domingo, 15 de dezembro de 2013


 

O Movimento Estudantil do RN antes e durante a ditadura militar (I)

 

 DOIS PONTOS, 07 a 13 de maio de 1988

Texto de Luiz Gonzaga Cortez

 

 

 

 

            “Em muitos movimentos da vida nacional os estudantes se converteram em verdadeiras “pontas de lança” de uma sociedade amordaçada, reprimida e oprimida, atuando no sentido de desencadear movimentos de caráter mais amplo e que desembocaram em sérias transformações políticas no país. Bastam alguns exemplos (...) para comprovar isto: na campanha pela entrada do Brasil na luta contra o nazi-fascismo, no início da década de 40; na campanha pelo estabelecimento do monopólio estatal do petróleo e a criação da Petrobrás; nos protestos contra a ditadura, nos anos 1966 a 1968; em todos, foi decisiva a participação dos estudantes, ou seja, eles, enquanto componentes de um movimento, assumiram o papel de fenômeno político de primeiro plano”. (Antonio Mendes Jr., in Movimento Estudantil no Brasil, Editora Brasiliense, São Paulo, 1981, p.08).

 

            Israel Vieira da Silva, advogado e professor, atualmente filiado ao Partido Democrático Trabalhista,  foi líder estudantil em Natal, do final da década de 50 até os primeiros anos da década de 60, quando a capital potiguar tinha um forte e organizado movimento estudantil que se rivalizava, em acirradas disputas pela sua hegemonia, entre o Colégio Estadual do Atheneu professor Israel Vieira da Silva, atualmente filiado ao Partido Democrático Norte-rio-grandense e o Colégio Santo Antônio (Marista). Os dois estabelecimentos de ensino, um público e outro particular, reuniam pouco mais de dois mil estudantes e as suas disputas  eram mais intensas nas quadras e campos de esportes e/ou nas atividades culturais da época.

No período em que Israel Vieira liderou parte do movimento estudantil, Natal era mais provinciana do que é e as reivindicações dos estudantes eram quase as mesmas das levantadas pelos jovens de hoje. Entre o movimento estudantil de hoje e o do final da década de 50 só havia uma diferença, profunda: a falta de sintonia entre os partidos políticos, de esquerda e conservadores, e entre a massa e a liderança estudantil.

Naquela época, não existia a ligação do movimento estudantil e o movimento político. O movimento era direcionado para a vida estudantil,  para as necessidades dos estudantes, cujas reivindicações eram poucas, tais como problemas de transportes coletivos, mais ônibus e preços das passagens mais baratas. Natal só existia até a fábrica Guararapes, no bairro de Lagoa Seca: não existiam a Zona Norte, os conjuntos Cidade da Esperança, Candelária, o Instituto Kennedy, que foi construído no governo de Aluizio Alves. A cidade era muito pequena e as linhas de ônibus eram curtas. Isso ocasionava um problema porque os colégios eram concentrados no centro da cidade; não havia colégios na periferia e os estudantes deslocavam-se de ônibus para o centro, onde estavam as escolas mais importantes, como o Atheneu, Marista, Imaculada Conceição, Sete de Setembro, Escola Industrial e Escola Normal (feminina). Então, as exigências dos estudantes eram poucas e não existia a complexidade do movimento, como ocorre hoje. Sua complexidade é maior, evoluiu para a participação da esquerda e da direita e se vinculou a partidos políticos.

A política era diferente da de hoje, pois era baseada nas velhas lideranças, oriundas do coronelismo e do paternalismo que dominavam o Rio Grande do Norte. Tampouco o povo participava das campanhas políticas, tradição quebrada na campanha desenvolvida por Aluizio Alves, candidato a governador, em 1960, “levando homens, mulheres, velhos e crianças para as ruas”, disse o professor Israel, um dos fundadores da “Cruzada da Esperança”, movimento que juntou pessoas de vários matizes sociais, como Walter Gomes (hoje jornalista em Brasília), José Coelho Ferreira, Luciano Veras (coronel da PM), Quinho Chaves, professor e psiquiatra, o comerciante Militão Chaves, os estudantes José Martins, Paulo Herôncio, Manoel Martins da Silva, Magnus Kelly Rocha,  etc.

Numa época em que estudante não participava da política, tradicionalmente conservadora, a Cruzada da Esperança promoveu um comício no Grande Ponto  ( logradouro no centro de Natal) historicamente marcado pelo lançamento da candidatura do então deputado federal Aluizio Alves a Governador contra as forças mais reacionárias do Estado. Um ano depois os estudantes da Cruzada estavam subindo as escadas do Palácio Potengi com o seu novo líder.

AS LIDERANÇAS – Para  Israel Vieira as lideranças estudantis eram  Francisco Sales da Cunha, presidente do Diretório Estudantil “Celestino Pimentel”, do Atheneu, “muito atuante e, mais tarde, eleito vereador por conta dessa liderança política”; Jurandir Tahim, Waldir Freitas, ex-gerente das Casas Pernambucanas em Natal; Érico de Souza Hackradt, “um grande líder”. “Essas as principais lideranças, na minha opinião, do meu tempo, que atuaram no Centro Estudantal Potiguar - CEP e Associação Potiguar de Estudantes  - APE, recorda Israel.

Ele informa que não havia distinção entre esquerda e direita no movimento estudantil, mas havia “grupos avançados e grupos menos avançados”. E exemplifica: “Havia grupos que defendiam os interesses dos patrões, dos donos de colégios e empresas de ônibus e dos estudantes. De um lado estava a liderança do Atheneu e do outro, a do Marista, que representava a escola particular e o Atheneu, a escola pública, cujos líderes defendiam mais verbas para o ensino público e gratuito em detrimento do ensino privado. A campanha do “Petróleo é nosso” também foi outra grande bandeira de luta. “Quem era da direita, defendia os interesses da escola particular. Quem era mais avançado , defendia o ensino público”, completou o advogado e professor Israel Vieira, hoje um brizolista juramentado.

Ele se lembra de alguns líderes estudantis secundaristas do seu tempo que assumiam posições conservadoras: José Augusto Othon, seu concorrente na eleição para a presidência da APE e Luiz Antonio Porpino, que foi gerente do Hotel Ducal, ambos alunos do Colégio Santo Antonio (Marista).

O Colégio Estadual do Athneu Norte-rio-grandense era o que tinha o maior número de alunos e, por isso, liderava o movimento estudantil de Natal e era o único instituto de segundo grau, público, com três turnos, só para homens, onde se estudava o “científico” e o “clássico”, após cursar o ginasial. Como o movimento era polarizado entre o Atheneu e o Marista, o Diretório Estudantil “Celestino Pimentel” comandava os estudantes das camadas pobres. Foi nesse grêmio estudantil que Sales da Cunha firmou a sua liderança e militância políticas, somente superada por outro líder famoso: Pecado, alcunha de Manoel Filgueira Filho. “O aluno ingressava no ginasial após o exame de admissão, um verdadeiro vestibular. Havia o “batismo” dos calouros e Pecado era o encarregado dessa festa, mas nunca passou da segunda série ginasial. Foi um estudante profissional, nasceu em Mossoró, morou em Natal muitos anos e terminou funcionário do Atheneu. Pecado não era de direita nem comunista, não era nada; foi um simples estudante profissional, um boa vida que só queria desfrutar das “benesses” do movimento estudantil, das mordomias, pois os estudantes gozavam de descontos de 50% nas passagens de ônibus,nos cinemas, liderava competições desportivas e todo mundo respeitava. E assim foi levando a vida, sem idéias comunistas”, conta Israel Vieira.

