Resgatar a história do movimento estudantil e a resistência a ditadura militar no Rn.
domingo, 29 de dezembro de 2013
sexta-feira, 27 de dezembro de 2013
Aos 50 anos do Golpe, livros sobre a ditadura são aposta para 2014
Reedição dos livros de Elio Gaspari sobre o regime militar começam a sair em fevereiro, pela Intrínseca
Leonardo Cazes
Maurício Meireles
27/12/2013 - 09h57
Passeata dos Cem Mil no Rio de Janeiro, em 1968, contra a ditadura:
edições vão lembrar, sob diversos aspectos, a época do regime militar no Brasil
Arquivo
RIO - No ano em que se completam cinco décadas do golpe que instituiu o
regime militar no Brasil, o assunto será tema de diversos lançamentos do mercado
editorial. Entre as novidades, o carro-chefe promete ser uma reedição: os quatro
livros do jornalista Elio Gaspari A ditadura envergonhada (2002), A ditadura
escancarada (2002), A ditadura derrotada (2003) e A ditadura encurralada (2004)
estreiam em nova casa, a Intrínseca. Com lançamento previsto para meados de
fevereiro, as obras foram revistas e atualizadas e ganharão caprichadas edições
em e-book, com fac-símiles de documentos citados, fotos, vídeos e áudios.
Outros três livros procuram repassar as duas décadas de regime militar. Em
1964: O golpe que derrubou um presidente e instituiu a ditadura no Brasil
(Civilização Brasileira), Jorge Ferreira e Ângela de Castro Gomes, professores
da Universidade Federal Fluminense (UFF), traçam um panorama do regime
civil-militar e destacam personagens e momentos que marcaram o período.
Em Ditadura e democracia no Brasil: do golpe de 1964 à Constituição de 1988
(Zahar), Daniel Aarão Reis, também professor da UFF, propõe uma nova leitura do
regime, especialmente da relação entre a sociedade civil e os militares. As duas
obras estão previstas para fevereiro. Já o historiador Marco Antônio Villa
publica Ditadura à brasileira (LeYa), em que apresenta as peculiaridades do
regime e os aspectos políticos, econômicos, sociais e culturais de cada um dos
cinco governos militares.
Na seara do comportamento, O verão do golpe (Maquinária Editora), do
jornalista Roberto Sander, lançado este mês, recupera o cenário social e
cultural da temporada que antecedeu a derrubada do presidente João Goulart, na
primavera de 1964. Na mesma linha, a Companhia das Letras publica, da jornalista
Ana Maria Bahiana, Almanaque 1964, que faz um balanço do clima cultural e
político naquele ano.
O ano de 2014 também marca outra efeméride: os 100 anos do início da Primeira
Guerra Mundial. A Rocco garantiu os direitos de publicação de Adieu à lEurope
(Adeus à Europa), de Olivier Compagnon. O autor fez um estudo sobre como o
conflito no Velho Continente afetou os países latino-americanos, entre eles o
Brasil e a Argentina, fazendo aflorar questões identitárias e provocando uma
reformulação do próprio nacionalismo. Pelo selo Alfaguara, sairá O bom soldado
Svejk, de Jaroslav Hasek, romance de 1923 que é editado no Brasil pela primeira
vez na íntegra e com tradução direta do tcheco. A obra é baseada, em partes, na
própria experiência de Hasek, e expõe a máquina da guerra através do riso.
Fonte: O Globo.
quinta-feira, 26 de dezembro de 2013
Por Travis Gettys, do The Raw Story | Tradução: Ítalo Piva
Os Estados Unidos lutaram por décadas uma guerra contra católicos que praticavam os ensinamentos que levaram o Papa Francisco a ser eleito personalidade do ano pelaTimes, segundo o filósofo político Noam Chomsky.
Segundo Chomsky, em 1962, a conferência Vaticano II reformou os ensinamentos da Igreja Católica pela primeira vez desde o século IV, quando o Império Romano adotou o cristianismo como sua religião oficial, e isso teve um profundo impacto nos líderes religiosos da América Latina.
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Um dos futuros santos da Igreja, João Paulo II colaborou com a CIA
Na semana passada, em uma entrevista com o ativista de justiça social Abel Collins, Chomsky explicou que padres e laicos latino-americanos formaram grupos com camponeses para estudar o Evangelho e reivindicar mais direitos das ditaduras militares da região – que ficaram conhecidos como Teologia da Libertação.
“Há uma razão porque cristãos foram perseguidos pelos primeiros três séculos,” disse Chomsky. “Os ensinamentos são radicais – de um texto radical – que pregam basicamente um pacifismo radical com opções preferenciais aos pobres.”
Ele reafirmou que praticantes da Teologia da Libertação foram sistematicamente martirizados, ao longo de mais de 20 anos por forças apoiadas pelos EUA, que tentavam evitar que nações latino-americanas instalassem governos socialistas em benefício de seus próprios povos, contrariando interesses norte-americanos.
“Os Estados Unidos declararam e lutaram uma amarga, brutal e violenta guerra contra a igreja,” disse Chomsky. “Se existisse imprensa livre, é assim que representariam a historia.”
Ele explicou que os EUA apoiaram a “posse de governos e instituições ditatoriais com estilos neonazistas”, como parte de uma guerra que finalmente terminou em 1989 com a morte de seis jesuítas e duas mulheres na Universidade da América Central por tropas salvadorenhas.
Chomsky disse que aquelas tropas foram treinadas pelo governo norte-americano na Escola Kennedy de Guerra Contra a Insurgência, e agiram sob ordens oficiais do comando salvadorenho, que mantinha uma relação próxima com a embaixada norte-americana.
“Eu nem tenho que atribuir isso ao governo,” disse ele. “Já é aceito. A Academia das Américas, que treina oficiais militares latino-americanos – basicamente assassinos – um dos seus pontos de discussão é que o exército norte-americano ajudou a derrotar a Teologia da Libertação.”
O Papa Francisco, um jesuíta argentino, tem feito gestos simbólicos para uma nova aceitação da Teologia da Libertação na Igreja, depois de anos de condenação por suas aspirações políticas pelos papas João Paulo II e Bento XVI.
Seu recente Evangelii Gadium – ou Alegria do Evangelho – foi visto por muitos como um ataque ao capitalismo e economia de mercado livre, mas Chomsky acredita que até agora o Papa não transformou suas palavras em ações.
“Gosto do fato de que o discurso mudou, e de que há uma melhora na discussão sobre justiça social, mas temos que ver se isso chegará ao ponto de as pessoas se organizarem e insistirem por seus direitos percorrendo o caminho da opção preferencial pelos pobres, ou seja, de levar o Evangelho a sério.”
Fonte: revistaforum.
domingo, 22 de dezembro de 2013
AMÉRICA LATINA
Na esteira de reformas, Cuba pretende melhorar diálogo com os EUA
Após série de medidas de aproximação, presidente Raúl Castro pede que Washington estabeleça "relações civilizadas" com ilha. No Parlamento, líder cubano defendeu reformas econômicas rumo a "socialismo menos igualitário".
Cuba deseja melhorar as relações com os EUA. Embora o presidente cubano, Raúl Castro, tenha descartado, em discurso no Parlamento neste sábado (21/12), o fim do sistema de partido único ou uma mudança radical da ordem econômica na ilha caribenha, ele admitiu que EUA e Cuba trocaram ideias recentemente sobre algumas medidas de aproximação.
"Se nos últimos tempos, fomos capazes de trocar ideias sobre temas de benefício mútuo entre Cuba e os EUA, então consideramos que podemos resolver outros assuntos de interesse", disse Castro diante de cerca de 600 deputados na Assembleia Nacional. Na ocasião, Castro instou os Estados Unidos a "estabelecer uma relação civilizada entre os dois países."
Suas palavras chegam poucos dias depois do inédito aperto de mão com o presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, durante a cerimônia fúnebre do herói sul-africano Nelson Mandela, uma imagem que foi interpretada como um gesto de aproximação entre os antigos rivais.
Rivais de meio século
Estados Unidos e Cuba são inimigos desde a revolução cubana em 1959. No entanto, recentemente, houve conversas entre os dois países sobre temas como imigração, serviços de correio, proteção de catástrofes e questões de segurança. Ambos os lados elogiaram tais diálogos como sérios e pragmáticos.
Apesar dos tímidos avanços com vista à melhora de relações, os EUA aplicam um embargo econômico sobre a ilha comunista há mais de meio século, e os dois países não possuem relações diplomáticas.
