terça-feira, 16 de dezembro de 2014

Memoriais sobre os tempos da ditadura no Brasil (1)

Entrevistas 

 


      

 
Entrevista com a Drª Hebe Marinho Nogueira Fernandes, Procuradora de Justiça aposentada, realizada no dia 20 de junho de 2007, em sua residência, por Almir Félix, Sandra Bezerra e Thaisa Mendonça.
Projeto Memorial do Ministério Público:
Drª Hebe, qual é o seu nome completo, data e local de nascimento?
Hebe Marinho Nogueira Fernandes:
Me chamo Hebe Marinho Nogueira Fernandes, nasci em 17 de Abril de 1933, em Natal, sou filha de Djalma Aranha Marinho e Celina Cavalcanti Marinho.
Projeto Memorial do Ministério Público:
Sobre a perseguição de alguns membros do Ministério Público do Estado do Rio Grande do Norte no período do Regime Militar.
Hebe Marinho Nogueira Fernandes:
É uma burrice, pois se há um inimigo, é melhor que se conheça esse inimigo do que ter um inimigo desconhecido. Mas o que vinha por trás não era o inimigo desconhecido, era exatamente você não saber quem estava lhe atacando, de que você estava sendo acusado. Por quem e porque.
Projeto Memorial do Ministério Público:
A senhora pode nos falar um pouco sobre essas pessoas que tentaram evitar algumas dessas barbaridades, o que pode ser considerada algumas barbaridades.
Hebe Marinho Nogueira Fernandes:
Por exemplo.
Projeto Memorial do Ministério Público:
A senhora disse que algumas pessoas enquanto membros do Ministério Público haviam tomado posições para defender determinadas questões...
Hebe Marinho Nogueira Fernandes:
Mas não tão claras, tinham posições porque tinham idéias, então você até podia dizer assim "Eu não sou comunista mas também não sou de Direita". Eu acho que eu sou mais socialista, mas o que era ser socialista já era o mesmo que ser comunista. Porque você não estava mais dentro do partido, dentro das regras do partido.
Projeto Memorial do Ministério Público:
Década de 70, início do processo de redemocratização, década de 80, fim da Ditadura. Como é que vai se pautar o trabalho do Ministério?
Hebe Marinho Nogueira Fernandes:
Aí o Ministério começou a ter consciência do que realmente era, não que antes não tivesse, mas depois da Constituição de 1988- e antes dela- muitos poderes haviam sido conferidos ao Ministério Público. Então, ser do Ministério Público já não era mais aquela salinha pequena, eu sinto que o Ministério Público a qual eu pertencia era mais unido, era mais coeso. Havia menos vontade de aparecer, os membros trabalhavam em equipe, não se tinha medo de chegar no colega e dizer "Fulano, eu estou com tal dificuldade, você pode me ajudar?". Hoje o Ministério Público é um grande Ministério Público, na minha época ele era um pequeno-grande Ministério Público.
Projeto Memorial do Ministério Público:
A senhora no começo da entrevista falava um pouco acerca da situação da mulher, das desigualdades que existiam e que ainda existem hoje, ainda persistem em sua maioria. Década de 60, 70 e 80...Como é que o Ministério Público atuou nesse sentido?
Hebe Marinho Nogueira Fernandes:
Eu acho que não havia essa preocupação dentro do Ministério Público com a mulher, porque nós Promotoras, é isso que eu digo...Eu não notei essa diferença porque durante a minha vida, na minha casa, meu pai e minha mãe nunca tiveram essa diferença. Em relação a função de Promotora...Nós(homens e mulheres) éramos iguais, nós fizemos provas e elas foram iguais, para homens e mulheres. Depois que passamos no concurso e fomos admitidos, bom, aí houve...Na época eu achei maravilhoso, mas as mulheres ficavam sempre mais perto da Capital, havia um consenso de que as mulheres deveriam permanecer mais próximas à Capital, eu diria até que uma "proteção".Certa vez uma cena me chamou muito a atenção...Uma mulher grávida, sendo jogada na rua, foi essa mulher que me mostrou a fragilidade da mulher que não tinha estudo, não tinha tido nenhuma chance, pois era uma empregada doméstica, que estava sendo jogada fora do emprego e que não iria arrumar outro emprego com a barriga grande como ela estava. Então eu comecei a me interessar por essa questão e, realmente entrei no problemas da mulher, participei, fiz movimentos de mulheres, fui Presidente do Conselho Estadual da Mulher. Quando estava sendo redigida a atual constituição eu também participei de um movimento, levando duas lavadeiras para mostrar que realmente a empregada doméstica não tinha nada . Se ela era lavadeira ou faxineira pior ainda, porque a doméstica não tinha a carteira assinada, ela ganhava por dia e esse dinheiro não dava para ela contribuir com a previdência. Na Universidade eu adorava dar aula de Direito do trabalho, principalmente quando era do trabalho da mulher. Eu acho que fiz um bom trabalho, eu abri algumas cabeças (risos). Teve dois momentos que eu fiquei ausente do Ministério Público, em 1972/73 eu passei um ano em Portugal e em 1981 eu fui fazer o Doutorado na Sorbone, então eu passei dois anos em Paris.
Projeto Memorial do Ministério Público:
A senhora lembra desse prédio aqui(referindo-se ao prédio situado na rua Padre João Manoel, que foi sede do Ministério Público no ano de 1965)?
Hebe Marinho Nogueira Fernandes:
Não, desse aí eu não me lembro.
Projeto Memorial do Ministério Público:
É por que o Ministério Público só funcionou poucos meses nesse local. Tem até no Diário Oficial, o Procurador Geral(que na época era o Dr João Medeiros Filho) convocando os membros para uma reunião.
Hebe Marinho Nogueira Fernandes:
Eu não me lembro dessa casa, pode ter sido no período em que eu estava fora. Agora dessa aqui (refere-se à Rua da Conceição) eu me lembro, pois passamos mais tempo, a estrutura era precária porque era pequena. Você imagine que nessa época nós tínhamos na Procuradoria duas máquinas de escrever, uma para o Procurador e uma para a Secretaria, então não sei quem foi que buzinou no meu ouvido que o Banco do Brasil, no fim do ano, pegavam as máquinas que eles consideravam inservíveis e doavam para algumas repartições que necessitassem, alguns colégios. Eu falei com o Procurador, que na época era Dr Nogueira eu acho, pedindo autorização para fazer um requerimento pedindo algumas dessas máquinas para a Procuradoria, isso foi no governo de Cortez Pereira. Ele autorizou e eu pedi em nome da Procuradoria, aí ficou a máquina melhor para o Procurador, uma para a Secretaria do Procurador, Divaldo que era quem ficava lá na frente recebendo os processos. E mais duas ou três máquinas na Secretaria e uma para o Promotor que chegasse primeiro e quisesse escrever um parecer, então os Promotores se revesavam alí, sabe? Era muito bom. Depois havia uma pessoa que batia o parecer que nós levávamos.
Projeto Memorial do Ministério Público:
Na época que a senhora se aposentou, quem era o Procurador-Geral?
Hebe Marinho Nogueira Fernandes:
Na época que eu me aposentei era Otalício, Otalício foi um grande Procurador, um grande Promotor, ele era uma pessoa extremamente séria e confiável. Otalício foi para o Ministério Público como uma bússola.

 


© 2008 - Ministério Público do Estado do Rio Grande do Norte - Produzido pelo Setor de Informática do MPRN

Nenhum comentário:

Postar um comentário