 

CIA financiou estudantes e padre em 1961 (II)

Dois Pontos, 14 a 20 de maio de 1988.

 

Ainda Pecado – No final dos anos 50, muitas passeatas foram comandadas por Pecado, uma figura que ficou folclórica em Natal, e eram realizadas no trecho compreendido entre o Atheneu, no bairro de Petrópolis, e o “Grande Ponto”, no meio da rua João Pessoa, na Cidade Alta. As causas das passeatas: precariedade e preços das viagens nos transportes coletivos.  Os ônibus eram escassos, velhos e caros. “Houve algumas tentativas de queimar ônibus, no Grande Ponto, mas nunca se concretizaram devido a presença da polícia”, disse o professor Israel Vieira da Silva, ex-presidente da Associação Potiguar de Estudantes-APE.

Com saudades, Israel relembra que as datas nacionais eram comemoradas todos os anos no âmbito dos estabelecimentos de ensino de primeiro e segundo graus (21 de abril, 7 de setembro, 15 de novembro, etc), além do dia 11 de agosto, Dia do Estudante, com concentrações de estudantes, reuniões, conferências, numa verdadeira simbiose escolar. As datas eram lembradas nas escolas, promovidas pelos grêmios ou diretórios estudantis, “sem grandes mobilizações de massa nas ruas”.

Ele não se lembra de que haja ocorrido qualquer repressão violenta ao movimento estudantil secundarista em Natal, na década de 50, mas recorda-se que os universitários, alunos da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte, criada pelo governador Dinarte Mariz, eram mais atuantes, principalmente os estudantes da Faculdade de Direito, na praça Augusto Severo, Ribeira, no prédio onde hoje funciona a Secretaria da Segurança Pública.

“No governo de Aluizio Alves houve muita repressão. O secretário de segurança, coronel Manoel Leão Filho, mandava “baixar o cacete” nos estudantes. Nessa época, os líderes eram Hélio Vasconcelos, Danilo Bessa, gente de esquerda. A repressão era maior nos trotes, tendo em vista que nos trotes, os estudantes criticavam  com os seus cartazes a autoridade estabelecida e a administração de Aluizio, que foi muito duro nessa questão”, disse Israel.

Entre 1961/1965, Israel Vieira escreveu na “Tribuna do Norte”, onde tinha coluna dirigida aos estudantes, “Vida Estudantil”, na qual atirava flores à administração de Aluizio, de quem foi fiel correligionário e fundador da “Cruzada da Esperança”. Perdeu um ano do curso de direito para se dedicar à campanha de Aluizio Alves, tornando-se, mais tarde, chefe de gabinete de Duarte Filho, secretário da Saúde Pública. Ele lembra que Aluizio atraiu muitos estudantes para a sua campanha, pois foi o primeiro político a levar a juventude potiguar a acreditar em mudanças. “Até o hino da campanha era um hino de promessas. Por essa razão, eu e parte da estudantada participamos da campanha dele, pois acreditávamos que estávamos trabalhando para a transformação do nosso Estado”, conta Israel, que trabalhou com Aristófanes Fernandes e, após 1965, desencantado, abandonou a política. Somente retornou à política em 1985, com a candidatura de Waldson Pinheiro, do PDT, à Prefeitura de Natal.

ANUIDADES – Tal como hoje, as anuidades escolares já eram um problema grave para a estudantada, segundo informa Israel Vieira. O problema era mais agudo porque o número de escolas e de vagas era reduzido. Para se conseguir uma vaga numa escola pública ou privada era necessário um cartão de um político, “senão não se matriculava”. No Atheneu, o único colégio público, só se matriculava com um cartão de político, se o aluno fosse do interior.

As divergências eram também importantes entre as entidades estudantis da época, principalmente entre o Centro Estudantal Potiguar-CEP e a Associação Potiguar de Estudantes-APE. No Centro Estudantal houve uma direção muito criticada, a de Jurandir Tahim, que sempre se reelegia, “pois era uma espécie de clube fechado”.

“No Centro Estudantal só se filiava quem fosse de acordo com Jurandir Tahim; quem não fosse, ele não filiava. Jurandir era uma espécie de “coronel” do CEP. Então, se criticou a sua administração, se denunciou que ele não prestava contas, que ninguém sabia para onde ia o dinheiro que a entidade recebia, etc. E a entidade não atuava políticamente, ao contrário da APE, liderada por Érico Hackradt, antes de mim. A APE  era mais viva, mais atuante, mais aberta. Então, nesse ângulo houve uma grande rivalidade entre a APE e o Centro. Na minha gestão, levamos a eleição para o interior, pois antes só era realizada em Natal e de forma indireta. Fizemos a primeira eleição  direita, envolvendo todos os alunos das escolas de Natal, inclusive a Escola Doméstica, Colégio Agrícola de Jundiaí, escolas de Mossoró, Caicó, Assú, Macaíba e Parnamirim. Após a eleição e posse da diretoria, fizemos reuniões em Natal com as lideranças do interior e editamos um jornal impresso na Imprensa Oficial do Estado. Além disso, conseguimos um grande tento: legalizar a carteira de estudante. Até então, o estudante conduzia a carteirinha para identificação, mas com a Lei Érico Hackradt, em 1958, instituiu-se o abatimento de 50% nos cinemas e ônibus. Antes o abatimento só existia nos cinemas, o único grande meio de diversão para os estudantes”, disse Israel.

BALA EM ESTUDANTE – Como episódio quase trágico na sua vida de política estudantil, Israel lembra um comício que estava sendo realizado em frente ao Atheneu, durante a campanha de Aluizio Alves, em 1960. “Os estudantes discursavam na frente da casa do então deputado João Aureliano, o Coleguinha, que, achando-se incomodado com a “zoada”, sacou um revólver e apertou o gatilho várias vezes, no meio da concentração, mas atirando pra cima. Então, correu todo mundo e acabou-se o comício”, conta o ex-presidente da APE (ele foi sucedido  na APE por Edmilson Felipe, Paulo Ney de Lacerda (advogado em Brasília) e Pio Cavalcanti.

Segundo Israel, as bandeiras de lutas dos estudantes sempre foram nacionalistas, tais como a campanha pela defesa do petróleo brasileiro, das reservas minerais, etc. Mas houve um acontecimento que mexeu com os nacionalistas, comunistas e direitistas de Natal: o Congresso Latino-Americano de Estudantes - CLAE. “Estávamos em 1961, mas a presença da representação cubana foi quem ouriçou, pois Cuba estava no auge da sua revolução, graças a repressão dos Estados Unidos a Fidel Castro. A questão levantada foi por causa da chegada de representações da maioria dos países convidados: essa maioria era subvencionada pela CIA, pelo Departamento de Estado norte-americano. A confusão foi grande quando uma delegação do Panamá ou da Guatemala descobriu um telegrama da CIA dando orientações para os estudantes se conduzirem no congresso. Coube a um estudante de Cuba ou do Chile, não tenho certeza qual sua nacionalidade, ler o telegrama. Quando o estudante chileno ou cubano estava dizendo que ali havia representações pagas pelos americanos, então, o tiroteio começou no recinto. Foi bala pra burro , depois de luta corporal entre o estudante que estava com o telegrama e os que queriam arrebatar o telegrama. Então, alguém puxou o revólver e meteu bala, derivando-se em tiroteio que foi fotografado pelos repórteres e jornalistas,  o que levou alguns estudantes a quebrar as máquinas fotográficas. A bagunça foi grande e o congresso foi encerrado no segundo dia”, conta Israel Vieira.