Washington financiou uma fracassada invasão a Cuba em 1961 e, segundo dados do governo cubano, tramou mais de 600 tentativas de assassinato contra Fidel Castro. No entanto, o líder revolucionário cubano sobreviveu e governou até 2006, ano em que transferiu o poder para o seu irmão mais novo, Raúl, por motivos de saúde.
Socialismo "menos igualitário"
Também neste sábado, Raúl Castro defendeu na Assembleia Nacional as reformas econômicas por que Cuba vem passando nos últimos anos. Ao comentar diante dos deputados a supressão da moeda dupla na ilha, Castro assegurou que medidas como essa "contribuirão de maneira decisiva para melhorar o funcionamento da economia", como também para a "edificação de um socialismo próspero e sustentável, menos igualitário e mais justo", informou a agência de notícias DPA.
A reforma monetária, que prevê a eliminação do CUC (Peso Cubano Convertível), a moeda cubana atrelada ao dólar, é considerada como a chave para a reestruturação do setor estatal na ilha. Em seu último discurso este ano no Parlamento, Castro enfocou os assuntos econômicos, principalmente os avanços das reformas de mercado conhecidas como a "atualização" econômica.
Castro anunciou para março uma sessão extraordinária da Assembleia Nacional em Havana para debater um projeto de lei que fomenta os investimentos estrangeiros no país. Já há alguns anos, o governo cubano permite a formação de empresas mistas, mas ainda não autoriza que se constituam empresas privadas sob o controle estrangeiro.
Segundo Castro, a elaboração de uma nova lei de investimentos estrangeiros é um "fator de singular importância para dinamizar o desenvolvimento econômico e social do país". Na semana passada, Cuba suspendeu a proibição para a livre importação e comércio de carros novos do exterior, que estava em vigor na ilha desde 1959.
CA/dpa/rtr/afp
DW.DE
Um pouco de história:
CULTURA
Projeto disponiliza na internet filmes históricos sobre Primeira Guerra
Coordenado pelo Instituto Alemão de Cinema, "European Film Gateway 1914" marca centenário do início do conflito. Iniciativa tem participação de 26 parceiros de 15 países e digitalizou mais de 650 horas de material.
Para marcar o centenário do início da Primeira Guerra Mundial, o projeto europeu "European Film Gateway 1914", coordenado pelo Instituto Alemão de Cinema (DIF, sigla em alemão) digitalizou desde fevereiro de 2012 mais de 650 horas de filmes históricos sobre a Primeira Guerra Mundial e disponibilizou o material gratuitamente na internet.
"É um projeto memorialístico europeu sem precedentes e de imensa importância para pesquisas científicas e jornalísticas", afirmou Claudia Dillmann, diretora do DIF, em entrevista à agência de notícias alemã EPD.
A iniciativa conta, segundo Dillmann, com a cooperação de 26 parceiros de 15 países e já digitalizou quase 1.500 cinejornais, documentários, animações e filmes de longa-metragem, além de 5.600 documentos relacionados a produções cinematográficas sobre a Primeira Guerra.
Apoio do governo alemão e da UE
Até fevereiro de 2014, deverão ser acrescentados outros mil títulos. De acordo com estimativas, foram preservados apenas cerca de 20% dos filmes produzidos na Europa entre 1914 e 1918.
O empreendimento conta com o apoio do governo federal alemão, assim como do governo do estado alemão de Hessen. O "European Film Gateway 1914" é cofinanciado pela União Europeia, que contribui com 2,1 milhões de euros.
Os filmes podem ser vistos no site www.europeanfilmgateway.eu. O portal, especializado na divulgação digital de documentos ligados à história do cinema, também tem uma versão em português.
DW.DE
domingo, 15 de dezembro de 2013
O Movimento
Estudantil do RN antes e durante a ditadura militar (I)
DOIS PONTOS,
07 a 13 de maio de 1988
Texto de Luiz Gonzaga Cortez
“Em muitos movimentos da vida
nacional os estudantes se converteram em verdadeiras “pontas de lança” de uma
sociedade amordaçada, reprimida e oprimida, atuando no sentido de desencadear
movimentos de caráter mais amplo e que desembocaram em sérias transformações
políticas no país. Bastam alguns exemplos (...) para comprovar isto: na
campanha pela entrada do Brasil na luta contra o nazi-fascismo, no início da
década de 40; na campanha pelo estabelecimento do monopólio estatal do petróleo
e a criação da Petrobrás; nos protestos contra a ditadura, nos anos 1966 a
1968; em todos, foi decisiva a participação dos estudantes, ou seja, eles,
enquanto componentes de um movimento, assumiram o papel de fenômeno político de
primeiro plano”. (Antonio Mendes Jr., in
Movimento Estudantil no Brasil, Editora Brasiliense, São Paulo, 1981, p.08).
Israel
Vieira da Silva, advogado e professor, atualmente filiado ao Partido
Democrático Trabalhista, foi
líder estudantil em Natal, do final da década de 50 até os primeiros anos da
década de 60, quando a capital potiguar tinha um forte e organizado movimento
estudantil que se rivalizava, em acirradas disputas pela sua hegemonia, entre o
Colégio Estadual do Atheneu professor Israel Vieira da Silva, atualmente
filiado ao Partido Democrático Norte-rio-grandense e o Colégio Santo Antônio
(Marista). Os dois estabelecimentos de ensino, um público e outro particular,
reuniam pouco mais de dois mil estudantes e as suas disputas eram mais intensas nas quadras e campos de
esportes e/ou nas atividades culturais da época.
No período em que Israel Vieira liderou parte do
movimento estudantil, Natal era mais provinciana do que é e as reivindicações
dos estudantes eram quase as mesmas das levantadas pelos jovens de hoje. Entre
o movimento estudantil de hoje e o do final da década de 50 só havia uma
diferença, profunda: a falta de sintonia entre os partidos políticos, de
esquerda e conservadores, e entre a massa e a liderança estudantil.
Naquela época, não existia a ligação do movimento
estudantil e o movimento político. O movimento era direcionado para a vida
estudantil, para as necessidades dos
estudantes, cujas reivindicações eram poucas, tais como problemas de
transportes coletivos, mais ônibus e preços das passagens mais baratas. Natal
só existia até a fábrica Guararapes, no bairro de Lagoa Seca: não existiam a
Zona Norte, os conjuntos Cidade da Esperança, Candelária, o Instituto Kennedy,
que foi construído no governo de Aluizio Alves. A cidade era muito pequena e as
linhas de ônibus eram curtas. Isso ocasionava um problema porque os colégios
eram concentrados no centro da cidade; não havia colégios na periferia e os
estudantes deslocavam-se de ônibus para o centro, onde estavam as escolas mais
importantes, como o Atheneu, Marista, Imaculada Conceição, Sete de Setembro,
Escola Industrial e Escola Normal (feminina). Então, as exigências dos
estudantes eram poucas e não existia a complexidade do movimento, como ocorre
hoje. Sua complexidade é maior, evoluiu para a participação da esquerda e da
direita e se vinculou a partidos políticos.
A política era diferente da de hoje, pois era
baseada nas velhas lideranças, oriundas do coronelismo e do paternalismo que
dominavam o Rio Grande do Norte. Tampouco o povo participava das campanhas
políticas, tradição quebrada na campanha desenvolvida por Aluizio Alves,
candidato a governador, em 1960, “levando homens, mulheres, velhos e crianças
para as ruas”, disse o professor Israel, um dos fundadores da “Cruzada da
Esperança”, movimento que juntou pessoas de vários matizes sociais, como Walter
Gomes (hoje jornalista em Brasília), José Coelho Ferreira, Luciano Veras
(coronel da PM), Quinho Chaves, professor e psiquiatra, o comerciante Militão
Chaves, os estudantes José Martins, Paulo Herôncio, Manoel Martins da Silva,
Magnus Kelly Rocha, etc.
Numa época em que estudante não participava da
política, tradicionalmente conservadora, a Cruzada
da Esperança promoveu um comício no Grande
Ponto ( logradouro no centro de
Natal) historicamente marcado pelo lançamento da candidatura do então deputado
federal Aluizio Alves a Governador contra as forças mais reacionárias do
Estado. Um ano depois os estudantes da Cruzada
estavam subindo as escadas do Palácio Potengi com o seu novo líder.
