, tendo em vista que a sua atuação ocorreu nos colégios públicos e privados. Israel atribui a Pecado a fundação da Cooperativa dos Estudantes de Natal Ltda., que continua funcionando na rua Felipe Camarão, Centro.

Israel comenta que uma das maiores movimentações de massas, na década de 1950, em Natal, foi o seqüestro do busto de Amaro Cavalcanti da Assembléia Legislativa, destacando-se Hélio Vasconcelos como um dos principais oradores dos comícios realizados no centro da cidade. Quando a movimentação da direita contra o congresso da CLAE, Israel informa que um dos mais brilhantes oradores foi o atual procurador do Estado, Francisco de Assis Fernandes, que esbravejou contra o comunismo e Fidel Castro.

O professor Israel Vieira acha difícil que a juventude de hoje repita o movimento estudantil repita o movimento estudantil das décadas 50 e 60, tendo em vista que, na sua opinião, a sociedade brasileira perdeu a sua identidade e “o jovem está perdido, desinteressado, imitativo e um simples espectador do processo histórico”. Ele adianta que os jovens estão alienados pela sociedade consumista.

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