O Congresso da CLAE foi realizado nas dependências da atual Escola Estadual Professor Anísio Teixeira, na praça Cívica Pedro Velho. Sabe-se, por outras fontes, que um padre indiano, Campos, comandou um grupo de estudantes da direita para atacar o Congresso e realizou reuniões nas dependências do Serviço de Assistência Rural-SAR, que contou com a presença de Ney Lopes de Souza, Adilson de Castro Miranda, João Maria Cortez Gomes (este ficou encarregado de panfletar e provocar os cubanos) e outros jovens da Juventude Estudantil Católica-JEC. Realizaram as tarefas, foram cobaias do padre Campos, mas muitos fugiram nas primeiras refregas.

O telegrama do Departamento de Estado, que dava orientações à representação do país, cujas despesas de viagens, diárias, alimentação e hotel eram pagas pelos americanos, teria sido interceptado na portaria do “Grande Hotel”, na Ribeira. “Não sei como conseguiram o telegrama. Sei que o telegrama dava orientações sobre o que fazer no congresso , como atacar Cuba, como defender tal e tal país, etc. Só sei que a Polícia interviu e acabou-se o congresso”, afirma Israel.

Ele assegura que a Igreja não colaborou para o fracasso do Congresso da CLAE, patrocinada pela União Nacional dos Estudantes-UNE, apesar de reconhecer que naquele tempo a Igreja Católica estava ligada aos poderosos.  “E havia grupos de direita dentro da Igreja: a Juventude Estudantil Católica- JEC e a Juventude Universitária Católica-JUC. Eram grupos muito fortes, além da Juventude Operária Católica-JOC, integradas e lideradas por estudantes que começavam  a se destacar no movimento estudantil. Eu fui participante da JUC, assim como João Faustino e a maioria dos líderes estudantis. Na Universidade, em 1961, já tinha gente de esquerda; na JUC, JEC, JOC, JIC, não.  No meio universitário, conhecíamos  como de esquerda Luiz Maranhão Filho, Hélio Vasconcelos, Danilo Bessa e outros. Eram pessoas que a cidade dizia ser de esquerda, mas como estudantes não discutiam ideologia. Eram envolvidos na luta nacionalista contra o truste estrangeiro”, comenta Israel.

DIREITA – Segundo o pedetista Israel Vieira, a Igreja apregoava que o comunismo acabava com a família, que matava as criancinhas. “Então, os líderes estudantis de direita lançavam  a palavra de ordem que o comunismo era a peste. A Igreja era profundamente reacionária, cujo discurso era que o Estado acabava com a família, que cada um era dono dos seus filhos, etc. Eles pregavam isso. Então, todo mundo movimento de direito tinha a família como alvo dos debates, com o objetivo de encostar os comunistas. O bom mesmo era ser de direita, pois era mais bem-visto, cortejado. Entre outros nomes que assumiam posições de direita posso adiantar José Augusto Othon, Pio Cavalcanti e padre Celestino Galvão, de Currais Novos. Esse era um padre que atuava mesmo no movimento estudantil. Ele morava em Caicó, mas se envolvia com os estudantes de Natal, Caicó, Currais Novos, Ceará-Mirim, Parelhas. Onde houvesse movimento, ele estava  metido, sempre como um padre conservador. O padre Galvão tinha uma liderança muito forte entre os jovens, principalmente em fundações e reuniões de grêmios, congressos, etc. Dom Eugênio Sales foi um líder na Igreja e sempre teve muita influência na juventude, mas não era um homem de se expor, de aparecer, ir lá. Por debaixo dos panos, ele sabia manipular e já era considerado um bispo conservador. Já os padres Agnelo Dantas Barreto, Oto Santana e Antonio Soares Costa atuavam na coordenação da JEC, JUC, JIC e JOC ”.

 

DEPUTADOS ENVERGONHARAM OS ESTUDANTES  (III)

Dois Pontos, de 21 a 25 de maio de 1988

 

Ö estudante aqui, como em muitos outros países da América Latina, é movido por algo mais do que o simples espírito anarquista que caracteriza o jovem moderno na Europa ou nos Estados Unidos. Esse algo mais, que torna o estudante brasileiro muito mais maduro, políticamente, do que o seu colega europeu ou norte-americano, refere-se a uma profunda decepção quanto à maneira como o Brasil foi conduzido no passado, de uma violenta revolta contra o modo pelo qual ele é dirigido no presente e de uma entusiástica disposição de governá-lo de outra forma no futuro. Devido a essa perspectiva de poder – que muitas pessoas imediatistas e carentes de imaginação, podem considerar utópica, mas que é, afinal, uma consequência inevitável das leis naturais – o estudante brasileiro é oposicionista nato”. (Arthur José Poerner, O Poder Jovem, história da participação política dos estudantes. Rio de Janeiro,. Civilização Brasileira, 1969, p.26).

 

 

 

Para Hélio Vasconcelos, ex-secretário de Educação do Estado do RN e atualmente exercendo as funções de Procurador da Assembléia Legislativa, a mais antiga entidade estudantil de Natal foi o Centro Estudantal Potiguar, criada em 1935, por um grupo de alunos do Atheneu Norte-rio-grandense que representou uma espécie de “pré-universidade do Rio Grande do Norte”. De lá, também  saíram as grandes lutas, como a do “O petróleo é nosso” e outras reivindicações.

--Desse grupo, entre outros nomes, relembro as figuras de Luiz Maranhão Filho, Alvamar Furtado, José Cândido, Vivaldo Ramos de Vasconcelos. Destes, estão vivos o professor Alvamar Furtado e José Cândido. Luiz Maranhão foi morto pelo golpe de 64 e Vivaldo Vasconcelos também. Depois de alguns anos, nos idos de 47/48, surge uma cisão no movimento estudantil secundarista, que eu vejo como um marco: a Associação Potiguar de Estudantes, formada por alunos da Escola Técnica de Comércio, Escola Industrial de Natal, Colégio Imaculada Conceição, Colégio das Neves, com a liderança de Érico Hackradt, o grande líder estudantil desta época, Moacir de Góis, João Ururahy Nunes do Nascimento, Omar Pimenta e um estudante chamado Hitler Miranda. Na época não se falava em reacionário, conservador, progressista, direita, esquerda, nada disso. Esta cisão teria sido em decorrência de uma eleição que este pessoal da APE acusava de ter sido uma eleição viciada. Eles haviam perdido e me faz lembrar as campanhas políticas da época, pois quando a UDN perdia uma eleição, queria ganhar no tapetão. Nesta época, surge a APE e isso abalou muito a força do movimento secundarista, porque se dividiu entre esses estudantes, com Érico Hackradt à frente, e o Centro Estudantal, do qual fui presidente em 1955/56”, historia o professor Hélio Vasconcelos.

O Centro Estudantal Potiguar tinha sede, funcionários, prestava contas de suas atividades ao seu quadro social. Era uma entidade estudantil burocratizada para poder distribuir as carteirinhas estudantis. Nos tempos da liderança de Hélio Vasconcelos, o CEP funcionou em duas sedes: uma na avenida Rio Branco e, depois, na rua Princesa Isabel, onde hoje é o Café São Luiz.

O CEP se mantinha de uma subvenção do Estado e da renda dos sócios que pagavam as mensalidades. Como órgão de classe, lutava por abatimentos dos estudantes nos ônibus e cinemas e realizava algumas atividades sociais e recreativas (festas dançantes), jogos desportivos, mantinha uma biblioteca que era muito consultada pelos estudantes e havia até um grêmio literário na própria estrutura do Centro Estudantal.