AS LIDERANÇAS – Para
Israel Vieira as lideranças estudantis eram Francisco Sales da Cunha, presidente do
Diretório Estudantil “Celestino Pimentel”, do Atheneu, “muito atuante e, mais
tarde, eleito vereador por conta dessa liderança política”; Jurandir Tahim,
Waldir Freitas, ex-gerente das Casas Pernambucanas em Natal; Érico de Souza
Hackradt, “um grande líder”. “Essas as principais lideranças, na minha opinião,
do meu tempo, que atuaram no Centro Estudantal Potiguar - CEP e Associação
Potiguar de Estudantes - APE, recorda
Israel.
Ele informa que não havia distinção entre esquerda e
direita no movimento estudantil, mas havia “grupos avançados e grupos menos avançados”.
E exemplifica: “Havia grupos que defendiam os interesses dos patrões, dos donos
de colégios e empresas de ônibus e dos estudantes. De um lado estava a
liderança do Atheneu e do outro, a do Marista, que representava a escola
particular e o Atheneu, a escola pública, cujos líderes defendiam mais verbas
para o ensino público e gratuito em detrimento do ensino privado. A campanha do
“Petróleo é nosso” também foi outra grande bandeira de luta. “Quem era da
direita, defendia os interesses da escola particular. Quem era mais avançado ,
defendia o ensino público”, completou o advogado e professor Israel Vieira,
hoje um brizolista juramentado.
Ele se lembra de alguns líderes estudantis
secundaristas do seu tempo que assumiam posições conservadoras: José Augusto
Othon, seu concorrente na eleição para a presidência da APE e Luiz Antonio Porpino,
que foi gerente do Hotel Ducal, ambos alunos do Colégio Santo Antonio
(Marista).
O Colégio Estadual do Athneu Norte-rio-grandense era
o que tinha o maior número de alunos e, por isso, liderava o movimento
estudantil de Natal e era o único instituto de segundo grau, público, com três
turnos, só para homens, onde se estudava o “científico” e o “clássico”, após
cursar o ginasial. Como o movimento era polarizado entre o Atheneu e o Marista,
o Diretório Estudantil “Celestino Pimentel” comandava os estudantes das camadas
pobres. Foi nesse grêmio estudantil que Sales da Cunha firmou a sua liderança e
militância políticas, somente superada por outro líder famoso: Pecado, alcunha
de Manoel Filgueira Filho. “O aluno ingressava no ginasial após o exame de
admissão, um verdadeiro vestibular. Havia o “batismo” dos calouros e Pecado era o encarregado dessa festa,
mas nunca passou da segunda série ginasial. Foi um estudante profissional,
nasceu em Mossoró, morou em Natal muitos anos e terminou funcionário do
Atheneu. Pecado não era de direita nem comunista, não era nada; foi um simples
estudante profissional, um boa vida que só queria desfrutar das “benesses” do
movimento estudantil, das mordomias, pois os estudantes gozavam de descontos de
50% nas passagens de ônibus,nos cinemas, liderava competições desportivas e
todo mundo respeitava. E assim foi levando a vida, sem idéias comunistas”,
conta Israel Vieira.
CIA financiou
estudantes e padre em 1961 (II)
Dois Pontos, 14 a 20 de maio de 1988.
Ainda Pecado – No final dos anos 50,
muitas passeatas foram comandadas por Pecado, uma figura que ficou folclórica
em Natal, e eram realizadas no trecho compreendido entre o Atheneu, no bairro
de Petrópolis, e o “Grande Ponto”, no meio da rua João Pessoa, na Cidade Alta.
As causas das passeatas: precariedade e preços das viagens nos transportes
coletivos. Os ônibus eram escassos,
velhos e caros. “Houve algumas tentativas de queimar ônibus, no Grande Ponto,
mas nunca se concretizaram devido a presença da polícia”, disse o professor
Israel Vieira da Silva, ex-presidente da Associação Potiguar de Estudantes-APE.
Com saudades, Israel relembra que as datas nacionais
eram comemoradas todos os anos no âmbito dos estabelecimentos de ensino de
primeiro e segundo graus (21 de abril, 7 de setembro, 15 de novembro, etc),
além do dia 11 de agosto, Dia do Estudante, com concentrações de estudantes,
reuniões, conferências, numa verdadeira simbiose escolar. As datas eram
lembradas nas escolas, promovidas pelos grêmios ou diretórios estudantis, “sem
grandes mobilizações de massa nas ruas”.
Ele não se lembra de que haja ocorrido qualquer
repressão violenta ao movimento estudantil secundarista em Natal, na década de
50, mas recorda-se que os universitários, alunos da Universidade do Estado do
Rio Grande do Norte, criada pelo governador Dinarte Mariz, eram mais atuantes,
principalmente os estudantes da Faculdade de Direito, na praça Augusto Severo,
Ribeira, no prédio onde hoje funciona a Secretaria da Segurança Pública.
“No governo de Aluizio Alves houve muita repressão.
O secretário de segurança, coronel Manoel Leão Filho, mandava “baixar o cacete”
nos estudantes. Nessa época, os líderes eram Hélio Vasconcelos, Danilo Bessa,
gente de esquerda. A repressão era maior nos trotes, tendo em vista que nos
trotes, os estudantes criticavam com os
seus cartazes a autoridade estabelecida e a administração de Aluizio, que foi
muito duro nessa questão”, disse Israel.
Entre 1961/1965, Israel Vieira escreveu na “Tribuna
do Norte”, onde tinha coluna dirigida aos estudantes, “Vida Estudantil”, na
qual atirava flores à administração de Aluizio, de quem foi fiel
correligionário e fundador da “Cruzada da Esperança”. Perdeu um ano do curso de
direito para se dedicar à campanha de Aluizio Alves, tornando-se, mais tarde,
chefe de gabinete de Duarte Filho, secretário da Saúde Pública. Ele lembra que
Aluizio atraiu muitos estudantes para a sua campanha, pois foi o primeiro
político a levar a juventude potiguar a acreditar em mudanças. “Até o hino da
campanha era um hino de promessas. Por essa razão, eu e parte da estudantada
participamos da campanha dele, pois acreditávamos que estávamos trabalhando
para a transformação do nosso Estado”, conta Israel, que trabalhou com
Aristófanes Fernandes e, após 1965, desencantado, abandonou a política. Somente
retornou à política em 1985, com a candidatura de Waldson Pinheiro, do PDT, à
Prefeitura de Natal.
ANUIDADES – Tal como hoje, as anuidades escolares já
eram um problema grave para a estudantada, segundo informa Israel Vieira. O
problema era mais agudo porque o número de escolas e de vagas era reduzido.
Para se conseguir uma vaga numa escola pública ou privada era necessário um
cartão de um político, “senão não se matriculava”. No Atheneu, o único colégio
público, só se matriculava com um cartão de político, se o aluno fosse do
interior.
As divergências eram também importantes entre as
entidades estudantis da época, principalmente entre o Centro Estudantal Potiguar-CEP
e a Associação Potiguar de Estudantes-APE. No Centro Estudantal houve uma
direção muito criticada, a de Jurandir Tahim, que sempre se reelegia, “pois era
uma espécie de clube fechado”.
“No Centro Estudantal só se filiava quem fosse de
acordo com Jurandir Tahim; quem não fosse, ele não filiava. Jurandir era uma
espécie de “coronel” do CEP. Então, se criticou a sua administração, se
denunciou que ele não prestava contas, que ninguém sabia para onde ia o
dinheiro que a entidade recebia, etc. E a entidade não atuava políticamente, ao
contrário da APE, liderada por Érico Hackradt, antes de mim. A APE era mais viva, mais atuante, mais aberta.
Então, nesse ângulo houve uma grande rivalidade entre a APE e o Centro. Na
minha gestão, levamos a eleição para o interior, pois antes só era realizada em
Natal e de forma indireta. Fizemos a primeira eleição direita, envolvendo todos os alunos das
escolas de Natal, inclusive a Escola Doméstica, Colégio Agrícola de Jundiaí, escolas
de Mossoró, Caicó, Assú, Macaíba e Parnamirim. Após a eleição e posse da
diretoria, fizemos reuniões em Natal com as lideranças do interior e editamos
um jornal impresso na Imprensa Oficial do Estado. Além disso, conseguimos um
grande tento: legalizar a carteira de estudante. Até então, o estudante
conduzia a carteirinha para identificação, mas com a Lei Érico Hackradt, em
1958, instituiu-se o abatimento de 50% nos cinemas e ônibus. Antes o abatimento
só existia nos cinemas, o único grande meio de diversão para os estudantes”,
disse Israel.
