terça-feira, 16 de dezembro de 2014

Ditadura Militar cruel e desumana em Mossoró

Fonte: Jornal de Fato - 28.06.2014
Ainvestigação que foi instaurada pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) para apurar os crimes cometidos em Mossoró durante a Ditadura Militar foi concluída na semana passada e os resultados são impressionantes. O relatório apresentado pela OAB mostra que “a Ditadura Militar imperou de forma feroz, cruel e desumana em Mossoró”. O documento será utilizado para reforçar o pedido de intervenção das Cortes Internacionais de Direitos Humanos, para que julguem e punam os responsáveis pelos crimes cometidos durante o Regime de Exceção. A OAB requer também que os políticos que perderam os seus mandatos sejam homenageados, assim como todas as pessoas que sofreram com a opressão da Ditadura Militar.
A apuração foi realizada pela Comissão da Memória e da Verdade Anatália de Souza Melo Alves (CMVASMA), cuja denominação foi escolhida em homenagem a uma das principais vítimas da Ditadura Militar em Mossoró, que morreu após um mês de torturas físicas e psicológicas nas instalações do Exército em Pernambuco. A comissão foi instituída em 12 de junho de 2013, sob a presidência do advogado José Wellington Barreto, composta por outros 18 membros, entre advogados e representantes de outras instituições que se uniram para tentar dimensionar a real gravidade da atuação dos militares em Mossoró, durante os 21 anos do Regime, que se instalou no Brasil a partir de 1.º de abril de 1964 e caiu em 15 de março de 1985.
Os advogados e membros consultores da Comissão da Memória e da Verdade ouviram depoimentos de familiares das vítimas, colheram provas documentais, consultaram especialistas, além de uma série de outras atividades para chegar à seguinte conclusão sobre os efeitos da Ditadura Militar em Mossoró:  “Censurou, calou, prendeu, torturou e infelicitou a vida de muitas famílias.  A Ditadura cassou mandatos políticos e sindicais na cidade; demitiu trabalhadores de seus empregos ou transferiu-os de Mossoró para outros centros urbanos mais distantes; proibiu o funcionamento de entidades sindicais; vetou a circulação de jornais, livros e panfletos; cessou o exercício de qualquer atividade política contrária aos seus interesses; e o mais o grave: o regime, pela força do suplício, atrofiou a mente de toda uma geração.”
Um dos primeiros depoimentos colhidos na investigação foi o de Luiz Alves Neto, viúvo de Anatália de Melo Alves. Na época do Golpe, ele trabalhava no vespertino Diário de Mossoró e militava no Partido Comunista Revolucionário (PCBR). “Luiz sofreu na pele e na mente os danos físicos e psicológicos ocasionados cruelmente por aqueles que comandaram no País os terríveis anos da Ditadura Militar”, destaca Wellington Barreto, presidente da Comissão da Memória e da Verdade da OAB/Mossoró, explicando que a primeira prisão de Luiz Alves ocorreu em 1972, na cidade de Palmeira dos Índios (AL), juntamente com Anatália. Os dois foram levados para o DOI-CODI-PE (instalações do IV Exército). Os dois, conforme as investigações, foram torturados e Anatália não resistiu, morrendo em 22 de janeiro daquele ano.
Com relação ao caso específico de Anatália de Melo Alves, a OAB/Mossoró sugere, em seu relatório de conclusão das investigações, que seja realizado o exame de DNA nos restos mortais que foram entregues à família. Luiz Alves, assim como os outros parentes da vítima, temem que os militares não tenham entregue os restos mortais verdadeiros e, por isso, querem o exame, para terem pelo menos a certeza de que a enterraram. O laudo oficial da época apontou que ela teria cometido suicídio na prisão, mas a família discorda e essa é a conclusão da investigação feita pela OAB.
Por isso, a Comissão da Memória e da Verdade da subseção de Mossoró vai requerer que os responsáveis pela morte de Anatália, assim como por outros crimes cometidos durante o período, sejam punidos. O posicionamento vai de encontro à chamada Lei de Anistia, que “perdoou” todos que cometeram crimes na Ditadura. Para o presidente da comissão, Wellington Barreto, a conduta dos militares enquadra-se nos chamados “Crimes Contra a Humanidade” e, por isso, são imprescritíveis. Significa dizer que não se acaba o prazo para a punição, como ocorre nos crimes comuns, que têm certa validade para que os seus responsáveis sejam punidos. “O Brasil não pode ser punido por essa conduta mais do que reprovável”, destaca o advogado.