A APE tinha também muita movimentação, conta Hélio Vasconcelos, relembrando a época em que lutou pela integração das entidades com vistas ao fortalecimento do movimento estudantil. “O movimento já era fraco e dividido se tornava mais fraco ainda. Mas isso nunca foi conseguido porque aí já se tinha um divisor mais ou menos claro: o Centro Estudantal, por ter sido criado em 1935, tinha a pecha de ser entidade ligada aos comunistas. Lembro-me bem que em duas vezes em que assumi a presidência, houve um congresso de estudantes em Natal e o Centro Estudantal teve muita dificuldade em participar desse congresso porque era um congresso feito por estudantes católicos. Eu tive que falar com o Arcebispo, Dom Marcolino Esmeraldo de Souza Dantas, e ele, uma pessoa generosissíma, disse “para mim isto não tem maior valor, acho que vocês todos são estudantes, vocês não têm nenhuma definição de conteúdo ideológico”. Ele pensava assim, na primeira visita que eu fiz. Mas a maioria tinha prevenção contra o Centro Estudantal Potiguar.

O Centro participou do congresso e aí houve a cisão na APE. Alguns líderes saíram da APE, como Geraldo Lago de Oliveira, hoje juiz de direito, era grande orador estudantil; Francisco das Chagas Rocha saiu e foi para o Centro e Arnaldo Arsênio de Azevedo, entre outros. Nesse pouco de história, dava para sentir o início de uma certa maturidade, um pouco das coisas que devia realizar”, disse Hélio Vasconcelos.

Na sua opinião o marco central de todo o movimento estudantil partiu do Colégio Estadual do Atheneu Norte-rio-grandense, que era o maior estabelecimento e que se equiparava “aos melhores colégios da capital”, tendo em vista que o seu ensino era sério. Hélio e Varela Barca foram alunos do Atheneu, assim como milhares de estudantes de diversas gerações. Como Secretário de Educação , no governo de José Agripino Maia (1982-1986), o professor Hélio Vasconcelos teve oportunidade de dialogar com estudantes do Atheneu, que faziam reivindicações, ocasião em que tentou renascer o movimento estudantil, mas sem obter êxito, conforme revelou ao repórter.

--No meu tempo de estudante o Atheneu era o grande foco de reivindicações”, relembra, acrescentando que a participação política dos seus alunos era intensa, enquanto os colégios particulares eram mais fechados, políticamente, por serem mais elitistas”, conta Hélio. Ele adianta que os estudantes das escolas privadas também fizeram alguns movimentos de rua, mas não deixavam de ser elitistas, por culpa da própria cúpula dirigente das escolas.

No início do governo de Dinarte Mariz, em 1956, tiraram o professor Celestino Pimentel da direção do Atheneu e nomearam o padre-professor João da Mata Paiva. Os estudantes se rebelaram e contaram com o apoio do Centro Estudantal, segundo informa Hélio Vasconcelos, considerando o ato estudantil como uma verdadeira “insurreição” do Atheneu.

“O governo, que estava começando, não recuou, manteve a nomeação do monsenhor Mata, que permaneceu diretor do Atheneu. Mas, Celestino Pimentel conseguiu sair com todas as glórias e honras e ser uma espécie de diretor dos estudantes. Ele consagrou-se, ao meu ver, como o diretor da preferência dos alunos. O monsenhor Mata assumiu e teve problemas difíceis na fase inicial, mas depois conseguiu superá-los. Foi o primeiro embate do governo com os estudantes, pois houve muitas passeatas, atos públicos e comícios, sem repressão policial. No governo de Dinarte Mariz não houve repressão policial aos estudantes. Num desses atos, em frente ao Atheneu, falava-se muito do governo, por mais que a gente quisesse conter um pouco os ânimos dos mais exaltados, ninguém conseguia conter. Falavam muito mal do governo, muitos desaforos, muitas críticas”, conta Hélio Vasconcelos, registrando que Manoel Filgueira Filho, vulgo Pecado, já estava começando a agitar massa estudantil de Natal.

Presidiu o Centro Estudantal Potiguar o estudante Serquiz Farkatt, grande figura humana e que procurou dar ao Centro a importância da mais antiga entidade secundarista do Rio Grande do Norte. Realizou concursos literários, incentivou a prática dos esportes e foi um excelente administrador, relembra o professor e advogado Hélio Vasconcelos.  Serquiz tornou-se jornalista e foi um dos editores do jornal “Correio do Povo”, localizado na praça padre João Maia, Centro, de propriedade de Dinarte de Medeiros Mariz.

NÃO HOUVE TIROTEIO – Em virtude de falta técnica no gravador, a transcrição da entrevista com o professor Israel Vieira da Silva, publicada em duas edições anteriores, provocou um equívoco sobre o Congresso Latino-Americano de Estudantes – CLAE, realizado em Natal, em 1961. Na verdade, não houve intenso tiroteio no segundo dia ( e último) do congresso. Os congressistas sacaram revólveres, sem dispará-los. O que houve foi muito quebra-quebra e barulho.

O professor Israel destacou que Hélio Vasconcelos foi o maior líder estudantil universitário, enquanto Manuel Filgueira Filho, vulgo, Pecado, teve atuação destacada entre os secundaristas. Após o golpe de abril de 1964, Pecado foi acusado de denunciar diversos companheiros e, por isso, foi recompensado com um emprego na secretaria do Atheneu. Depois de Hélio, a grande liderança estudantil foi Francisco Sales da Cunha, tendo em vista que a sua atuação ocorreu nos colégios públicos e privados. Israel atribui a Pecado a fundação da Cooperativa dos Estudantes de Natal Ltda., que continua funcionando na rua Felipe Camarão, Centro.

Israel comenta que uma das maiores movimentações de massas, na década de 1950, em Natal, foi o seqüestro do busto de Amaro Cavalcanti da Assembléia Legislativa, destacando-se Hélio Vasconcelos como um dos principais oradores dos comícios realizados no centro da cidade. Quando a movimentação da direita contra o congresso da CLAE, Israel informa que um dos mais brilhantes oradores foi o atual procurador do Estado, Francisco de Assis Fernandes, que esbravejou contra o comunismo e Fidel Castro.

O professor Israel Vieira acha difícil que a juventude de hoje repita o movimento estudantil repita o movimento estudantil das décadas 50 e 60, tendo em vista que, na sua opinião, a sociedade brasileira perdeu a sua identidade e “o jovem está perdido, desinteressado, imitativo e um simples espectador do processo histórico”. Ele adianta que os jovens estão alienados pela sociedade consumista.

Memórias das lutas políticas clandestinas (II)

 

 

 

 

         Além de Faustino e José Bezerra Marinho que, em 86, se candidatou a deputado federal com apoio da construtora Oderbrecht, você se lembra de outros nomes de pessoas que renegaram suas idéias do passado?

         Juliano – na verdade, é o seguinte:Uma série de pessoas importantes no movimento estudantil, no golpe de 1964 e no golpe de 1968, deixaram a cena política com dignidade, tiveram que sair do Rio Grande do Norte e alguns se exilaram em outros países, como foi o caso de Maria Laly Carneiro, estudante de medicina, outros se mandaram para o Rio de Janeiro, Brasília, São Paulo, etc, como Ginani, Geniberto Campos. Essas pessoas safran com dignidade. Quer dizer, hoje continuam sendo cidadãos democráticos, patriotas. Não conheço a sua militância partidária, mas nunca tive uma informação de que tenham abdicado de suas idéias e seus princípios. Danilo Bessa e Moacir de Góis foram para o Rio de Janeiro e voltaram ao RN. São exemplos de pessoas dignas. A alguns professores da Universidade com formação muita acadêmica tinham posições avançadas e continuaram, como é o caso de José Arruda Fialho, Ivis Bezerra. Essas pessoas, mesmo afastadas do movimento revolucionário depois de 64, se mantiveram com dignidade nas suas profissões, etc.