BALA EM ESTUDANTE – Como episódio quase trágico na
sua vida de política estudantil, Israel lembra um comício que estava sendo
realizado em frente ao Atheneu, durante a campanha de Aluizio Alves, em 1960.
“Os estudantes discursavam na frente da casa do então deputado João Aureliano,
o Coleguinha, que, achando-se
incomodado com a “zoada”, sacou um revólver e apertou o gatilho várias vezes,
no meio da concentração, mas atirando pra cima. Então, correu todo mundo e
acabou-se o comício”, conta o ex-presidente da APE (ele foi sucedido na APE por Edmilson Felipe, Paulo Ney de
Lacerda (advogado em Brasília) e Pio Cavalcanti.
Segundo Israel, as bandeiras de lutas dos estudantes
sempre foram nacionalistas, tais como a campanha pela defesa do petróleo
brasileiro, das reservas minerais, etc. Mas houve um acontecimento que mexeu
com os nacionalistas, comunistas e direitistas de Natal: o Congresso
Latino-Americano de Estudantes - CLAE. “Estávamos em 1961, mas a presença da
representação cubana foi quem ouriçou, pois Cuba estava no auge da sua
revolução, graças a repressão dos Estados Unidos a Fidel Castro. A questão
levantada foi por causa da chegada de representações da maioria dos países
convidados: essa maioria era subvencionada pela CIA, pelo Departamento de
Estado norte-americano. A confusão foi grande quando uma delegação do Panamá ou
da Guatemala descobriu um telegrama da CIA dando orientações para os estudantes
se conduzirem no congresso. Coube a um estudante de Cuba ou do Chile, não tenho
certeza qual sua nacionalidade, ler o telegrama. Quando o estudante chileno ou
cubano estava dizendo que ali havia representações pagas pelos americanos,
então, o tiroteio começou no recinto. Foi bala pra burro , depois de luta
corporal entre o estudante que estava com o telegrama e os que queriam
arrebatar o telegrama. Então, alguém puxou o revólver e meteu bala,
derivando-se em tiroteio que foi fotografado pelos repórteres e
jornalistas, o que levou alguns
estudantes a quebrar as máquinas fotográficas. A bagunça foi grande e o congresso
foi encerrado no segundo dia”, conta Israel Vieira.
O Congresso da CLAE foi realizado nas dependências
da atual Escola Estadual Professor Anísio Teixeira, na praça Cívica Pedro
Velho. Sabe-se, por outras fontes, que um padre indiano, Campos, comandou um
grupo de estudantes da direita para atacar o Congresso e realizou reuniões nas
dependências do Serviço de Assistência Rural-SAR, que contou com a presença de
Ney Lopes de Souza, Adilson de Castro Miranda, João Maria Cortez Gomes (este
ficou encarregado de panfletar e provocar os cubanos) e outros jovens da
Juventude Estudantil Católica-JEC. Realizaram as tarefas, foram cobaias do
padre Campos, mas muitos fugiram nas primeiras refregas.
O telegrama do Departamento de Estado, que dava
orientações à representação do país, cujas despesas de viagens, diárias,
alimentação e hotel eram pagas pelos americanos, teria sido interceptado na
portaria do “Grande Hotel”, na Ribeira. “Não sei como conseguiram o telegrama.
Sei que o telegrama dava orientações sobre o que fazer no congresso , como
atacar Cuba, como defender tal e tal país, etc. Só sei que a Polícia interviu e
acabou-se o congresso”, afirma Israel.
Ele assegura que a Igreja não colaborou para o
fracasso do Congresso da CLAE, patrocinada pela União Nacional dos
Estudantes-UNE, apesar de reconhecer que naquele tempo a Igreja Católica estava
ligada aos poderosos. “E havia grupos de
direita dentro da Igreja: a Juventude Estudantil Católica- JEC e a Juventude
Universitária Católica-JUC. Eram grupos muito fortes, além da Juventude
Operária Católica-JOC, integradas e lideradas por estudantes que começavam a se destacar no movimento estudantil. Eu fui
participante da JUC, assim como João Faustino e a maioria dos líderes estudantis.
Na Universidade, em 1961, já tinha gente de esquerda; na JUC, JEC, JOC, JIC,
não. No meio universitário,
conhecíamos como de esquerda Luiz
Maranhão Filho, Hélio Vasconcelos, Danilo Bessa e outros. Eram pessoas que a
cidade dizia ser de esquerda, mas como estudantes não discutiam ideologia. Eram
envolvidos na luta nacionalista contra o truste estrangeiro”, comenta Israel.
DIREITA – Segundo o pedetista Israel Vieira, a
Igreja apregoava que o comunismo acabava com a família, que matava as
criancinhas. “Então, os líderes estudantis de direita lançavam a palavra de ordem que o comunismo era a
peste. A Igreja era profundamente reacionária, cujo discurso era que o Estado
acabava com a família, que cada um era dono dos seus filhos, etc. Eles pregavam
isso. Então, todo mundo movimento de direito tinha a família como alvo dos
debates, com o objetivo de encostar os comunistas. O bom mesmo era ser de
direita, pois era mais bem-visto, cortejado. Entre outros nomes que assumiam
posições de direita posso adiantar José Augusto Othon, Pio Cavalcanti e padre
Celestino Galvão, de Currais Novos. Esse era um padre que atuava mesmo no
movimento estudantil. Ele morava em Caicó, mas se envolvia com os estudantes de
Natal, Caicó, Currais Novos, Ceará-Mirim, Parelhas. Onde houvesse movimento,
ele estava metido, sempre como um padre
conservador. O padre Galvão tinha uma liderança muito forte entre os jovens,
principalmente em fundações e reuniões de grêmios, congressos, etc. Dom Eugênio
Sales foi um líder na Igreja e sempre teve muita influência na juventude, mas
não era um homem de se expor, de aparecer, ir lá. Por debaixo dos panos, ele
sabia manipular e já era considerado um bispo conservador. Já os padres Agnelo
Dantas Barreto, Oto Santana e Antonio Soares Costa atuavam na coordenação da
JEC, JUC, JIC e JOC ”.
DEPUTADOS ENVERGONHARAM OS ESTUDANTES (III)
Dois Pontos, de 21 a 25 de maio de 1988
Ö estudante
aqui, como em muitos outros países da América Latina, é movido por algo mais do
que o simples espírito anarquista que caracteriza o jovem moderno na Europa ou
nos Estados Unidos. Esse algo mais, que torna o estudante brasileiro muito mais
maduro, políticamente, do que o seu colega europeu ou norte-americano,
refere-se a uma profunda decepção quanto à maneira como o Brasil foi conduzido
no passado, de uma violenta revolta contra o modo pelo qual ele é dirigido no
presente e de uma entusiástica disposição de governá-lo de outra forma no
futuro. Devido a essa perspectiva de poder – que muitas pessoas imediatistas e
carentes de imaginação, podem considerar utópica, mas que é, afinal, uma
consequência inevitável das leis naturais – o estudante brasileiro é
oposicionista nato”. (Arthur José Poerner, O Poder Jovem, história da participação política
dos estudantes. Rio de Janeiro,. Civilização Brasileira, 1969, p.26).
Para Hélio Vasconcelos, ex-secretário de Educação do
Estado do RN e atualmente exercendo as funções de Procurador da Assembléia
Legislativa, a mais antiga entidade estudantil de Natal foi o Centro Estudantal
Potiguar, criada em 1935, por um grupo de alunos do Atheneu Norte-rio-grandense
que representou uma espécie de “pré-universidade do Rio Grande do Norte”. De
lá, também saíram as grandes lutas, como
a do “O petróleo é nosso” e outras reivindicações.
--Desse grupo, entre outros nomes, relembro as figuras
de Luiz Maranhão Filho, Alvamar Furtado, José Cândido, Vivaldo Ramos de
Vasconcelos. Destes, estão vivos o professor Alvamar Furtado e José Cândido.
Luiz Maranhão foi morto pelo golpe de 64 e Vivaldo Vasconcelos também. Depois
de alguns anos, nos idos de 47/48, surge uma cisão no movimento estudantil
secundarista, que eu vejo como um marco: a Associação Potiguar de Estudantes,
formada por alunos da Escola Técnica de Comércio, Escola Industrial de Natal,
Colégio Imaculada Conceição, Colégio das Neves, com a liderança de Érico
Hackradt, o grande líder estudantil desta época, Moacir de Góis, João Ururahy
Nunes do Nascimento, Omar Pimenta e um estudante chamado Hitler Miranda. Na
época não se falava em reacionário, conservador, progressista, direita, esquerda,
nada disso. Esta cisão teria sido em decorrência de uma eleição que este
pessoal da APE acusava de ter sido uma eleição viciada. Eles haviam perdido e
me faz lembrar as campanhas políticas da época, pois quando a UDN perdia uma
eleição, queria ganhar no tapetão. Nesta época, surge a APE e isso abalou muito
a força do movimento secundarista, porque se dividiu entre esses estudantes,
com Érico Hackradt à frente, e o Centro Estudantal, do qual fui presidente em
1955/56”, historia o professor Hélio Vasconcelos.