MANDATOS
A OAB/Mossoró identificou também políticos locais que foram perseguidos pelos militares, como foi o caso de Vicente Lopes de Lima, que foi presidente da Câmara dos Vereadores de Mossoró, e Vivaldo Dantas de Farias, ex-vereador. Cesário Clementino dos Santos, que à época era suplente de deputado estadual no RN e presidente do Sindicato dos Ferroviários em Mossoró, foi outro que foi preso e torturado.
De acordo com os depoimentos prestados pelos familiares de Vicente Lopes, ele foi preso durante o Regime Ditatorial e teve os seus direitos políticos e civis cassados na época. Vicente foi arrastado de dentro da sua casa, que ficava localizada na Rua Silva Jardim, bairro Boa Vista (zona sul), por membros do Exército Brasileiro. Os depoimentos mostraram ainda que a esposa e os filhos dele também foram agredidos.
Para tentar amenizar o sofrimento dos familiares dos políticos que foram cassados na época da Ditadura, a OAB/Mossoró enviou ofício à Câmara Municipal dos Vereadores de Mossoró, sugerindo a realização de uma sessão especial, na qual seriam devolvidos os mandatos cassados, de forma simbólica. A Câmara respondeu à OAB, logo após a solicitação, e acatou a sugestão. A solenidade ainda será marcada.
O relatório divulgado pela Comissão da Memória e da Verdade da OAB/Mossoró mostra que os políticos cassados, assim como os outros militantes que resolveram lutar pela democracia, tiveram todos os seus direitos básicos desrespeitados. “O fato mais chocante e mais deprimente é que quase todos esses defensores da democracia foram retirados dos seus lares e sem direito a qualquer meio de defesa”, destacam os advogados e membros consultores, através do relatório conclusivo da investigação.
PERSEGUIÇÃO
O Regime Militar atuava de forma semelhante, na maioria dos casos. Isso é o que mostra a investigação da OAB/Mossoró. Além dos políticos que tiveram seus mandatos cassados, foram presos e torturados os militantes de partidos políticos. Membros de sindicatos, estudantes, professores e profissionais que atuavam no ramo da Comunicação Social também foram perseguidos pelos militares. Eles eram chamados de “agitadores”, “subversivos”, “incentivadores de greves”, entre outras terminologias.
Conforme as investigações, em Mossoró, a Ditadura Militar elencou inimigos que atuavam no Sindicato da Construção Civil de Mossoró, Sindicato dos Ferroviários, Sindicato da Lavoura, Sindicato do Sal e Sindicato dos Bancários, Partido Comunista Brasileiro (PCB) e Movimento Democrático Brasileiro (MDB). As principais fontes de resistência partiam dessas instituições, conforme a investigação.
O jornalista Rubens Coelho, que ainda hoje exerce a profissão em Mossoró, foi uma das vítimas identificadas pela investigação da OAB. Na época da Ditadura, ele era diretor do Sindicato dos Bancários e militante político do PCB. Coelho também foi duramente perseguido, depois preso e torturado nos porões do DOI-CODI e DOPS (ambas são instalações militares) tanto do Rio de Janeiro como de São Paulo.
Outro sindicalista perseguido, que também foi ouvido pela Comissão da Memória e da Verdade, foi o professor João Batista Xavier, antigo militante do PCB em Mossoró. A comissão ainda entrevistou os familiares de José Moreira de Araújo, que foi sindicalista e militante comunista em Mossoró. Moreira foi preso e levado para Natal, onde ficou por muitos dias recolhido, sem poder se comunicar com a família. Também foram ouvidos os familiares de José Egídio da Silva (Canário), militante do PCB que foi preso pelos militares e levado para Natal, onde ficou por vários dias.
Os mossoroenses têm orgulho da luta que travaram contra o bando de Lampião, que culminou com a criação do Memorial da Resistência, construído no Corredor Cultural de Mossoró, na Avenida Rio Branco. A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), subseção de Mossoró, quer que os políticos, sindicalistas, militantes, estudantes, professores e outros profissionais que lutaram pela Democracia também sejam homenageados. A ideia é construir um memorial em homenagem àqueles.
A OAB vai encaminhar ofícios à Câmara Municipal e à Prefeitura de Mossoró, além do Governo do Estado, sugerindo que seja dado o devido reconhecimento a todos que lutaram pela Democracia, colocando em risco sua vida. Muitos, aliás, foram torturados, perseguidos e acabaram morrendo, como foi o caso da militante mossoroense Anatália de Souza Melo Alves, assassinada.
Caso não seja possível realizar a construção de um memorial próprio, a OAB vai sugerir que outros espaços culturais sejam aproveitados, como o Museu Municipal ou a Biblioteca Municipal Ney Pontes Duarte. “São espaços apropriados para que as pessoas que lutaram por um país melhor tenham o seu reconhecimento. É uma forma de reparar todos os males sofridos por eles e pelas suas famílias”, explica Wellington Barreto, advogado que presidiu o trabalho da Comissão da Memória e da Verdade.