         Quanto ao suplente de deputado José Bezerra Marinho, eu conheci bastante quando ele saiu do Colégio Marista e ingressou no Atheneu. No movimento secundarista ele não teve nenhuma grande participação. Ele foi eleito presidente do Grêmio Lítero-cultural Celestino Pimentel, em eleição direta, quando derrotou o atual jornalista Marco Aurélio de Sá. Quem decidiu a parada foi o turno da tarde. Marinho foi eleito defendendo uma proposta que não tinha nada de política: era uma proposta cômica de centro, nem de direita, nem de esquerda. O movimento secundarista passou em branco, quer dizer contra a história do movimento estudantil do Rio Grande do Norte. Ingressou no Primeiro Ano da Faculdade de Direito numa turma de  mais de 70 alunos, com 70 pessoas que votavam convictamente nas assembléias com as posições de esquerda e ele votava nessas posições também. Chegou a ser eleito vice-delegado da faculdade ao 30 Congresso Nacional da UNE, em Ibiúna-SP. O delegado titular era eu. Por tarefa do PCB, eu não pude ir ao congresso e ele foi no meu lugar. Foi preso e na prisão fez uma confissão de arrependimento, uma confissão de fé anti-comunista e recebeu um tratamento diferenciado em relação aos demais presos, como Jaime Ariston, Ivaldo Caetano, José Rocha Filho, o nosso saudoso “Kerginaldo”, Emanuel Bezerra dos Santos, Gileno Guanabara, etc.(Kerginaldo morreu vitimado por câncer. Foi uma grande liderança no movimento estudantil e ex-presidente da Casa do Estudante do RN). Mas José Bezerra Marinho retomou a posição de cômico de centro na prisão. O pessoal ficou nas celas e ele no cassino dos oficiais. Quando saiu de lá, ele desapareceu da política. Eu passei seis anos fora do Rio Grande do Norte, três a quatro anos na clandestinidade. Voltei a estudar, em 1974, e voltei atuar na política timidamente, porque era cassado, no MDB e me organizei no movimento pró-anistia. E nesse movimento nunca vi a presença de Marinho, porque ele não participou de nada. Pra mim foi uma surpresa, em 1986, quando cheguei no RN, para passar as férias, e ter descoberto que ele tenha levantado na sua campanha para a Assembléia Nacional Constituinte o passado de luta no movimento estudantil. O que aconteceu foi só o acidente de Ibiúna, onde participou no meu lugar, depois de um ano de passeatas, e assembléias estudantis, na Faculdade de Direito. Mas em todo o processo de resistência democrática e toda a sua militância no movimento secundarista foi de política de direita. Foi um dos próceres da Juventude Estudantil Católica-JEC. Era um homem de direita, anti-comunista, com visão de democracia com as que tinham os que deram o golpe militar de 64, a que ele apoiou entusiásticamente. Ele nunca teve uma tradição no movimento estudantil progressista.

         Essa confissão de arrependimento está em algum documento oficial?

 

         Juliano – Eu tive oportunidade de ler essa confissão de arrependimento porque fui preso por volta de 1970 (Cópia da confissão? Claro que não tenho, não tive acesso a esse direito) e tive que assinar um documento que me condenava a um ano de prisão por atividades no movimento estudantil no Rio Grande do Norte. Era um documento volumoso, com mais de mil páginas. (A coisa que mais desejava era papel pra ler; lia até anúncios classificados). Então, resolvi dar uma lida no processo todo, como leu Gileno Guanabara, Emanoel Bezerra, Jaime Ariston, José Rocha Filho, Nurembergue Rocha Brito, Ivaldo Caetano. Nesse processo também estavam presente pessoas dignas, que foram absolvidas, como foi o caso de JoãoGualberto de Aguiar, que era vice-presidente do Diretório Acadêmico de Sociologia, da Faculdade da Fundação José Augusto, que não tenho nada contra ele, absolutamente. Estava Sezildo Câmara, que foi condenado. E lá, eu li os depoimentos dos presos e das testemunhas. Foi um preso que prestou depoimento, como ocorreu no meu caso particular, valeu como testemunha de acusação. Com relação a ele mesmo, disse que se arrependia de tudo aquilo, de ter sido iludido, de acordo com as suas palavras, “pelo canto da sereia dos comunistas”. Alguns elementos da direita do movimento estudantil, na Faculdade de Direito, como Francisco Barbosa, funcionaram como testemunhas de acusação. Inclusive cometeram erros grosseiros: Francisco Barbosa, por exemplo, disse que eu era comunista de linha chinesa, coisa que eu nunca fui. Mas o que interessava para a Auditoria Militar era qualquer tipo de depoimento que me condenasse. Houve pessoas dignas que foram capazes de testemunhar favoravelmente aos presos, inclusive o diretor da Faculdade de Direito, Professor Otto Guerra. Ele testemunhou a favor dos alunos presos da faculdade, no caso eu, Gileno Guanabara. Mesmo que o Professor Otto de Brito Guerra, anos depois, tenha recusado a participar do Comitê Pró-anistia, achando que o movimento era uma aventura e não ia ter resultado, foi e é uma pessoa digna. O tempo provou que ele estava equivocado. Mas nos processos ele teve um comportamento completamente digno, até porque tinha sido diretamente atingido pelo golpe militar na figura de seu filho, Marcos, que teve que se exilar do país.

         Depois de 1964, a Ação Popular-AP teve influência no movimento estudantil em Natal? Foi a AP quem iniciou o Movimento contra a Ditadura-MCD?

         Juliano – Não. Em 1966, nós já tínhamos reestruturado o PCB, com uma direção, um núcleo relativamente forte no movimento estudantil e tínhamos inclusive conquistado o Diretório Central dos Estudantes-DCE da Universidade, obviamente que na clandestinidade. A AP não tinha nenhuma posição importante no movimento estudantil; tinha quadros, Jarbas Martins, Arlindo Freire, pessoas respeitáveis, mas não tinham poder de acumulação que tinham os comunistas. Nós éramos a grande força no movimento universitário e, no movimento secundarista, a partir de um trabalho realizado por mim, Luciano de Almeida e com o ingresso de novos quadros, como Maurício Anísio, Silvério Gomes da Mota e com a aproximação e aliança com pessoas como Sezildo, etc, nós conseguimos fazer que o grande movimento de massas entre os secundaristas fosse dirigido pelos comunistas. A AP, por um voto de diferença, fazer o presidente da APES, numa eleição em que fiquei como vice-presidente. Luiz Freire foi eleito presidente. Por sinal, hoje ele é um militante do PCB em São Paulo. Mas logo depois de eleito presidente da APES Luiz Freire, por motivos de ordem pessoal, se afastou e assumi a presidência da entidade. Então, fui presidente da APES no período mais difícil de sua clandestinidade e passei a APES a um sucessor ligado ao partido também. Isso foi em 1967, quando passei para a Universidade. Então, Luciano de Almeida ficou controlando aquele trabalho que já não tem para o PCB, pois já estávamos na dissidência, no PCBR, partindo para a luta armada, mas esse negócio de dizer que foi a AP que começou a luta contra a ditadura no Rio Grande do Norte não é verdade. A AP era porta-voz das posições mais à esquerda, daqueles que rejeitavam a participação no processo eleitoral. Nós sempre tivemos uma posição para entrar no MDB, apoiar uma candidatura a deputado federal e estadual, principalmente no caso do deputado Roberto Furtado. Mas não foi a Ação Popular que teve esse papel de vanguarda. Esse papel era do PCB, até porque era a organização que tinha mais história no Estado, que existia além de Natal (Em municípios como Macau, Areia Branca, Ceará-Mirim, Canguaretama), nós participamos do trabalho de reestruturação do partido. Nós fazíamos circular clandestinidade no Rio Grande do Norte o Jornal “Voz Operária”, órgão central do PCB. Tínhamos aqui, ajudando na reorganização do partido,o camarada Pereira – hoje eu posso dizer o nome dele – Francisco Pereirra, cujo nome de guerra era “Renato”, uma figura importante para reconstruir o PCB no RN. Ele é dirigente do partido no Ceará e integrante do Comitê Central. Nesse período, por sinal muito rico, em que o partido teve um afluxo de novas pessoas ligadas ao movimento cultural ao Cine Clube Tirol e que estavam retomando a organização do movimento secundarista e universitário. Foi a época em que Hermano Paiva, Jackson Martins, William, Gileno Guanabara, voltando ao partido, eu ingressei no partido, Emanoel Bezerra, que depois foi assassinado em Recife pelo DOI-CODI, o Luciano de Almeida, José Rocha Filho, “Kerginaldo”, Ivaldo Caetano, Manoel Duarte, o Manú (líder do movimento comunitário em Natal). Nos tínhamos as principais lideranças do movimento estudantil, inclusive companheiros da maior importância, como o Laerte Rocha, de engenharia, que morreu de forma trágica e prematura.