O Centro Estudantal Potiguar tinha sede,
funcionários, prestava contas de suas atividades ao seu quadro social. Era uma
entidade estudantil burocratizada para poder distribuir as carteirinhas
estudantis. Nos tempos da liderança de Hélio Vasconcelos, o CEP funcionou em
duas sedes: uma na avenida Rio Branco e, depois, na rua Princesa Isabel, onde
hoje é o Café São Luiz.
O CEP se mantinha de uma subvenção do Estado e da
renda dos sócios que pagavam as mensalidades. Como órgão de classe, lutava por
abatimentos dos estudantes nos ônibus e cinemas e realizava algumas atividades
sociais e recreativas (festas dançantes), jogos desportivos, mantinha uma
biblioteca que era muito consultada pelos estudantes e havia até um grêmio
literário na própria estrutura do Centro Estudantal.
A APE tinha também muita movimentação, conta Hélio
Vasconcelos, relembrando a época em que lutou pela integração das entidades com
vistas ao fortalecimento do movimento estudantil. “O movimento já era fraco e
dividido se tornava mais fraco ainda. Mas isso nunca foi conseguido porque aí
já se tinha um divisor mais ou menos claro: o Centro Estudantal, por ter sido
criado em 1935, tinha a pecha de ser entidade ligada aos comunistas. Lembro-me
bem que em duas vezes em que assumi a presidência, houve um congresso de
estudantes em Natal e o Centro Estudantal teve muita dificuldade em participar
desse congresso porque era um congresso feito por estudantes católicos. Eu tive
que falar com o Arcebispo, Dom Marcolino Esmeraldo de Souza Dantas, e ele, uma
pessoa generosissíma, disse “para mim isto não tem maior valor, acho que vocês
todos são estudantes, vocês não têm nenhuma definição de conteúdo ideológico”.
Ele pensava assim, na primeira visita que eu fiz. Mas a maioria tinha prevenção
contra o Centro Estudantal Potiguar.
O Centro
participou do congresso e aí houve a cisão na APE. Alguns líderes saíram da
APE, como Geraldo Lago de Oliveira, hoje juiz de direito, era grande orador
estudantil; Francisco das Chagas Rocha saiu e foi para o Centro e Arnaldo Arsênio de Azevedo, entre outros. Nesse pouco de
história, dava para sentir o início de uma certa maturidade, um pouco das
coisas que devia realizar”, disse Hélio Vasconcelos.
Na sua opinião o marco central de todo o movimento
estudantil partiu do Colégio Estadual do Atheneu Norte-rio-grandense, que era o
maior estabelecimento e que se equiparava “aos melhores colégios da capital”,
tendo em vista que o seu ensino era sério. Hélio e Varela Barca foram alunos do
Atheneu, assim como milhares de estudantes de diversas gerações. Como
Secretário de Educação , no governo de José Agripino Maia (1982-1986), o
professor Hélio Vasconcelos teve oportunidade de dialogar com estudantes do
Atheneu, que faziam reivindicações, ocasião em que tentou renascer o movimento
estudantil, mas sem obter êxito, conforme revelou ao repórter.
--No meu tempo de estudante o Atheneu era o grande
foco de reivindicações”, relembra, acrescentando que a participação política
dos seus alunos era intensa, enquanto os colégios particulares eram mais
fechados, políticamente, por serem mais elitistas”, conta Hélio. Ele adianta
que os estudantes das escolas privadas também fizeram alguns movimentos de rua,
mas não deixavam de ser elitistas, por culpa da própria cúpula dirigente das
escolas.
No início do governo de Dinarte Mariz, em 1956,
tiraram o professor Celestino Pimentel da direção do Atheneu e nomearam o
padre-professor João da Mata Paiva. Os estudantes se rebelaram e contaram com o
apoio do Centro Estudantal, segundo informa Hélio Vasconcelos, considerando o
ato estudantil como uma verdadeira “insurreição” do Atheneu.
“O governo, que estava começando, não recuou,
manteve a nomeação do monsenhor Mata, que permaneceu diretor do Atheneu. Mas,
Celestino Pimentel conseguiu sair com todas as glórias e honras e ser uma
espécie de diretor dos estudantes. Ele consagrou-se, ao meu ver, como o diretor
da preferência dos alunos. O monsenhor Mata assumiu e teve problemas difíceis
na fase inicial, mas depois conseguiu superá-los. Foi o primeiro embate do governo
com os estudantes, pois houve muitas passeatas, atos públicos e comícios, sem
repressão policial. No governo de Dinarte Mariz não houve repressão policial
aos estudantes. Num desses atos, em frente ao Atheneu, falava-se muito do
governo, por mais que a gente quisesse conter um pouco os ânimos dos mais
exaltados, ninguém conseguia conter. Falavam muito mal do governo, muitos
desaforos, muitas críticas”, conta Hélio Vasconcelos, registrando que Manoel
Filgueira Filho, vulgo Pecado, já
estava começando a agitar massa estudantil de Natal.
Presidiu o Centro Estudantal Potiguar o estudante
Serquiz Farkatt, grande figura humana e que procurou dar ao Centro a
importância da mais antiga entidade secundarista do Rio Grande do Norte.
Realizou concursos literários, incentivou a prática dos esportes e foi um
excelente administrador, relembra o professor e advogado Hélio
Vasconcelos. Serquiz tornou-se
jornalista e foi um dos editores do jornal “Correio do Povo”, localizado na praça
padre João Maia, Centro, de propriedade de Dinarte de Medeiros Mariz.
NÃO HOUVE TIROTEIO – Em virtude de falta técnica no
gravador, a transcrição da entrevista com o professor Israel Vieira da Silva,
publicada em duas edições anteriores, provocou um equívoco sobre o Congresso
Latino-Americano de Estudantes – CLAE, realizado em Natal, em 1961. Na verdade,
não houve intenso tiroteio no segundo dia ( e último) do congresso. Os
congressistas sacaram revólveres, sem dispará-los. O que houve foi muito
quebra-quebra e barulho.
O professor Israel destacou que Hélio Vasconcelos
foi o maior líder estudantil universitário, enquanto Manuel Filgueira Filho,
vulgo, Pecado, teve atuação
destacada entre os secundaristas. Após o golpe de abril de 1964, Pecado foi acusado de denunciar
diversos companheiros e, por isso, foi recompensado com um emprego na
secretaria do Atheneu. Depois de Hélio, a grande liderança estudantil foi
Francisco Sales da Cunha, tendo em vista que a sua atuação ocorreu nos colégios
públicos e privados. Israel atribui a Pecado a fundação da Cooperativa dos
Estudantes de Natal Ltda., que continua funcionando na rua Felipe Camarão,
Centro.
Israel comenta que uma das maiores movimentações de
massas, na década de 1950, em Natal, foi o seqüestro do busto de Amaro
Cavalcanti da Assembléia Legislativa, destacando-se Hélio Vasconcelos como um
dos principais oradores dos comícios realizados no centro da cidade. Quando a
movimentação da direita contra o congresso da CLAE, Israel informa que um dos
mais brilhantes oradores foi o atual procurador do Estado, Francisco de Assis
Fernandes, que esbravejou contra o comunismo e Fidel Castro.
O professor Israel Vieira acha difícil que a
juventude de hoje repita o movimento estudantil repita o movimento estudantil
das décadas 50 e 60, tendo em vista que, na sua opinião, a sociedade brasileira
perdeu a sua identidade e “o jovem está perdido, desinteressado, imitativo e um
simples espectador do processo histórico”. Ele adianta que os jovens estão
alienados pela sociedade consumista.
Memórias
das lutas políticas clandestinas (II)
Além
de Faustino e José Bezerra Marinho que, em 86, se candidatou a deputado federal
com apoio da construtora Oderbrecht, você se lembra de outros nomes de pessoas
que renegaram suas idéias do passado?