Memoriais sobre os tempos da ditadura (2). O Memorial da Justiça Federal do Rio Grande do Norte é informativo e didático, além de fácil acesso. Basta digitar www.jfrn.jus.br

Linha do tempo do Brasil

Memoriais sobre os tempos da ditadura no Brasil (1)

Entrevistas 

 


      

 
Entrevista com a Drª Hebe Marinho Nogueira Fernandes, Procuradora de Justiça aposentada, realizada no dia 20 de junho de 2007, em sua residência, por Almir Félix, Sandra Bezerra e Thaisa Mendonça.
Projeto Memorial do Ministério Público:
Drª Hebe, qual é o seu nome completo, data e local de nascimento?
Hebe Marinho Nogueira Fernandes:
Me chamo Hebe Marinho Nogueira Fernandes, nasci em 17 de Abril de 1933, em Natal, sou filha de Djalma Aranha Marinho e Celina Cavalcanti Marinho.
Projeto Memorial do Ministério Público:
Sobre a perseguição de alguns membros do Ministério Público do Estado do Rio Grande do Norte no período do Regime Militar.
Hebe Marinho Nogueira Fernandes:
É uma burrice, pois se há um inimigo, é melhor que se conheça esse inimigo do que ter um inimigo desconhecido. Mas o que vinha por trás não era o inimigo desconhecido, era exatamente você não saber quem estava lhe atacando, de que você estava sendo acusado. Por quem e porque.
Projeto Memorial do Ministério Público:
A senhora pode nos falar um pouco sobre essas pessoas que tentaram evitar algumas dessas barbaridades, o que pode ser considerada algumas barbaridades.
Hebe Marinho Nogueira Fernandes:
Por exemplo.
Projeto Memorial do Ministério Público:
A senhora disse que algumas pessoas enquanto membros do Ministério Público haviam tomado posições para defender determinadas questões...
Hebe Marinho Nogueira Fernandes:
Mas não tão claras, tinham posições porque tinham idéias, então você até podia dizer assim "Eu não sou comunista mas também não sou de Direita". Eu acho que eu sou mais socialista, mas o que era ser socialista já era o mesmo que ser comunista. Porque você não estava mais dentro do partido, dentro das regras do partido.
Projeto Memorial do Ministério Público:
Década de 70, início do processo de redemocratização, década de 80, fim da Ditadura. Como é que vai se pautar o trabalho do Ministério?
Hebe Marinho Nogueira Fernandes:
Aí o Ministério começou a ter consciência do que realmente era, não que antes não tivesse, mas depois da Constituição de 1988- e antes dela- muitos poderes haviam sido conferidos ao Ministério Público. Então, ser do Ministério Público já não era mais aquela salinha pequena, eu sinto que o Ministério Público a qual eu pertencia era mais unido, era mais coeso. Havia menos vontade de aparecer, os membros trabalhavam em equipe, não se tinha medo de chegar no colega e dizer "Fulano, eu estou com tal dificuldade, você pode me ajudar?". Hoje o Ministério Público é um grande Ministério Público, na minha época ele era um pequeno-grande Ministério Público.
Projeto Memorial do Ministério Público:
A senhora no começo da entrevista falava um pouco acerca da situação da mulher, das desigualdades que existiam e que ainda existem hoje, ainda persistem em sua maioria. Década de 60, 70 e 80...Como é que o Ministério Público atuou nesse sentido?
Hebe Marinho Nogueira Fernandes:
Eu acho que não havia essa preocupação dentro do Ministério Público com a mulher, porque nós Promotoras, é isso que eu digo...Eu não notei essa diferença porque durante a minha vida, na minha casa, meu pai e minha mãe nunca tiveram essa diferença. Em relação a função de Promotora...Nós(homens e mulheres) éramos iguais, nós fizemos provas e elas foram iguais, para homens e mulheres. Depois que passamos no concurso e fomos admitidos, bom, aí houve...Na época eu achei maravilhoso, mas as mulheres ficavam sempre mais perto da Capital, havia um consenso de que as mulheres deveriam permanecer mais próximas à Capital, eu diria até que uma "proteção".Certa vez uma cena me chamou muito a atenção...Uma mulher grávida, sendo jogada na rua, foi essa mulher que me mostrou a fragilidade da mulher que não tinha estudo, não tinha tido nenhuma chance, pois era uma empregada doméstica, que estava sendo jogada fora do emprego e que não iria arrumar outro emprego com a barriga grande como ela estava. Então eu comecei a me interessar por essa questão e, realmente entrei no problemas da mulher, participei, fiz movimentos de mulheres, fui Presidente do Conselho Estadual da Mulher. Quando estava sendo redigida a atual constituição eu também participei de um movimento, levando duas lavadeiras para mostrar que realmente a empregada doméstica não tinha nada . Se ela era lavadeira ou faxineira pior ainda, porque a doméstica não tinha a carteira assinada, ela ganhava por dia e esse dinheiro não dava para ela contribuir com a previdência. Na Universidade eu adorava dar aula de Direito do trabalho, principalmente quando era do trabalho da mulher. Eu acho que fiz um bom trabalho, eu abri algumas cabeças (risos). Teve dois momentos que eu fiquei ausente do Ministério Público, em 1972/73 eu passei um ano em Portugal e em 1981 eu fui fazer o Doutorado na Sorbone, então eu passei dois anos em Paris.
Projeto Memorial do Ministério Público:
A senhora lembra desse prédio aqui(referindo-se ao prédio situado na rua Padre João Manoel, que foi sede do Ministério Público no ano de 1965)?
Hebe Marinho Nogueira Fernandes:
Não, desse aí eu não me lembro.
Projeto Memorial do Ministério Público:
É por que o Ministério Público só funcionou poucos meses nesse local. Tem até no Diário Oficial, o Procurador Geral(que na época era o Dr João Medeiros Filho) convocando os membros para uma reunião.
Hebe Marinho Nogueira Fernandes:
Eu não me lembro dessa casa, pode ter sido no período em que eu estava fora. Agora dessa aqui (refere-se à Rua da Conceição) eu me lembro, pois passamos mais tempo, a estrutura era precária porque era pequena. Você imagine que nessa época nós tínhamos na Procuradoria duas máquinas de escrever, uma para o Procurador e uma para a Secretaria, então não sei quem foi que buzinou no meu ouvido que o Banco do Brasil, no fim do ano, pegavam as máquinas que eles consideravam inservíveis e doavam para algumas repartições que necessitassem, alguns colégios. Eu falei com o Procurador, que na época era Dr Nogueira eu acho, pedindo autorização para fazer um requerimento pedindo algumas dessas máquinas para a Procuradoria, isso foi no governo de Cortez Pereira. Ele autorizou e eu pedi em nome da Procuradoria, aí ficou a máquina melhor para o Procurador, uma para a Secretaria do Procurador, Divaldo que era quem ficava lá na frente recebendo os processos. E mais duas ou três máquinas na Secretaria e uma para o Promotor que chegasse primeiro e quisesse escrever um parecer, então os Promotores se revesavam alí, sabe? Era muito bom. Depois havia uma pessoa que batia o parecer que nós levávamos.
Projeto Memorial do Ministério Público:
Na época que a senhora se aposentou, quem era o Procurador-Geral?
Hebe Marinho Nogueira Fernandes:
Na época que eu me aposentei era Otalício, Otalício foi um grande Procurador, um grande Promotor, ele era uma pessoa extremamente séria e confiável. Otalício foi para o Ministério Público como uma bússola.

 


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