         E a influência no DCE era fundamentalmente nossa. (A entrevista de Juliano Siqueira continuará na próxima edição. Os leitores que se preparem, pois virão muitas novidades por aí). Matéria publicada no extinto semanário DOIS PONTOS, de Natal/RN.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Entrevistas
Em 1992, publiquei uma entrevista com o falecido militante do PC do B, Glênio Sá, natural de Caraúbas/RN, no jornal Tribuna do Norte, mas a reportagem foi escrita em 1986, na redação do mesmo jornal. Abaixo, a matéria original, na base do pingue-pongue, isto é, perguntas e respostas.

 

 

 
R – O PC do B vai apoiar o candidato Geraldo Melo, do PMDB, ao governo do Estado?

 

Glênio – Neste final de semana tivemos uma reunião do partido sobre o assunto, mas ainda não houve o fecho geral. Segunda-feira, dia 5, conversamos com Geraldo Melo e a coisa evoluiu para uma coligação, essa é a tendência natural pela análise política que fizemos. A decisão vai ser soberana, a partir das informações que trago dos companheiros.

 

R - Você defende o direito a voto para o jovem de 16 anos. Por que?

 

Glênio– Achamos que a juventude está mais consciente de suas necessidades específicas, que os jovens sentem e só eles podem batalhar. Então, é uma forma de assegurar sua participação efetiva na política. O grau de insubordinação da criança de hoje já é um indicativo do desenvolvimento que está existindo.

 

R – E as conversações com outras forças de esquerda?

 

 

Glênio- Estamos encontrando dificuldades em discutir com determinadas forças de esquerda, do ponto de vista político. Para nós, só se forja a verdadeira união do povo com lutas pela base. As propostas sectárias, fechadas que não ajudam a ampla união do povo e dificultam o entendimento. Nós combatemos todas as manifestações de oportunismo de esquerda e de direita.

 

 

R – Está havendo abuso do poder econômico na campanha?

 

 

Glênio – Isso já era previsível. Dentre os candidatos á constituinte, o nome de Flávio Rocha é o que está mais na boca do povo.

 

 

R – Como o PC do B vê a questão do homossexualismo? Os homossexuais podem ingressar  no PC do B?

 

 

Glênio – Rapaz, essa é uma questão em debate. No meu tempo de formação de partido, não considerávamos os homossexuais como pessoas normais, do ponto de vista genético, e de desvio sexual. Isso com todo respeito que mantemos com as pessoas em si, do seu caráter, como também condenamos a forma de tratamento que dá a sociedade, que simplesmente marginaliza essas pessoas e outros setores. O processo seria simplesmente fechado. Muitos setores do partido estão debatendo a questão, se entra ou não entra. Achamos que nas fileiras partidárias hoje, com o partido na legalidade, eu estava falando da época repressiva, quando a repressão procurava todos os dados para explorar, nas torturas, no sentido de denegrir essas pessoas, que se sentem psicologicamente marginalizadas e inferiorizadas e aí poderiam ser utilizadas pela repressão. Então, a gente era mais exigente nesse ponto, hoje é uma questão em debate. Eu creio que não é uma questão concluída, mas consideramos que predomina uma visão científica,que isso é um desvio natural.

 

 

R - E a participação da mulher?

 

 

Glênio – A mulher sempre teve muita força e espaço dentro do partido. Na última reunião nacional, tivemos representações de todos os Estados e territórios e a questão da mulher foi muito debatida. Nós jogamos dentro das entidades de massas uma política voltada para o fortalecimento de uma proposta que não veja a questão participativa da mulher em si, mas a participação da ideologia da classe operária. Nós fazemos uma diferenciação de determinados movimentos que não fazem nenhuma distinção entre uma mulher burguesa exploradora e a mulher proletária, que é a grande maioria das mulheres brasileiras.

 

 

R – como você ingressou no partido?

 

 

Glênio– Ingressei em 1968, quando participava ativamente do movimento secundarista em Fortaleza – Ceará. Fui uma das lideranças do Centro dos Estudantes Secundários do Ceará e entrei em contato com materiais e lideranças do PC do B. foi a primeira experiência marcante e hoje é de muita honra, pois ajudou-se bastante a ter mais produtividade no trabalho organizado e de encaminhamentos coletivos, a ver que era a melhor maneira de defender os interessados nacionais e a classe operária.

 

 

R – O PCB chegou a convidá-lo a ingressar no partido?

 

 

Glênio– Não, mas tive contatos com algumas pessoas. Naquela época, o movimento estudantil estava no auge. Tínhamos tido um grande golpe, com a experiência de 64, quando o PCB perdeu muito espaço devido a sua teoria meio ôba-ôba, pois antes do golpe militar dizia que já estava no poder João Goulart. O PCB não preparou seus militantes e depois do golpe de 64 jogou um despreparo total. O golpe, que estava em preparação, pois foi alertado, pegou o partido sem forças suficientes, com poucos membros. Essa experiência negativa fez com que refletíssemos na ascenção do movimento estudantil de 68, com muito pouca adesão e simpatia para o PCB.  Naquela época, o PCB tinha pouca influência. Talvez devido a isso e às minhas posições, nunca fui convidado a entrar no PCB, além do fato de eu já ter uma posição bem definida.

 

 

R – Como foi a sua experiência no PC do B, no Ceará e a sua participação na guerrilha do Araguaia?

 

 

Glênio - A minha vivência partidária, antes de participar da guerrilha, foi no movimento estudantil. O meu destaque maior foi ser líder secundarista, em 68, 69 e inicio de 1970.

 

 

 

R – Após o AI-5?

 

 

Glênio – Inclusive após o AI-5, fomos a única força organizada em Fortaleza, que chegou a ir às ruas contra o aumento das passagens dos ônibus. Quando foram cortados os restos de liberdade no país, conseguimos realizar exitosamente uma manifestação pública, com falações e tudo, na praça do Ferreira, centro de Fortaleza, mas também com muita repressão e eu quase levava cacetadas da polícia.

         Fui preso, por conta do meu trabalho em Crato, onde estava em contato com entidades secundaristas, em nome do CESC. Apesar de não terem conseguido nenhuma acusação e prova, passei dois meses preso, só porque tinha falado contra o governo numa reunião com os membros do Centro Estudantil do Crato.