Juliano
– na verdade, é o seguinte:Uma série de pessoas importantes no movimento
estudantil, no golpe de 1964 e no golpe de 1968, deixaram a cena política com
dignidade, tiveram que sair do Rio Grande do Norte e alguns se exilaram em
outros países, como foi o caso de Maria Laly Carneiro, estudante de medicina,
outros se mandaram para o Rio de Janeiro, Brasília, São Paulo, etc, como
Ginani, Geniberto Campos. Essas pessoas safran com dignidade. Quer dizer, hoje
continuam sendo cidadãos democráticos, patriotas. Não conheço a sua militância
partidária, mas nunca tive uma informação de que tenham abdicado de suas idéias
e seus princípios. Danilo Bessa e Moacir de Góis foram para o Rio de Janeiro e
voltaram ao RN. São exemplos de pessoas dignas. A alguns professores da
Universidade com formação muita acadêmica tinham posições avançadas e
continuaram, como é o caso de José Arruda Fialho, Ivis Bezerra. Essas pessoas,
mesmo afastadas do movimento revolucionário depois de 64, se mantiveram com
dignidade nas suas profissões, etc.
Quanto
ao suplente de deputado José Bezerra Marinho, eu conheci bastante quando ele
saiu do Colégio Marista e ingressou no Atheneu. No movimento secundarista ele
não teve nenhuma grande participação. Ele foi eleito presidente do Grêmio
Lítero-cultural Celestino Pimentel, em eleição direta, quando derrotou o atual
jornalista Marco Aurélio de Sá. Quem decidiu a parada foi o turno da tarde.
Marinho foi eleito defendendo uma proposta que não tinha nada de política: era
uma proposta cômica de centro, nem de direita, nem de esquerda. O movimento
secundarista passou em branco, quer dizer contra a história do movimento
estudantil do Rio Grande do Norte. Ingressou no Primeiro Ano da Faculdade de
Direito numa turma de mais de 70 alunos,
com 70 pessoas que votavam convictamente nas assembléias com as posições de
esquerda e ele votava nessas posições também. Chegou a ser eleito vice-delegado
da faculdade ao 30 Congresso Nacional da UNE, em Ibiúna-SP. O delegado titular
era eu. Por tarefa do PCB, eu não pude ir ao congresso e ele foi no meu lugar.
Foi preso e na prisão fez uma confissão de arrependimento, uma confissão de fé
anti-comunista e recebeu um tratamento diferenciado em relação aos demais
presos, como Jaime Ariston, Ivaldo Caetano, José Rocha Filho, o nosso saudoso
“Kerginaldo”, Emanuel Bezerra dos Santos, Gileno Guanabara, etc.(Kerginaldo
morreu vitimado por câncer. Foi uma grande liderança no movimento estudantil e
ex-presidente da Casa do Estudante do RN). Mas José Bezerra Marinho retomou a
posição de cômico de centro na prisão. O pessoal ficou nas celas e ele no
cassino dos oficiais. Quando saiu de lá, ele desapareceu da política. Eu passei
seis anos fora do Rio Grande do Norte, três a quatro anos na clandestinidade.
Voltei a estudar, em 1974, e voltei atuar na política timidamente, porque era
cassado, no MDB e me organizei no movimento pró-anistia. E nesse movimento
nunca vi a presença de Marinho, porque ele não participou de nada. Pra mim foi
uma surpresa, em 1986, quando cheguei no RN, para passar as férias, e ter
descoberto que ele tenha levantado na sua campanha para a Assembléia Nacional
Constituinte o passado de luta no movimento estudantil. O que aconteceu foi só
o acidente de Ibiúna, onde participou no meu lugar, depois de um ano de
passeatas, e assembléias estudantis, na Faculdade de Direito. Mas em todo o
processo de resistência democrática e toda a sua militância no movimento
secundarista foi de política de direita. Foi um dos próceres da Juventude
Estudantil Católica-JEC. Era um homem de direita, anti-comunista, com visão de
democracia com as que tinham os que deram o golpe militar de 64, a que ele
apoiou entusiásticamente. Ele nunca teve uma tradição no movimento estudantil
progressista.
Essa confissão de arrependimento está em
algum documento oficial?
Juliano
– Eu tive oportunidade de ler essa confissão de arrependimento porque fui preso
por volta de 1970 (Cópia da confissão? Claro que não tenho, não tive acesso a
esse direito) e tive que assinar um documento que me condenava a um ano de
prisão por atividades no movimento estudantil no Rio Grande do Norte. Era um
documento volumoso, com mais de mil páginas. (A coisa que mais desejava era
papel pra ler; lia até anúncios classificados). Então, resolvi dar uma lida no
processo todo, como leu Gileno Guanabara, Emanoel Bezerra, Jaime Ariston, José
Rocha Filho, Nurembergue Rocha Brito, Ivaldo Caetano. Nesse processo também
estavam presente pessoas dignas, que foram absolvidas, como foi o caso de
JoãoGualberto de Aguiar, que era vice-presidente do Diretório Acadêmico de
Sociologia, da Faculdade da Fundação José Augusto, que não tenho nada contra
ele, absolutamente. Estava Sezildo Câmara, que foi condenado. E lá, eu li os
depoimentos dos presos e das testemunhas. Foi um preso que prestou depoimento,
como ocorreu no meu caso particular, valeu como testemunha de acusação. Com
relação a ele mesmo, disse que se arrependia de tudo aquilo, de ter sido
iludido, de acordo com as suas palavras, “pelo canto da sereia dos comunistas”.
Alguns elementos da direita do movimento estudantil, na Faculdade de Direito,
como Francisco Barbosa, funcionaram como testemunhas de acusação. Inclusive
cometeram erros grosseiros: Francisco Barbosa, por exemplo, disse que eu era
comunista de linha chinesa, coisa que eu nunca fui. Mas o que interessava para
a Auditoria Militar era qualquer tipo de depoimento que me condenasse. Houve
pessoas dignas que foram capazes de testemunhar favoravelmente aos presos,
inclusive o diretor da Faculdade de Direito, Professor Otto Guerra. Ele testemunhou
a favor dos alunos presos da faculdade, no caso eu, Gileno Guanabara. Mesmo que
o Professor Otto de Brito Guerra, anos depois, tenha recusado a participar do
Comitê Pró-anistia, achando que o movimento era uma aventura e não ia ter
resultado, foi e é uma pessoa digna. O tempo provou que ele estava equivocado.
Mas nos processos ele teve um comportamento completamente digno, até porque
tinha sido diretamente atingido pelo golpe militar na figura de seu filho,
Marcos, que teve que se exilar do país.
Depois
de 1964, a Ação Popular-AP teve influência no movimento estudantil em Natal?
Foi a AP quem iniciou o Movimento contra a Ditadura-MCD?
Juliano
– Não. Em 1966, nós já tínhamos reestruturado o PCB, com uma direção, um núcleo
relativamente forte no movimento estudantil e tínhamos inclusive conquistado o Diretório
Central dos Estudantes-DCE da Universidade, obviamente que na clandestinidade.