 

 

R – Em abril de 1972 você foi para o Pará participar da guerrilha promovida pelo PC do B?

 

 

Glênio – Em 1968 o partido lançou o documento “Guerra Popular-Caminho da luta armada no Brasil”, elaborado pelo Comitê Central. Esse documento, a nível teórico, combatia os desvios de esquerda, os grupos armados que atuavam nos grandes centros urbanos, o foquismo e as idéias de Regis Debray, Che Guevara, as interpretações errôneas da revolução cubana. Nós fizemos um combate cerrado contra esses desvios, teorias liquidacionistas que não mostravam o trabalho organizado como de importância e sim os grupos armados na condução da luta revolucionária. O partido travou essa luta e apontou a necessidade de intensificar o trabalho com a massa camponesa. As revoluções da 6 Conferência, em 1966, nos orientavam para o trabalho de auto-defesa. Após o AI-5 e a intensificação do fascismo, intensificamos esse trabalho no campo e fui para o Araguaia, como conseqüência de uma pessoa que exigia do partido a prática daquelas decisões.

 

 

R – Por que escolheram a região do Araguaia?

 

 

Glênio – Em junho de 1970 fui realizar um trabalho com os posseiros e vi que a região seria importante para abarcar e acolher os nossos militantes mais perseguidos nos movimentos urbanos de São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Salvador e capitais do Nordeste. No sul do Pará, essas pessoas não teriam uma repressão direta de regime militar. A importância militar daquelas regiões era grande porque ofereciam uma retaguarda segura para a direção do partido e havia ausência da Polícia Militar.  A repressão era mínima, insignificante nas áreas de posses do Pará. Devido ao abandono geral dessas regiões e a possibilidade do governo considerar “área pioneira de colonização”, o projeto da transamazônica, e, a gente sabia que ali seria muito habitado. O próprio Jarbas Passarinho reconheceu a importância militar, pois a regiões era de difícil repressão por parte das forças armadas do Brasil, tanto de gastos de deslocamentos de tropas como a questão de nossa preparação do local, onde a gente tinha o  domínio, toda a retaguarda de selva, numa extensão de mais de seis mil e quinhentos quilômetros quadrados.

 

 

R – Você esteve em São João do Araguaia?

 

 

Glênio – Sim. Fui um dos primeiros a chegar, em junho de 70, na região do Gameleira, onde nós começamos a plantar, construir casas e se entrosar com os moradores. Fomos os desbravadores de lá, plantando arroz e milho. Enquanto nos auto-sustentavámos, íamos preparando o terreno, em seis localidades. Formou-se o “Destacamento B”, ao qual pertenci durante o processo de luta.No Gameleira, tínhamos três roças que preparamos para os companheiros que chegariam. Era uma região que tinha gente de todo canto, principalmente nordestinos, acossados pelo latifúndio, falta de terras, de água, disso e daquilo. Era uma região de muitos aventureiros, de pessoas de muito desprendimento. No primeiro instante, tivemos a humildade de aprender com a massa para dominar a região. Através da caça e dos processos de sobrevivência na selva amazônica. Tudo isso foi a massa que nos ensinou, os posseiro e moradores.

 

 

R – Qual era a população da região?

 

 

Glênio – Vinte e mil pessoas.

 

 

R – A guerrilha do Araguaia dá um livro. Fale resumidamente sobre o seu batismo de fogo.

 

 

Glênio – O nosso destacamento foi um dos que evitaram mais o contato direto com a repressão. A minha experiência militar que você coloca aí foram algumas ações de fustigamentos, esparsas, que não deram para saber os resultados. Diria até que não deixa de ter o seu significado diga-se de passagem que isso não foi um movimento de iniciativa nossa, foi uma coisa abortada, certo?  - mas entramos num processo de auto-defesa, fomos reprimidos, apesar do trabalho ser o mais camuflado e clandestino possível com os componentes da área. Aí....

 

 

R – O Exército descobriu e foi lá...

 

 

Glênio – Exatamente. Não foi de iniciativa nossa. A gente não ia de livre espontânea vontade entregar-se. Com o grau de organização que tínhamos, a condições de conduzir e tínhamos outras áreas de trabalho que não funcionaram (a gente não trabalhou somente no Araguaia, mas no Maranhão, Goiás e Mato Grosso, áreas que poderiam se integrar ao processo de luta). Infelizmente, não funcionaram. No geral, a experiência do Araguaia, apesar de todas as debilidades e da repressão que se abateu sobre os centros urbanos, em especial sobre o nosso partido e os grupos radicais de luta armada, mostrou que éramos os mais preparados para enfrentar a repressão. Pelos dados oficiais das forças armadas, o processo de luta durou três anos. Enfrentamos mais de 20 mil homens armados, uma força equivalente á Força Expedicionária Brasileira na Segunda Guerra Mundial, com especialistas em guerrilhas de Portugal, de americanos que lutaram na Guerra do Vietnam, equipamentos sofisticados ------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------

Estava tão despreparada assim, tínhamos armamento arcaico, comprados na região, com o nosso suor, na base de espingardas 44, revólveres 38. Eu tinha um armamento calibre 16, de cartucho, para enfrentar fuzis FAL, metralhadoras modernas, helicóptereos, napalm. Chegaram a matar quebradores de cocos, confundidos com a gente. Eu diria que foi uma experiência do partido e não baixo a cabeça frente ao processo repressivo da reação.  Elogiamos a capacidade da repressão do regime, em não ter subestimado o movimento, de ter cortado todo a comunicação com a região, de ter silenciado todos os jornais do país. A repressão achava que qualquer notícia a respeito a guerrilha poderia ter um efeito desbravador. Apesar de todo esse alcance, nós vimos que as nossas conquistas foram grandes. A guerrilha foi a única chama acesa em defesa da liberdade no país, quando parecia que tudo estava extinto.

 

 

R – Durante a guerrilha morreu muita gente, não é verdade? Contam que morreram 1.500 militares e 2 mil civis, inclusive o pessoal do PC do B.

 

 

Glênio – Esses dados me parecem exagerados. Os dados que eu tenho é de 59 mortos e desaparecidos do partido e mais 20 ou 30 da massa, pois não tivemos controle direto sobre essas mortes e desaparecimentos.

 

 

R – Você não falou em bombardeios aéreos, com bombas de Napalm?

 

 

Glênio – Aí é onde está. Eu não tenho a extensão, mas vamos dizer que tivemos 70 ou 80 mortos, por exemplo, do nosso lado e da população, certo? E que tenha havido mais uns 20 ou 30  ou mesmo 50 da parte da população, que a gente não tenha tomado conhecimento. Assim mesmo, acho bastante exagerado chegar a um cálculo de 1.500 pessoas mortas, pois nós e a população era uma coisa só, as coisas estavam entrelaçadas. Da parte do Exército, a gente não tem um controle muito grande, mas acho que não passa disso, em termos de mortes. Primeiro, porque a gente não teve essa ofensividade toda, não teve a quantidade de emboscadas com a finalidade de dizimar o Exército. Aconteceram choques entre a Polícia Militar e o Exército, entre o Exército e a Aeronáutica. Houve mortes na população civil, que não estavam em nenhum lado, como o caso dos quebradores de cocos, que foram bombardeados com napalm, de forma irres------ram em lagoas cobertas com vegetação, pensando que era terreno firme e morreram afogados. Chegaram a jogar bombas bem pertinho da gente.

 

 

R – Quais as principais divergências ideológicas do PC do B com o PCB? É verdade que vocês não se falam?