A AP não tinha nenhuma posição importante no movimento estudantil; tinha
quadros, Jarbas Martins, Arlindo Freire, pessoas respeitáveis, mas não tinham
poder de acumulação que tinham os comunistas. Nós éramos a grande força no
movimento universitário e, no movimento secundarista, a partir de um trabalho
realizado por mim, Luciano de Almeida e com o ingresso de novos quadros, como
Maurício Anísio, Silvério Gomes da Mota e com a aproximação e aliança com
pessoas como Sezildo, etc, nós conseguimos fazer que o grande movimento de
massas entre os secundaristas fosse dirigido pelos comunistas. A AP, por um
voto de diferença, fazer o presidente da APES, numa eleição em que fiquei como
vice-presidente. Luiz Freire foi eleito presidente. Por sinal, hoje ele é um
militante do PCB em São Paulo. Mas logo depois de eleito presidente da APES
Luiz Freire, por motivos de ordem pessoal, se afastou e assumi a presidência da
entidade. Então, fui presidente da APES no período mais difícil de sua
clandestinidade e passei a APES a um sucessor ligado ao partido também. Isso
foi em 1967, quando passei para a Universidade. Então, Luciano de Almeida ficou
controlando aquele trabalho que já não tem para o PCB, pois já estávamos na
dissidência, no PCBR, partindo para a luta armada, mas esse negócio de dizer
que foi a AP que começou a luta contra a ditadura no Rio Grande do Norte não é
verdade. A AP era porta-voz das posições mais à esquerda, daqueles que
rejeitavam a participação no processo eleitoral. Nós sempre tivemos uma posição
para entrar no MDB, apoiar uma candidatura a deputado federal e estadual,
principalmente no caso do deputado Roberto Furtado. Mas não foi a Ação Popular
que teve esse papel de vanguarda. Esse papel era do PCB, até porque era a
organização que tinha mais história no Estado, que existia além de Natal (Em
municípios como Macau, Areia Branca, Ceará-Mirim, Canguaretama), nós participamos
do trabalho de reestruturação do partido. Nós fazíamos circular clandestinidade
no Rio Grande do Norte o Jornal “Voz Operária”, órgão central do PCB. Tínhamos
aqui, ajudando na reorganização do partido,o camarada Pereira – hoje eu posso
dizer o nome dele – Francisco Pereirra, cujo nome de guerra era “Renato”, uma
figura importante para reconstruir o PCB no RN. Ele é dirigente do partido no
Ceará e integrante do Comitê Central. Nesse período, por sinal muito rico, em
que o partido teve um afluxo de novas pessoas ligadas ao movimento cultural ao
Cine Clube Tirol e que estavam retomando a organização do movimento
secundarista e universitário. Foi a época em que Hermano Paiva, Jackson Martins,
William, Gileno Guanabara, voltando ao partido, eu ingressei no partido, Emanoel
Bezerra, que depois foi assassinado em Recife pelo DOI-CODI, o Luciano de
Almeida, José Rocha Filho, “Kerginaldo”, Ivaldo Caetano, Manoel Duarte, o Manú
(líder do movimento comunitário em Natal). Nos tínhamos as principais
lideranças do movimento estudantil, inclusive companheiros da maior
importância, como o Laerte Rocha, de engenharia, que morreu de forma trágica e
prematura.
E
a influência no DCE era fundamentalmente nossa. (A entrevista de Juliano
Siqueira continuará na próxima edição. Os leitores que se preparem, pois virão
muitas novidades por aí). Matéria publicada no extinto semanário DOIS PONTOS, de Natal/RN.
Entrevistas
Em 1992, publiquei uma entrevista com o falecido militante do PC do B, Glênio Sá, natural de Caraúbas/RN, no jornal Tribuna do Norte, mas a reportagem foi escrita em 1986, na redação do mesmo jornal. Abaixo, a matéria original, na base do pingue-pongue, isto é, perguntas e respostas.
R – O PC do B vai apoiar o candidato Geraldo
Melo, do PMDB, ao governo do Estado?
Glênio – Neste final de semana tivemos uma
reunião do partido sobre o assunto, mas ainda não houve o fecho geral.
Segunda-feira, dia 5, conversamos com Geraldo Melo e a coisa evoluiu para uma
coligação, essa é a tendência natural pela análise política que fizemos. A
decisão vai ser soberana, a partir das informações que trago dos companheiros.
R - Você defende o direito a voto para o
jovem de 16 anos. Por que?
Glênio– Achamos que a juventude está mais
consciente de suas necessidades específicas, que os jovens sentem e só eles
podem batalhar. Então, é uma forma de assegurar sua participação efetiva na
política. O grau de insubordinação da criança de hoje já é um indicativo do
desenvolvimento que está existindo.
R – E as conversações com outras forças de
esquerda?
Glênio- Estamos encontrando dificuldades em
discutir com determinadas forças de esquerda, do ponto de vista político. Para
nós, só se forja a verdadeira união do povo com lutas pela base. As propostas
sectárias, fechadas que não ajudam a ampla união do povo e dificultam o
entendimento. Nós combatemos todas as manifestações de oportunismo de esquerda
e de direita.
R – Está havendo abuso do poder econômico na
campanha?
Glênio – Isso já era previsível. Dentre os
candidatos á constituinte, o nome de Flávio Rocha é o que está mais na boca do
povo.
R – Como o PC do B vê a questão do
homossexualismo? Os homossexuais podem ingressar no PC do B?
Glênio – Rapaz, essa é uma questão em debate.
No meu tempo de formação de partido, não considerávamos os homossexuais como
pessoas normais, do ponto de vista genético, e de desvio sexual. Isso com todo
respeito que mantemos com as pessoas em si, do seu caráter, como também
condenamos a forma de tratamento que dá a sociedade, que simplesmente
marginaliza essas pessoas e outros setores. O processo seria simplesmente
fechado. Muitos setores do partido estão debatendo a questão, se entra ou não
entra. Achamos que nas fileiras partidárias hoje, com o partido na legalidade,
eu estava falando da época repressiva, quando a repressão procurava todos os
dados para explorar, nas torturas, no sentido de denegrir essas pessoas, que se
sentem psicologicamente marginalizadas e inferiorizadas e aí poderiam ser
utilizadas pela repressão. Então, a gente era mais exigente nesse ponto, hoje é
uma questão em debate. Eu creio que não é uma questão concluída, mas consideramos
que predomina uma visão científica,que isso é um desvio natural.
R - E a participação da mulher?
Glênio – A mulher sempre teve muita força e
espaço dentro do partido. Na última reunião nacional, tivemos representações de
todos os Estados e territórios e a questão da mulher foi muito debatida. Nós
jogamos dentro das entidades de massas uma política voltada para o
fortalecimento de uma proposta que não veja a questão participativa da mulher
em si, mas a participação da ideologia da classe operária. Nós fazemos uma
diferenciação de determinados movimentos que não fazem nenhuma distinção entre
uma mulher burguesa exploradora e a mulher proletária, que é a grande maioria
das mulheres brasileiras.
R – como você ingressou no partido?
Glênio– Ingressei em 1968, quando participava
ativamente do movimento secundarista em Fortaleza – Ceará. Fui uma das
lideranças do Centro dos Estudantes Secundários do Ceará e entrei em contato
com materiais e lideranças do PC do B. foi a primeira experiência marcante e
hoje é de muita honra, pois ajudou-se bastante a ter mais produtividade no
trabalho organizado e de encaminhamentos coletivos, a ver que era a melhor
maneira de defender os interessados nacionais e a classe operária.
R – O PCB chegou a convidá-lo a ingressar no
partido?
Glênio– Não, mas tive contatos com algumas
pessoas. Naquela época, o movimento estudantil estava no auge. Tínhamos tido um
grande golpe, com a experiência de 64, quando o PCB perdeu muito espaço devido
a sua teoria meio ôba-ôba, pois antes do golpe militar dizia que já estava no
poder João Goulart. O PCB não preparou seus militantes e depois do golpe de 64
jogou um despreparo total. O golpe, que estava em preparação, pois foi
alertado, pegou o partido sem forças suficientes, com poucos membros. Essa
experiência negativa fez com que refletíssemos na ascenção do movimento
estudantil de 68, com muito pouca adesão e simpatia para o PCB. Naquela época, o PCB tinha pouca influência.
Talvez devido a isso e às minhas posições, nunca fui convidado a entrar no PCB,
além do fato de eu já ter uma posição bem definida.
R – Como foi a sua experiência no PC do B, no
Ceará e a sua participação na guerrilha do Araguaia?
Glênio - A minha vivência partidária, antes
de participar da guerrilha, foi no movimento estudantil. O meu destaque maior
foi ser líder secundarista, em 68, 69 e inicio de 1970.
R – Após o AI-5?
Glênio – Inclusive após o AI-5, fomos a única
força organizada em Fortaleza, que chegou a ir às ruas contra o aumento das
passagens dos ônibus. Quando foram cortados os restos de liberdade no país,
conseguimos realizar exitosamente uma manifestação pública, com falações e
tudo, na praça do Ferreira, centro de Fortaleza, mas também com muita repressão
e eu quase levava cacetadas da polícia.
Fui
preso, por conta do meu trabalho em Crato, onde estava em contato com entidades
secundaristas, em nome do CESC. Apesar de não terem conseguido nenhuma acusação
e prova, passei dois meses preso, só porque tinha falado contra o governo numa
reunião com os membros do Centro Estudantil do Crato.
R – Em abril de 1972 você foi para o Pará
participar da guerrilha promovida pelo PC do B?
Glênio – Em 1968 o partido lançou o documento
“Guerra Popular-Caminho da luta armada no Brasil”, elaborado pelo Comitê
Central. Esse documento, a nível teórico, combatia os desvios de esquerda, os
grupos armados que atuavam nos grandes centros urbanos, o foquismo e as idéias
de Regis Debray, Che Guevara, as interpretações errôneas da revolução cubana.
Nós fizemos um combate cerrado contra esses desvios, teorias liquidacionistas
que não mostravam o trabalho organizado como de importância e sim os grupos
armados na condução da luta revolucionária. O partido travou essa luta e
apontou a necessidade de intensificar o trabalho com a massa camponesa. As
revoluções da 6 Conferência, em 1966, nos orientavam para o trabalho de
auto-defesa. Após o AI-5 e a intensificação do fascismo, intensificamos esse
trabalho no campo e fui para o Araguaia, como conseqüência de uma pessoa que exigia
do partido a prática daquelas decisões.
R – Por que escolheram a região do Araguaia?
Glênio – Em junho de 1970 fui realizar um
trabalho com os posseiros e vi que a região seria importante para abarcar e
acolher os nossos militantes mais perseguidos nos movimentos urbanos de São
Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Salvador e capitais do Nordeste. No sul
do Pará, essas pessoas não teriam uma repressão direta de regime militar. A
importância militar daquelas regiões era grande porque ofereciam uma retaguarda
segura para a direção do partido e havia ausência da Polícia Militar. A repressão era mínima, insignificante nas
áreas de posses do Pará. Devido ao abandono geral dessas regiões e a
possibilidade do governo considerar “área pioneira de colonização”, o projeto
da transamazônica, e, a gente sabia que ali seria muito habitado. O próprio
Jarbas Passarinho reconheceu a importância militar, pois a regiões era de
difícil repressão por parte das forças armadas do Brasil, tanto de gastos de
deslocamentos de tropas como a questão de nossa preparação do local, onde a
gente tinha o domínio, toda a retaguarda
de selva, numa extensão de mais de seis mil e quinhentos quilômetros quadrados.
R – Você esteve em São João do Araguaia?
Glênio – Sim. Fui um dos primeiros a chegar,
em junho de 70, na região do Gameleira, onde nós começamos a plantar, construir
casas e se entrosar com os moradores. Fomos os desbravadores de lá, plantando
arroz e milho. Enquanto nos auto-sustentavámos, íamos preparando o terreno, em seis
localidades. Formou-se o “Destacamento B”, ao qual pertenci durante o processo
de luta.No Gameleira, tínhamos três roças que preparamos para os companheiros
que chegariam. Era uma região que tinha gente de todo canto, principalmente
nordestinos, acossados pelo latifúndio, falta de terras, de água, disso e
daquilo. Era uma região de muitos aventureiros, de pessoas de muito
desprendimento. No primeiro instante, tivemos a humildade de aprender com a
massa para dominar a região. Através da caça e dos processos de sobrevivência
na selva amazônica. Tudo isso foi a massa que nos ensinou, os posseiro e
moradores.
R – Qual era a população da região?
Glênio – Vinte e mil pessoas.
R – A guerrilha do Araguaia dá um livro. Fale
resumidamente sobre o seu batismo de fogo.
Glênio – O nosso destacamento foi um dos que
evitaram mais o contato direto com a repressão. A minha experiência militar que
você coloca aí foram algumas ações de fustigamentos, esparsas, que não deram
para saber os resultados. Diria até que não deixa de ter o seu significado
diga-se de passagem que isso não foi um movimento de iniciativa nossa, foi uma
coisa abortada, certo? - mas entramos
num processo de auto-defesa, fomos reprimidos, apesar do trabalho ser o mais
camuflado e clandestino possível com os componentes da área. Aí....
R – O Exército descobriu e foi lá...
Glênio – Exatamente. Não foi de iniciativa
nossa. A gente não ia de livre espontânea vontade entregar-se. Com o grau de
organização que tínhamos, a condições de conduzir e tínhamos outras áreas de trabalho
que não funcionaram (a gente não trabalhou somente no Araguaia, mas no
Maranhão, Goiás e Mato Grosso, áreas que poderiam se integrar ao processo de
luta). Infelizmente, não funcionaram. No geral, a experiência do Araguaia, apesar
de todas as debilidades e da repressão que se abateu sobre os centros urbanos,
em especial sobre o nosso partido e os grupos radicais de luta armada, mostrou
que éramos os mais preparados para enfrentar a repressão. Pelos dados oficiais
das forças armadas, o processo de luta durou três anos. Enfrentamos mais de 20
mil homens armados, uma força equivalente á Força Expedicionária Brasileira na
Segunda Guerra Mundial, com especialistas em guerrilhas de Portugal, de
americanos que lutaram na Guerra do Vietnam, equipamentos sofisticados
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Estava tão despreparada assim, tínhamos
armamento arcaico, comprados na região, com o nosso suor, na base de espingardas
44, revólveres 38. Eu tinha um armamento calibre 16, de cartucho, para
enfrentar fuzis FAL, metralhadoras modernas, helicóptereos, napalm. Chegaram a
matar quebradores de cocos, confundidos com a gente. Eu diria que foi uma
experiência do partido e não baixo a cabeça frente ao processo repressivo da
reação. Elogiamos a capacidade da
repressão do regime, em não ter subestimado o movimento, de ter cortado todo a
comunicação com a região, de ter silenciado todos os jornais do país. A
repressão achava que qualquer notícia a respeito a guerrilha poderia ter um
efeito desbravador. Apesar de todo esse alcance, nós vimos que as nossas
conquistas foram grandes. A guerrilha foi a única chama acesa em defesa da
liberdade no país, quando parecia que tudo estava extinto.
R – Durante a guerrilha morreu muita gente,
não é verdade? Contam que morreram 1.500 militares e 2 mil civis, inclusive o
pessoal do PC do B.
Glênio – Esses dados me parecem exagerados.
Os dados que eu tenho é de 59 mortos e desaparecidos do partido e mais 20 ou 30
da massa, pois não tivemos controle direto sobre essas mortes e
desaparecimentos.
R – Você não falou em bombardeios aéreos, com
bombas de Napalm?
Glênio – Aí é onde está. Eu não tenho a
extensão, mas vamos dizer que tivemos 70 ou 80 mortos, por exemplo, do nosso
lado e da população, certo? E que tenha havido mais uns 20 ou 30 ou mesmo 50 da parte da população, que a gente
não tenha tomado conhecimento. Assim mesmo, acho bastante exagerado chegar a um
cálculo de 1.500 pessoas mortas, pois nós e a população era uma coisa só, as
coisas estavam entrelaçadas. Da parte do Exército, a gente não tem um controle
muito grande, mas acho que não passa disso, em termos de mortes. Primeiro,
porque a gente não teve essa ofensividade toda, não teve a quantidade de
emboscadas com a finalidade de dizimar o Exército. Aconteceram choques entre a
Polícia Militar e o Exército, entre o Exército e a Aeronáutica. Houve mortes na
população civil, que não estavam em nenhum lado, como o caso dos quebradores de
cocos, que foram bombardeados com napalm, de forma irres------ram em lagoas
cobertas com vegetação, pensando que era terreno firme e morreram afogados.
Chegaram a jogar bombas bem pertinho da gente.
R – Quais as principais divergências
ideológicas do PC do B com o PCB? É verdade que vocês não se falam?
Glênio – Não. Eu não diria que não
conversamos. Pessoalmente, como dirigente do PC do B tenho conversado com
vários dirigentes deles, dirigentes declarados do partido e dirigentes
sindicais, nas frentes estudantis e comunitárias. No meio desse trabalho, a
gente conversa de pessoa para pessoa. Agora de partido para partido, nós temos
uma demarcação muito grande e aí realmente travamos uma luta muito grande, não
só contra o PCB, mas contra as forças e formas oportunistas né? Que atuam no
movimento operário e popular. As nossas divergências não são de hoje. O Pc do B
travou nas suas fileiras uma luta ideológica de grande porte, entre 58 e 61,
quando as divergências principais, a
aceitação das teses revisionistas do Partido Comunista da União Soviética, a
introdução do Kruchovismo, as teses de era possível a construção do socialismo
lá, denominado só em palavras, como
“Partido de todo o Povo”. “Estando de todo o Povo” , etc, acabando com o
espírito socialista do inter- nacionalismo proletário e que se refletiu,
particularmente, em 61, com a criação do Partido comunista Brasileiro, que não
foi uma simples mudança de nome. Foi tirado dos seus estatutos a condução
marxista-leninista desse partido, desprezando o internacionalismo proletário.
Os verdadeiros marxistas-leninistas, como João Amazonas, Mauricio Grabois,
Pedro Pomar, José Duarte e Elza Monerate, entre outros, aglutinaram o que
puderam, apesar do boicote de Prestes, reorganizarem e definiram os estatutos
do partido a altura das tradições revolucionárias.
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