 

 

Glênio – Não. Eu não diria que não conversamos. Pessoalmente, como dirigente do PC do B tenho conversado com vários dirigentes deles, dirigentes declarados do partido e dirigentes sindicais, nas frentes estudantis e comunitárias. No meio desse trabalho, a gente conversa de pessoa para pessoa. Agora de partido para partido, nós temos uma demarcação muito grande e aí realmente travamos uma luta muito grande, não só contra o PCB, mas contra as forças e formas oportunistas né? Que atuam no movimento operário e popular. As nossas divergências não são de hoje. O Pc do B travou nas suas fileiras uma luta ideológica de grande porte, entre 58 e 61, quando as  divergências principais, a aceitação das teses revisionistas do Partido Comunista da União Soviética, a introdução do Kruchovismo, as teses de era possível a construção do socialismo lá,  denominado só em palavras, como “Partido de todo o Povo”. “Estando de todo o Povo” , etc, acabando com o espírito socialista do inter- nacionalismo proletário e que se refletiu, particularmente, em 61, com a criação do Partido comunista Brasileiro, que não foi uma simples mudança de nome. Foi tirado dos seus estatutos a condução marxista-leninista desse partido, desprezando o internacionalismo proletário. Os verdadeiros marxistas-leninistas, como João Amazonas, Mauricio Grabois, Pedro Pomar, José Duarte e Elza Monerate, entre outros, aglutinaram o que puderam, apesar do boicote de Prestes, reorganizarem e definiram os estatutos do partido a altura das tradições revolucionárias.

Nos tempos do AI-5, ainda

se fazia poesia em Natal

 

Luiz Gonzaga Cortez

 

Nos anos sessenta, isto é, em pleno regime militar que restringiu a liberdade de expressão e criação artístico-literária no país, em Natal, foram editados  diversos jornais e boletins sobre o movimento poético natalense. No interior, em Mossoró e Caicó ocorreram algumas publicações de pequenas tiragens que deverá ser motivo de abordagens por outros pesquisadores dessas localidades, polos da economia potiguar. A Diocésia era um jornalzinho com impressão tipográfica feita pessoalmente por João Carlos Vasconcelos, que residia na rua Mipibu, Cidade Alta. Conheci-o no Instituto Histórico e Geográfico, na rua da Conceição, assim como a sua “gráfica”, com o meu amigo Francisco de Assis Varela Barca, o popular Chico Canhão. João Carlos custeava integralmente a publicação, especializada em notícias dos nossos intelectuais, principalmente a produção dos trovadores. O baixinho João Carlos era um Hércules, fumando ou não um charuto. Após o AI-5, ele ainda publicou  A Diocésia, fundado em 1964, “órgão da Academia Diocésia”, com periodicidade anual, que deveria ser tema de tese de mestrado de alunos do curso de letras de alguma das universidades que proliferam em Natal. O “Jornal Jovem”, de Rossini Ferraz e Francisco Elias, também circulou após o AI-5, conforme o nº 6 da edição publicada em 6 de julho de 1969, quatro meses depois das cassações dos irmãos Alves, Aluízio (este pertencia aos quadros da Arena-2, a verde),  Garibaldi e Agnelo.

O “Jornal Jovem”, um tablete de quatro páginas tinha cobertura publicitária do comércio de Natal e publicava notícias sobre cinema, os avanços da ciência, futebol e notícias curtas numa coluna intitulada “Natal em Foco”. Muitas empresas que anunciavam no jornalizinho sumiram do mapa comercial, como a Casa Ruby, Posto Prudêncio, “Fernando Bezerril – Corretagem e Representações”, “A Nova Paris”, “Transrádion”, “Farmácia Menezes”, “Casas Cebarros” , “Café Vencedor” , “L.A. Medeiros”, “Bateria Moura”, de Nazareno Costa,  “Studio Braulycollor” , “Lojas Ideal” , “Casas Sem Nome” – o nome da sua casa de tecidos”. Os eslogans publicitários podem ser, hoje, simples e modestos. Por exemplo um anúncio das Lojas Ideal dizia o seguinte: “Uma firma que está embalada no comércio de móveis e eletro-domésticos. LOJAS IDEAL   - está abafando! Preços que “vou te contá”!!! (sic) – Rua Amaro Barreto, 1244 – Alecrim”. É, parece que está embalada mesmo, pois ainda abre as portas no mesmo endereço. E sobre as baterias Saturno e Heliar: “Duram até se acabar!!! Mas, se nunca se acabam de tanto durar?” Já o anúncio de Nazareno Costa garantia que “Ela é boa demais. Ela é A”.

Numa matéria sobre futebol assegurava “ABC: Pra frente a todo vapor”, o melhor  e qualquer time da região Nordeste poderia vencê-lo, que estava em franca e espetacular ascensão e que “ o seu ídolo – Alberi – está tomando gosto pela situação e vem crescendo assustadoramente de produção, ele, que no início, não estava rendendo nem trinta por cento do portentoso futebol que apresentou no ano passado”. Já sobre Esquerdinha, que aqui chegou com fama de craque, o redator registrava que o jogador apresentou “pose, pinta, bossa, menos futebol”.

Pois é caro leitor, muitos antes de “A Trombeta”, de Sebastião Soares, “Tao”, de Edílson  Freire Maciel,  e “Germinal”, de Rodrigues Neto, que desapareceram nos anos 80/90, divulgando trova e poesia , circularam muitas publicações “oficiais” e “alternativas” na antiga taba de Poty. Faltam as pesquisas sobre essas publicações. Faltam as pesquisas sobre a “Escola de Jovens Poetas Natalenses”, que promoveu a IIª Exposição de Poesias, na Galeria de Arte de 25 a 31 de maio de 1968. A Galeria de Arte ficava na praça André de Albuquerque, Centro de Natal, defronte a uma lateral do antigo Palácio Potengi, desnecessariamente demolida na gestão do prefeito Vauban Bezerra de Faria, que não tinha nenhum compromisso com a cultura natalense. Os jovens poetas realizaram uma tertúlia no  Instituto Histórico e Geográfico do RN, sob a batuta dos poetas Jayme dos G. Wanderley e Roberto Lima de Souza e Nadja Maria Fernandes de Alencar (por onde anda essa poetisa? E o “Grupo Forte” fraquejou e morreu?). Roberto Lima está aí novamente se destacando como um grande nome na música regional brasileira. Na 1ª Semana de Artes da E.J.P.N., Roberto apresentou os poemas Ciranda do amor que vai morrer de velho e nascer criança, Poeta, A estátua desaparecida, Cigarra, Coqueiros, Minhas Miragens, Conversa com a chuva e “Perna de Pau”, além de Canção das cantigas de minha terra. Foi uma semana de muita cultura, homenagem a C. Cascudo, com a participação da Academia de Trovas do RN, de Enélio Petrovich, Maria Eugênia Maceira Montenegro, das irmãs de Roberto, Nalba e Regina Lima de Souza, Naide Palhano Moreira, Maria de Fátima Fernandes, Nair Freire Damasceno, Olinto de Medeiros Rocha, Maria Elisabete Andrade, José de Arimatéia Soares, Maria Natividade, Safira Fernandes, Arnaud Barros e Jaime de Medeiros Filho.

Havia o policiamento e a censura federal para castrar a produção poética. Roberto Lima teve problemas com a polícia porque fez um poema sobre a favela de Mãe Luíza, hoje um dos celeiros de delinqüentes, traficantes e assaltantes da província potengina. Mas isso é outra história.

 

 

Luiz Gonzaga Cortez é jornalista e pesquisador.

Revisado em 22.07.2008.